PVC analisa a disparidade na atenção recebida por competições de futebol feminino; Adalton Diniz, economista, reforça a importância dos investimentos para gerar interesse.
Você sabe onde foi realizada a Copa do Mundo da FIFA de 2018? E a de 2019? Todos estiveram de olho no que ocorreu no Catar, onde foi sediado o Mundial de 2022 – mas você sabe onde será realizada a Copa de 2023? Nas últimas semanas, nossa equipe realizou essas mesmas perguntas a 119 pessoas e muitos não souberam responder onde foi sediado o torneio de 2019. E, não, você não leu errado. Naquele ano, a FIFA realizou a Copa do Mundo de futebol feminino.
Com base em nossa enquete, a diferença de visibilidade entre o futebol feminino e o masculino é evidente: 88% dos entrevistados souberam que a Copa de 2018 ocorreu na Rússia, enquanto apenas 10% indicaram acertadamente a França como local da competição feminina de 2019. Além disso, 32% dos entrevistados afirmaram que não houve uma Copa do Mundo Feminina naquele ano.
A disparidade de números não fica só por parte do conhecimento da audiência. Os investimentos realizados pelos respectivos países-sede também apresentam uma grande lacuna entre si. A Rússia investiu cerca de 683 bilhões de rublos, equivalentes a R$ 56,02 bilhões na cotação atual. Enquanto isso, a conversão do gasto da França no torneio feminino corresponde a R$ 802,01 milhões – um investimento 70 vezes maior.
Mesmo com a visibilidade do futebol feminino tendo sido impulsionada nos últimos anos, a igualdade perante os torneios masculinos ainda é um sonho distante. Um levantamento feito pelo Insper indica que 10 dos 220 bilhões de dólares gastos pelo Qatar foram com infraestrutura de estádios. Enquanto isso, os anfitriões da Copa do Mundo Feminina do próximo ano estimam um gasto de 27,487 milhões de dólares nas estruturas das arenas.
DISPARIDADE NO INVESTIMENTO
Após descobrir que apenas 10% das pessoas entrevistadas sabem, sem consulta, que a Copa do Mundo feminina aconteceu em 2019 na França, precisamos de informações que nos ajudem a entender este número.
O economista Adalton Diniz, doutor em História Econômica, professor e vice-diretor da Faculdade Cásper Líbero, pontua que a audiência é um produto, ou seja, são necessários retornos para que os investimentos aconteçam: “Devemos nos perguntar: qual o montante que o futebol feminino gera? A discrepância em termos econômicos das duas categorias está ligada ao consumo”.
Para a preparação da maior competição feminina de futebol, a FIFA investiu US$ 50 milhões, segundo informações do Torcedores.com, com cada elenco feminino recebendo no mínimo US$ 1,2 milhão. Por outro lado, segundo informações do portal Sport Insider, o investimento feito pelo Catar para a Copa do Mundo em 2022 é o maior da história, girando em torno de US$ 220 bilhões. O valor investido na Copa do Mundo feminina em 2019 representa apenas 0,02% do que foi investido na masculina deste ano. Sendo assim, é possível responder o porquê dessa diferença de gastos entre a Copa do Mundo masculina e feminina?
Esses eventos de escala mundial não são planejados pensando na vantagem econômica a curto prazo. Adalton reforça essa ideia: “Um país tem interesse em sediar a Copa do Mundo por conta da imagem que vai lhe proporcionar. Em geral, esses eventos não dão vantagem econômica rapidamente, em grande parte eles geram prejuízos logo de cara”.
O cenário descrito é comparável à realidade do Brasil após sediar a Copa do Mundo de 2014. Segundo informações do IBGE, o PIB per capita nacional apresentou um recuo de 0,4% após a realização do evento.
Quais seriam as vantagens de promover uma Copa do Mundo feminina ou masculina em seu país? A imagem vendida é o foco da nação que sedia um evento como esse. Sobre a Copa deste ano, Adalton argumenta que “a Copa do Mundo colocou o Catar no mundo. Até pouco tempo atrás, ninguém sabia a diferença entre Catar e Oriente Médio.”
Quanto à visibilidade, ele aponta que isso também é válido para a Copa feminina: “O evento está diretamente ligado com o turismo e a imagem do país. Sediar a Copa do Mundo feminina é mostrar que o país está aberto para acolher toda e qualquer audiência.”
O trabalho da imagem pelo país anfitrião é um fator que alavanca a economia a longo prazo. A França, por exemplo, após ter sido palco da Copa do Mundo feminina de 2019, apresentou um crescimento direto e indireto de aproximadamente R$ 1,7 bilhão no Produto Interno Bruto. A imagem positiva do país cresceu tanto com a FIFA quanto com o público que acompanha o esporte, movimentando ainda mais dinheiro no mercado do país.
