Reboots no cinema: nostalgia ou falta de criatividade?

A reciclagem de conteúdos consagrados em massa serve de atalho aos estúdios e cansa tanto críticos quanto consumidores.

Em 1989, as crianças iam animadas assistir a uma nova animação da Disney: A Pequena Sereia. 34 anos depois, agora adultas, elas voltam para o cinema e encontram o mesmo filme em cartaz, readaptado como live-action. Este fenômeno é conhecido como reboot, ou seja, a retomada de um conteúdo já existente para uma nova produção.

A Pequena Sereia não é um caso isolado para a Disney, já que, desde 1996, outros grandes clássicos foram readaptados. Mais de 12 produções foram feitas, como Peter Pan, Aladdin e até mesmo O Rei Leão. Em entrevista ao The New York Times, o presidente de produção do Walt Disney, Sean Bailey, afirmou que a empresa pretende fazer mais live-actions. HérculesMoana e Lilo e Stitch já estão sendo produzidos, e o estúdio tem mais de 50 filmes em diferentes estágios de produção.

reboots

Divulgação/Disney
Divulgação/Disney

Contudo, essa onda de reboots nem sempre agrada a todos. O público se divide quando chega à seguinte questão: até que ponto essas readaptações representam uma falta de criatividade dos estúdios? “A dicotomia acontece muito na indústria: ao mesmo tempo em que ela quer apostar no seguro (uma coisa é imitada ou continuada até a exaustão), há a impressão de que chega uma hora que o público cansa. Ele quer uma novidade e pensa: ‘por que eu vou assistir o mesmo tantas vezes?’”, responde Marco Vale, documentarista audiovisual e ex-coordenador e professor do curso de Rádio, TV e Internet da Faculdade Cásper Líbero, onde atualmente é diretor.

O professor aponta alguns elementos que deixam de satisfazer parte do público. Segundo Vale, algumas produções pensam apenas no interesse financeiro colocando, assim, o conteúdo em segundo plano. “O problema da abordagem da Disney, que é muito triste, é o cheiro de desespero para fazer sucesso”, diz.

Marco Vale relembra as falhas na sequência da franquia de grande sucesso, Star Wars: “A abordagem da Disney no Star Wars é absolutamente errática, esse é o problema para mim. Começa com Despertar da Força, que muita gente adorou; eu assisti ao filme e pensei: ‘Para quê? É uma refilmagem de Uma Nova Esperança’”. Ele ainda explica: “O Gus Van Sant, por exemplo, é um tremendo diretor que, no final dos anos 90, decide fazer uma refilmagem de ‘Psicose’ do Hitchcock.”

O professor exemplificou que o diretor da readaptação do longa repete plano, movimento de câmera e enquadramento na refilmagem do clássico: “Pensou como um exercício, mas o filme é ruim. Assistindo ao filme eu lembrei que é igualzinho ao do Hitchcock, então, pra quê? Vou assistir ao original que é muito melhor”, disse Marco.

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Reprodução/The Projection Booth
Reprodução/The Projection Booth

RECEPÇÃO DO PÚBLICO

A equipe de nossa reportagem buscou entender a opinião do público. Ao colher o ponto de vista dos telespectadores, é notável um descontentamento com os recentes reboots. O universitário Pedro Penteado, de 19 anos, faz uma análise da estratégia adotada por Hollywood: “É uma exploração incessante da nostalgia do consumidor, que encontra no passado um porto seguro”.

Por outro lado, o influenciador Yan Oliveira, de 27 anos, traz previsões de como este fenômeno prosseguirá nos próximos anos. “No cinema, é difícil enxergar alguma viabilidade de mudar a tendência [da reciclagem de conteúdo] no momento, muito embora seja certo que em alguma hora a onda dos reboots irá se readaptar conquistando um novo público”, comenta.

Seguindo a lógica da Indústria Cultural, as produções cinematográficas de Hollywood não possuem o peso emocional de quem as desenvolveu, são apenas mercadorias que geram lucro à indústria. O professor Marco ainda pontua que esse não é um movimento exclusivo da atualidade: “Principalmente na indústria, você tem exemplos de histórias que foram contadas por pessoas que estão bem pouco preocupadas com o material, é só para ganhar dinheiro mesmo. Indústria cultural sempre foi indústria”.

A fidelidade dos reboots também é uma dicotomia discutida entre os espectadores. De um lado, os consumidores apoiam manter traços fiéis dos filmes originais. De outro, há quem ache que mudanças na essência do roteiro podem ser interessantes para uma produção de sucesso. “Continuações são um pouco menos controversas, pois não se muda o original, mas se dá continuidade, como em ‘O Iluminado’ (1980) e ‘Doutor Sono’ (2019). A questão, neste caso, é: será que vale explicar na continuação o mistério em aberto da primeira produção?”, reflete o fotógrafo amador Ricardo Ito, de 46 anos.

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Divulgação/Warner Bros
Divulgação/Warner Bros

Há também certa influência da sociedade atual nas novas produções: “comédias românticas típicas dos Anos 2000 ou filmes de suspense com pouca ação não tem apelo hoje em dia, já que têm um público mais específico e limitado, por exemplo”, acredita Yan. O influenciador ainda justifica que “ainda mais se considerarmos que hoje em dia tudo é mais fácil, rápido e acessível, o público tem a tendência a pagar o ingresso em uma fórmula mais conhecida do que se arriscar a ver uma comédia de 2h que pode te desanimar em 30 minutos de filme”.

Contudo, existem também motivações positivas ao se fazer uma refilmagem. Fazer uma nova produção que se adeque ao atual momento da sociedade é uma das justificativas, assim, deixando para trás estereótipos e preconceitos. Isso é observado no live-action do filme Dumbo, do qual a polêmica sequência de teor racista com os corvos foi removida. Outra produção que apostou na diversidade foi a nova adaptação de A Pequena Sereia, na qual Halle Bailey, uma atriz negra, aparece como a protagonista Ariel – papel esse majoritariamente protagonizado por uma mulher branca. Afinal, a arte sempre está em renovações: “Tem uma frase que eu gosto muito do Ferreira Gullar que é: ‘A arte existe porque a vida não basta’. Você tem que ter a arte porque a vida não é suficiente, a gente precisa da arte”, pontua Marco Vale.

Fonte: Cásper Líbero.

Autores: Ana Júlia Resende, Fernanda Andrade, Gianne Oliveira, João Pedro Nakamura, Pedro Costa Duarte e Luan Ribeiro Foresti.