Problemas no esporte mostram como o Brasil congelou no tempo e países europeus vêm tomando a frente da modalidade.
O Brasil sempre foi uma potência mundial quando o assunto é Vôlei de Praia. A modalidade brasileira é a que mais possui medalhas olímpicas: 13 no total (3 ouros, 7 pratas e 3 bronzes). Desde que o Vôlei de Praia foi incluído pelo Comitê Olímpico a partir da Olimpíada de 1996, em Atlanta, o Brasil nunca deixou de conquistar pelo menos dois lugares no pódio do esporte, entre duplas femininas e masculinas.
Entretanto, a última edição dos Jogos, que ocorreram em julho do ano passado, 2021, em Tóquio, marcou o pior resultado do país na modalidade. Nem uma dupla brasileira, feminina ou masculina, conseguiu chegar pelo menos a uma semifinal. E países que nunca haviam entrado no pódio, como Rússia, Catar, e Noruega no masculino, e a Suíça no feminino, conquistaram pela primeira vez uma medalha.
Esse cenário evidenciou que, enquanto países sem grandes tradições no esporte passaram a investir e se desenvolver na modalidade, o Brasil apresentou pouca evolução em razão de problemas que envolvem as estruturas e os incentivos ao Vôlei de Praia no país.
Situação dos países não litorâneos
Desde a estreia da modalidade nos Jogos Olímpicos, o Brasil e os Estados Unidos construíram uma hegemonia no Vôlei de Praia. No masculino, até 2016, Brasil ou Estados Unidos estiveram presentes em todas as finais olímpicas. E no feminino não foi diferente. Não houve sequer uma edição em que nenhum dos dois países não estivesse no pódio.
Esse cenário contribuiu para a construção de um imaginário de que o sucesso no Vôlei de Praia estaria relacionado com a presença de características desses dois países — paisagens litorâneas e calor. O que se observa nos últimos anos, porém, é que o crescimento de países europeus na modalidade contraria essa lógica.
Rico de Freitas, brasileiro que treinou uma das duplas femininas do Canadá para a Olimpíada de Tóquio e ex-técnico da dupla brasileira vice-campeã no Rio, diz que o sucesso do Vôlei de Praia desde as primeiras Olimpíadas e Circuitos Mundiais abriu os olhos dos outros países para a modalidade.
“Os países da Europa viram que poderia ser um esporte importante para investir, e começaram a se estruturar. Ao longo de dez anos você acaba criando oportunidades para novos atletas praticarem esse esporte, então nada mais normal ter acontecido que hoje em dia o Brasil não é mais uma potência absoluta nem os Estados Unidos. Isso se deve ao fato dos outros países terem evoluído”, comenta.
É claro que a presença de um vasto litoral, de norte a sul do país, é um fator que poderia colocar o Brasil em vantagem no desenvolvimento do esporte em relação a outros países, já que o local para a prática já está pronto para ser usado. Porém, isso seria verdade se realmente essa condição fosse aproveitada.
Como há problemas maiores envolvendo a estrutura do Vôlei de Praia no Brasil, a presença das praias torna-se um mero acessório. E os países que não contam com esse recurso, seja pela falta do litoral, ou pelos climas frios, criam outras alternativas para suprir essa situação.
Rico diz que a dupla do Canadá, por exemplo, costumava treinar indoor. E essa não é uma realidade exclusiva de lá, muitos países europeus utilizam-se da mesma estrutura: as quadras de areia em ginásios fechados. Em 2019, inclusive, a primeira etapa do circuito mundial daquele ano foi realizada em uma dessas arenas, na Holanda.
Arena de Vôlei de Praia na Holanda [Imagem: Divulgação/FIVB]
As condições, portanto, mesmo não sendo as mais tradicionais, são criadas para que a prática do Vôlei de Praia seja realizada de qualquer maneira. No Brasil, com exceção de quem mora no litoral, os atletas que gostam de praticar a modalidade encontram dificuldades parecidas.
Muitas cidades do interior não possuem quadras de areia disponíveis para a população da maneira que há campinhos de futebol espalhados por todo lugar. Isso restringe a prática para os locais particulares que as disponibilizam, como clubes ou arenas fechadas.
Uma parte da população ainda consegue usufruí- las mediante ao aluguel por hora das quadras, ou a mensalidade dos clubes privados. No entanto, outra parcela permanecem sem o acesso. Em média, o valor da hora para a utilização das quadras esportivas começa em torno de R$50,00.
Dividido entre os praticantes, pode até ser um preço que proporciona os famosos “rachas” dos fins de semana com os amigos, ou o pessoal do trabalho. Entretanto, para aquele atleta que precisa treinar todos os dias, se deseja seguir carreira no Vôlei de Praia, torna-se muito inviável.
E assim, muitas pessoas acabam dependendo da proximidade com o litoral para jogar Vôlei de Praia. Segundo um atlas divulgado pelo IBGE em 2017, referente a distribuição populacional no Brasil, 42% dos brasileiros vivem fora dos 200 km de faixa litorânea, na região continental do país.