Mas, então, por que ainda se investe menos no esporte feminino do que no masculino? “Audiência é um produto”, reforça Adalton. Quando entramos no campo do esporte, estamos falando de um espetáculo procurado por um público que busca assistir algo que o fascine. Logo, um espetáculo que não é atrativo não é assistido.
Até os anos 80, o futebol feminino foi proibido no Brasil. Mesmo já tendo 40 anos de história no país, o investimento dos clubes nas categorias femininas ainda não é grande. Este fato, somado ao machismo de uma sociedade conservadora, tornou a adesão ao futebol feminino menor que a do masculino. No entanto, afirmar que esse fenômeno aconteceu apenas no Brasil seria um erro enorme.
Isso fica ainda mais evidente quando lembramos que a primeira edição da Copa do Mundo feminina aconteceu em 1991, muito depois da masculina, que estreou em 1930. Isso justifica, em parte, o distanciamento do capital financeiro e a diferença da adesão do público entre as duas modalidades. Até porque, como pontua o jornalista esportivo Paulo Vinícius Coelho, o PVC, esse fenômeno já era esperado: “É natural que você tenha um estágio de desenvolvimento diferente em um esporte que tem 61 anos de distância entre as duas copas.”
Nos últimos anos, o investimento e a técnica no esporte feminino têm aumentado. Logo, cresce, também, a abertura para a transmissão destes campeonatos femininos. Contudo, os números ainda não são favoráveis: o recorde de audiência do futebol feminino na Globo foi de 11 pontos na média do horário, com 27% de participação. Enquanto isso, um jogo amistoso qualquer da seleção masculina (Brasil x Japão, no dia 7 de junho de 2022) alcançou 13 pontos de audiência e 48% de participação.
“Você tem mais investimento se tem mais patrocínio. Para ter mais patrocínio, precisa ter mais visibilidade”, aponta PVC.
A PERGUNTA DE US$ 200 BILHÕES…
O cenário desigual envolve a mentalidade do consumidor. A virada na visão do público em relação ao futebol feminino se dará a partir do investimento feito nele. Adalton reforça: “Para que isso aconteça, precisa colocar as meninas na mídia, mesmo que em um primeiro momento as emissoras sejam obrigadas”.
O economista ainda dá um exemplo prático: compare a adesão entre as categorias de outros esportes. Segundo levantamento do IBOPE Repucom, o vôlei soma, hoje, 53,3 milhões de fãs na modalidade masculina e 50,2 milhões de fãs na modalidade feminina. “Hoje ninguém precisa obrigar a emissora a transmitir o campeonato de vôlei feminino. Isso porque foram anos de treinamento e de investimento na categoria”, completa Adalton.
Por outro lado, PVC explica que a solução está além do simples investimento: “Assim como todos os esportes, o feminino e o masculino são jogados de maneiras diferentes, é necessário entender a cultura. Uma coisa alimenta a outra! Quando a audiência entender isso, a visibilidade irá aumentar”.
A PRÓXIMA COPA DE FUTEBOL FEMININO
A Copa do Mundo Feminina de 2023 acontecerá na Austrália e na Nova Zelândia. Ainda em estágio de organização, o campeonato já é um marco: pela primeira vez, o evento será realizado na Oceania com uma sede dupla de diferentes confederações. Ademais, a Copa de 2023 conta ineditamente com 32 seleções disputando 64 jogos, assim como a masculina.
A evolução, por mais lenta que seja, é perceptível: em julho deste ano, a FIFA afirmou que aumentaria a premiação do vencedor. Se em 2019 a seleção campeã recebeu US$ 43 milhões, em 2023 o valor previsto é mais que o dobro, chegando a US$ 100 milhões.
A visibilidade do futebol feminino cresceu em níveis exponenciais após 2015 e isso também reflete nos investimentos. “Em termos de números, se compararmos o prêmio em dinheiro da Copa do Mundo FIFA 2015 no Canadá e da oitava edição na França […] o prêmio em dinheiro [passou] de US$ 15 milhões para [mais de US$ 30 milhões]”, explicou o presidente da FIFA, Gianni Infanino, após o evento de 2019. Apesar de um longo caminho de reparações que ainda devem ocorrer, é um torneio de inovações que já está fazendo história no futebol feminino.
Autores: Amanda Pavilião, Ana Julia Resende, Gabriel Alvarado, Gianne Oliveira, João Nakamura, Luan Foresti e Maria Clara Gonçalves.
Fonte: Cásper Líbero.