Brechos são soluções econômicas e sustentáveis para novos hábitos de consumo de moda; conheça os conceitos de consumo circular e moda sustentável.
A moda há tempos vem sendo um setor duramente criticado. Responsável por um consumo desenfreado e, muitas vezes, inconsciente, o descarte da chamada fast fashion (moda rápida) se acumula em toneladas nos aterros sanitários. Estima-se que sua pegada de carbono seja maior do que a de dois setores bastante poluidores juntos: transporte marítimo e aéreo. Há, ainda, o trabalho escravo.
A velocidade com que a indústria têxtil se desenvolveu, e de forma negativa, obrigou a um reposicionamento na postura das operações dos investimentos na moda. Assim, manifestam-se inovadoras práticas de consumo visando novos valores e resignificando a maneira que as pessoas se relacionam com o mercado.
Uma vez levantada a discussão a respeito da sustentabilidade, acabam surgindo novas tendências de consumo. Em meio a isso surge, também, a possibilidade de ascensão do comércio de brechós, trazendo a comercialização de roupas de segunda mão como uma alternativa sustentável de consumo. Essas lojas representam uma nova forma no padrão do mercado, já que não são apenas uma opção de consumo de roupas baratas, mas também uma forma de estar na moda com roupas recicláveis e modernas.
MODA CONSCIENTE E SUSTENTÁVEL
Antes de embarcar na problemática dos brechós, é importante ressaltar o que é a moda sustentável e sua importância nesse processo. As pessoas idealizam a moda consciente, ou “eco fashion”, como se referindo exclusivamente sobre o consumo de produtos nomeados como ecofriendly ou sustentáveis. O consumo consciente, porém, não é necessariamente sobre escolher um produto com tal rótulo, mas sim sobre ser consciente do que se está comprando, da necessidade do produto e de seu futuro descarte.
Alguns métodos de produção menos poluentes utilizados por esse estilo são:
A aplicação de corantes naturais e colas menos tóxicas para evitar a poluição dos oceanos e lençóis freáticos;
O uso de tecidos ecofriendly com mais fibras orgânicas e menos água e produtos químicos na produção;
A reutilização de tecidos e outros materiais usados/descartados e a preocupação em produzir peças que possam ser utilizadas por um longo período.
Essas práticas combatem o fast fashion, conceito que surgiu na década de 1990, em que há um investimento em peças que lembram a alta-costura, mas possuem um tempo de vida reduzido, o que ocasiona o aumento do descarte de roupas.
A profissional em moda sustentável Marila Ribeiro, dona da marca Rent Up, conta sobre a contradição que às vezes existe em relação às marcas consideradas sustentáveis. Quando perguntada sobre a reutilização na produção, ela explica que não é preciso reutilizar tudo para ser considerado sustentável. “Na minha marca, mesmo, eu crio muitas coisas a partir do upcycling, mas também trabalho com partes feitas do zero (como tecidos novos).”
Ela ressalta ainda que a moda consciente é muito mais um princípio do que um rótulo pré-estipulado e garante que, por mais que a utilização de materiais reaproveitados seja mais sustentável, não é apenas nesse caso que estamos ajudando o meio ambiente.
BRECHÓS E SUSTENTABILIDADE
Os projetos de proteção ambiental e práticas sustentáveis têm ganhado peso entre os millennials (pessoas nascidas entre 1981 e 1995) e a geração Z (nascidos de 1996 a 2010), não demorando para que esse movimento se associasse à moda. Atualmente a internet, meio de divulgação mais utilizado entre jovens e adultos, tem sido essencial para a ascensão dos brechós. Redes sociais como TikTok e Instagram proporcionam uma plataforma para a popularidade de curadorias de peças usadas e vintages, engajando os jovens a aderirem práticas de consumo sustentáveis.
A pandemia também foi um cenário inusitado para os brechós, que tiveram que se adaptar às novas demandas. Mesmo em meio à crise, as lojas online conseguiram cativar um público que está dentro de casa comprando pela internet e buscando reduzir gastos ao consumir peças usadas. Um exemplo é o Instagram, que no ano passado lançou a opção “Instagram Shop”. Na aba explorar, usuários podem comprar produtos de marcas e de criadores de conteúdo, além de receber recomendações personalizadas. Para vendedores, é uma forma mais simples de expor as peças e gerar visualização. Segundo a rede social, 90% dos usuários seguem pelo menos um negócio.
“Comecei a querer frequentar brechós pela proporção que isso tomou na internet , principalmente vídeos no TikTok”, diz Maria Júlia, 16 anos. “Mas no fim fui pesquisar sobre e me agradei com toda a questão ambiental envolvida”, completou, enquanto comprava no brechó Capricho à Toa, em São Paulo (SP). Os vídeos do Tiktok aos quais a jovem se referia têm um conteúdo simples mas de certo modo apelativo: pessoas mostrando suas compras em curadorias e montando “looks” (conjuntos de roupas) com as peças usadas.
Dez das quinze pessoas entrevistadas durante um pequeno roteiro de brechós feito no bairro paulistano de Pinheiros afirmaram que começaram a consumir em brechós por causa de conteúdos publicados em redes sociais. É importante ressaltar que nem todos os vídeos desse gênero são publicados por pessoas famosas ou influentes, e Marila conta que é fundamental a divulgação da moda sustentável por qualquer pessoa.
