“Eu desenho os homens maus”: os traumas psicológicos de um refugiado afegão de 6 anos

Apesar de Samir* e a mãe, Homira, terem chegado ao Brasil quando ele tinha 4 anos, os efeitos do trauma continuam a causar ansiedade e impactar a saúde mental.

Por causa dos retrocessos nos direitos das mulheres e nos direitos humanos em geral no Afeganistão, a psicóloga Homira e o filho Samir*, de 6 anos, deixaram tudo para trás e buscaram refúgio no Brasil para reescrever a própria história em uma nova direção.

Assim como eles, mais de 7.270 refugiados do país desembarcaram por aqui até junho de 2023. O Brasil autorizou 12.642 vistos humanitários para refugiados do Afeganistão até setembro de 2023, dos quais 10.710 foram emitidos. Você pode deixar uma mensagem de acolhimento para essas pessoas. 

“Não sabíamos quanto tempo a crise humanitária duraria, então tomamos a iniciativa de sair logo de lá. Eu não queria que meu filho passasse por isso. Hoje ele tem 6 anos, mas quando saímos ele tinha apenas 4 anos”, relembra Homira.

Os desenhos de Samir representam os “homens maus” que viu no Afeganistão

Apesar de terem deixado a terra natal há tempos, os traumas e o horror do conflito e do risco de vida continuam a prejudicar a saúde mental de Samir. “Até agora ele ainda tem pesadelos. Foi uma história de terror para ele”, explica.

“Às vezes, ele pinta uns rostos feios, bravos. Eu pergunto quem são. ‘Os caras do mau, mamãe.’ Pergunto quais caras do mau, e ele responde: ‘Você, esqueceu, mamãe? Eu desenho os homens maus do Afeganistão, aqueles que brigaram e deixaram um homem sangrando que ninguém ajudou. Por que ninguém ajudou ele, mamãe?’”

Os desenhos que representam sofrimentos e problemas no Afeganistão contrastam com as representações que o menino pinta do Brasil e da casa onde mora em segurança

Apesar de tanta angústia, há desenhos felizes, nos quais Samir retrata o seu novo lar em paz e segurança no Brasil.

Traumas que contaminam a alma

Os desenhos refletem os horrores que o menino presenciou. “Ele testemunhou muitas coisas difíceis, como uma bomba atingindo um prédio. No Afeganistão, é comum instalar vidros especiais à prova de explosões e tivemos muita sorte de não termos nos machucado”, relata a mãe.

Depois da explosão, Samir ficou uma hora em estado de choque profundo. Homira demorou para conseguir acalmá-lo. No Brasil, as perturbações continuam a acompanhá-lo nos mais diversos ambientes. Samir já teve episódios de crise de ansiedade na escola e costuma ter lapsos de memória.

“Ele faz muitas perguntas que eu não sei responder, como: a gente tinha essa casa? Tínhamos esse carro? Papai trabalhava com muitas pessoas? Meu quarto está diferente, por que não tenho mais isso? Por que estamos aqui? Por que as pessoas falam diferente? Estamos no Brasil? Estamos no Afeganistão? A gente saiu do Paquistão? Por que saímos?”

Às vezes, Samir pergunta se Homira quer voltar para a terra natal. “E, quando eu pergunto o mesmo, ele responde que não.”

Educação e independência ameaçadas para mulheres

Meninas e mulheres do Afeganistão viram seu direito à educação passar por várias ameaças ao longo da história. “Bem antigamente, elas não podiam estudar. Mas, quando houve uma troca de poder, isso mudou. Felizmente, consegui ir para a Índia fazer faculdade e mestrado, o que foi muito bom para mim”, conta a psicóloga Homira, hoje refugiada no Brasil.

A refugiada afegã e psicóloga Homira veio para o Afeganistão com o filho em busca de uma vida em paz. Crédito: Diego Baravelli

Nem todas tiveram a mesma oportunidade que ela. “No Afeganistão, existem muitas pessoas, especialmente mulheres, que não sabem ler e não puderam estudar; por isso, não conseguiam saber de seus direitos”, lamenta.

Para ajudar a mudar situações como essa, Homira trabalhava com direitos humanos, especialmente direitos das mulheres, no governo do Afeganistão. Os avanços nessa área, no entanto, acabaram retrocedendo.

“Hoje em dia, as mulheres não podem sair na rua, trabalhar, não podem fazer nada. Nem ir ao médico sozinha você pode, tem que ir com algum homem: seu marido ou irmão, por exemplo. É impossível ser independente dessa maneira.”

Crise econômica e fome agravam problemas

Mais de 24 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária no Afeganistão. Para além dos riscos de segurança e perda de direitos, a fome é uma grave ameaça. “Tudo está muito caro lá. Um pacote pequeno de arroz atualmente custa 3 mil Afeganes (cerca de R$ 205). É por isso que tem tantas pessoas passando fome”, comenta Homira.

“E ninguém fala sobre o impacto econômico de as mulheres serem proibidas de trabalhar. Antes, elas tinham seus pequenos negócios e conseguiam apoiar a família. Agora, são proibidas de sair de casa. Como vão alimentar seus filhos? É muito difícil…”

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) lidera a resposta emergencial de acolhida a pessoas refugiadas do Afeganistão no Brasil, fornecendo abrigo, ajuda humanitária, aulas de português e apoio para que elas se integrem ao país. Você pode fazer parte dessa missão: saiba mais e doe agora. Não perca também a chance de aquecer o coração de refugiados recém-chegados e deixe uma mensagem de boas-vindas para eles. 

*Nome fictício para proteger a identidade da criança

Fonte: ACNUR.