É importante discutir a recente explosão dos brechós, buscando compreender se lidamos com uma moda passageira ou um novo costume. Ribeiro clarifica que a moda sustentável não é uma tendência e sim um novo tipo de consumo que vem para ficar. “É um desafio que nós ainda precisamos entender melhor, como criar o hábito de usar peças second hand tanto de venda quanto de aluguel.” Porém a modista disse que este é apenas seu ponto de vista e que “é difícil prever como os consumidores irão se adaptar a esse novo modo de consumo”.
O consumo sustentável no setor da moda tende a crescer, como demonstrado por um estudo conduzido em 2019 pela empresa Globaldata. A pesquisa afirma que até 2028 o dinheiro movimentado por tal setor passará de 28 para 64 bilhões de dólares, enquanto no mesmo período o crescimento das fast fashion será menor: de 36 para 43 bilhões de dólares. Essa movimentação indica que, mesmo que o consumo da “moda rápida” diminua, mais pessoas irão comprar em brechós e de marcas sustentáveis, garantindo que a economia da área fashion continue multiplicando. Pode-se acentuar o fato de que as pessoas que antes sentiam a urgência de sair para comprar de maneira desenfreada agora passam por um processo de seleção somado à facilidade das compras pelo celular, diminuindo o consumo individual.
BRECHÓS NAS REDES SOCIAIS
No âmbito social a questão se mantém igualmente promissora, com destaque na acessibilidade e na quebra de paradigmas. Quando a moda se torna mais acessível a todos, há uma descontinuidade na suposição de que esta é reservada para aqueles com condições financeiras altas e noções de estilo. Uma das principais vantagens dos brechós está no valor das mercadorias, facilitando o acesso de camadas mais baixas a roupas de qualidade por preços justos. Por consequência, é assegurada uma maior liberdade, diversidade e inclusão em estilos, permitindo que qualquer indivíduo consuma e expresse a moda à sua maneira.
Porém, para que um costume se instale em uma sociedade, é necessário que pelo menos a maior parte da população colabore com a proposta. Essa aprovação geral da moda consciente e do consumo em brechós não ocorre principalmente pelo preconceito com roupas de segunda mão. Muitas pessoas acabam achando que, por já terem sido usadas, as peças alugadas ou vendidas são sujas e de baixa qualidade. Marila Ribeiro argumenta que o preconceito vem da maneira como os próprios brechós cuidam e como decidem expor os cuidados com essas peças.
Ela conta que pelas fotos do Instagram e nas idas até os brechós já se pode ter uma noção do conteúdo da loja, e que algumas delas não têm o cuidado de expor peças de qualidade ou que chamem a atenção em estilo ou marca. Apesar desse pré-julgamento não se aplicar a muitas lojas, é necessário que as curadorias sejam transparentes em relação aos cuidados e à higiene das peças e do local de trabalho para combater essa concepção e ampliar a clientela.
BRECHÓS E COMO FAZER O CONSUMO CIRCULAR
A primeira coisa que se deve fazer para ingressar num consumo consciente é compreender que radicalismos não necessariamente são obrigatórios. A moda sustentável não implica a necessidade de parar de comprar em lojas de marca e comprar apenas em brechós do dia para a noite. Se cada um reduzir seu consumo de roupas fast fashion e consumir mais em aluguéis ou vendas de peça de segunda mão já fará diferença. “Acredito que tudo que nós possamos fazer para conscientizar, seja doando, alugando, revendendo ou customizando, já auxilia no processo da sustentabilidade”, atesta Marila.
O segundo passo é pesquisar e entender como as suas ações podem ajudar na evolução do planeta. Ao se conectar com a causa fica muito mais fácil criar hábitos e se comprometer com a ideologia. Além do mais, pesquisas como essa podem abrir portas para outros consumos sustentáveis e até mesmo a novos conceitos de moda e estilo.
O último e mais divertido passo é procurar brechós ou lojas que incentivem a sustentabilidade perto de você. A partir disso, é uma questão de tempo até se criar o hábito de comprar e se desapegar das roupas que não se deseja mais no armário. Ao desapegar de peças que estão guardadas há um tempo em seu guarda-roupa, você acaba permitindo que outra pessoa consiga fazer um bom uso da mesma, o que acaba aumentando sua vida útil e impedindo o seu descarte precoce no meio ambiente.
Abaixo está um roteiro de brechós em Pinheiros (São Paulo, SP) para aqueles que querem começar, mas não sabem por onde. Os brechós na região de Pinheiros foram os mais pesquisados nos últimos meses, segundo dados do Google Trends. O roteiro a seguir demanda um período de mais ou menos quatro horas e só conta com brechós que abrem durante o fim de semana.
1 — Vó Judith (moda vintage) — R. Cayowaá, 2304
2 — Capricho à Toa (um dos maiores da América Latina) — R. Heitor Penteado, 1096 — Casa 8
3 — Daz Roupaz (moda atual) — R. Artur de Azevedo, 1122
4 — Etiqueta12 (com peças variadas) — R. Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 81
Autoras: Anna Maria Prado, Gabriela Travizzanutto, Luiza de Souza e Maria Julia Frazatto.
Fonte: Cásper Líbero.