O desenvolvimento da Europa e a estagnação brasileira
Sendo o clima desfavorável uma dificuldade já superada pelos países europeus, o esporte passou a crescer no continente. Competições da modalidade começaram a surgir e a Europa passou, inclusive, a sediar campeonatos mundiais com mais frequência.
As últimas oito edições do Campeonato Mundial de Vôlei de Praia — principal torneio internacional da modalidade que ocorre a cada dois anos — foram sediadas em cidades da Europa, por exemplo.
Porém, os atletas europeus contam com uma vantagem que brasileiros e americanos não possuem: a distância. No Brasil, os jogadores ficam muito restritos a campeonatos dentro do país, diferente de lá. “Você percorre a Europa inteira de trem. Os campeonatos nacionais dentro dos países são feitos todos de carro e de trem. Isso facilita muito o atleta jovem a participar de competições. No Brasil não acontece isso”, explica Rico.
Além disso, as despesas para que um atleta brasileiro possa competir na Europa são muito maiores comparadas às de um atleta que já vive no continente e não precisa pagar por passagens de avião para chegar às localidades de jogo, por exemplo. Tudo isso dificulta muito a prospecção de jovens atletas brasileiros, fazendo com que tenhamos poucas duplas nacionais competindo fora do país.
Mas e os circuitos brasileiros? Estes também vêm diminuindo ao longo dos anos, como conta Rico: “Há oito anos atrás nós tínhamos cerca de catorze, dezesseis torneios. Se a gente pensar que cada torneio, para os atletas que não tem patrocínio, representa um salário mensal e uma forma de se sustentar ou de sustentar uma equipe, ter catorze torneios em uma temporada é ótimo”.
Tal cenário era um grande incentivo para jovens atletas terem uma perspectiva dentro do esporte, já que com os treinos, seria possível superar cada vez mais etapas e aumentar os lucros, e a experiência. Mas a situação não se manteve.
“O Brasil, hoje, tem oito campeonatos de vôlei de praia. Tendo uma costa incrível como a gente tem, que possibilita fazer torneios o ano inteiro, a gente tem só oito. Isso talvez tenha sido, se não o maior fator, um dos fatores mais importantes para que o cenário que a gente vive hoje acontecesse”, completa o técnico.
Esporte barato para diversão, mas caro para atletas.
Pode parecer estranho dizer que Vôlei de Praia é um esporte caro, afinal, além da quadra, só é preciso a rede, uma bola, e quatro pessoas, correto? Para quem quer apenas passar o tempo e se divertir, sim. Mas para quem deseja crescer dentro da modalidade e tornar-se um dia profissional, não é tão simples assim.
O Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia é o campeonato nacional em que os atletas do Brasil participam para ganhar visibilidade e chegarem em um nível profissional. Hoje em dia, o circuito conta com apenas sete etapas que inclui todas as faixas etárias, cada uma sediada em uma cidade do país.
Cada etapa do torneio é dividida em duas fases: qualifying e torneio principal. As 14 melhores duplas do ranking nacional, de cada gênero, automaticamente estão classificadas para jogar o torneio principal. Já o qualifying é composto por até 20 duplas, que irão disputar por quatro vagas dentro do torneio principal.
A disputa do qualifying ocorre por eliminatória simples, ou seja, perdeu um jogo está fora. Esse sistema de disputa desestimula e encarece a participação dos atletas, já que essas duplas precisam pagar a viagem, hospedagem, alimentação, e ainda correm o risco de chegar, perder o primeiro jogo e já voltar para casa.
Considerando o tamanho do Brasil, não é barato percorrer o país todo para participar do Circuito. Muitas vezes as duplas precisam escolher apenas algumas etapas para participar, prejudicando o desempenho geral. Isso acarreta menos pontos no ranking, e consequentemente, dificuldades para subir no esporte.
Estar perto das áreas litorâneas é de grande importância para os atletas de vôlei de praia, já que quadras de areia são mais caras e escassas na parte continental do país [Imagem: Reprodução/Pxfuel]
Aos atletas garantidos para o torneio principal, é cedido pela organização do campeonato o alojamento e alimentação para as duplas. No entanto, a viagem ainda é por conta dos jogadores. A Gol, patrocinadora da Confederação Brasileira de Vôlei, apenas disponibiliza passagens promocionais para os atletas da duplas e uma pessoa da comissão técnica, para uma etapa do ano.
Esse problema de custos para os atletas no Vôlei de Praia é reflexo, em parte, da falta da modalidade em clubes esportivos, como o futebol, e o próprio vôlei de quadra, por exemplo. Segundo Rico, isso ocorre principalmente pela forma que esse esporte se iniciou, lá nos Estados Unidos, ligado mais a um estilo de vida, do que com uma relação com clubes.
Rico expõe as consequências disso: “Um jogador de vôlei de quadra tem um contrato, no final do mês ele recebe um salário, e se preocupa exclusivamente em se preparar, treinar, seguir as instruções de uma equipe, de um técnico, e de um clube. O atleta de Vôlei de Praia, principalmente o iniciante, tem que pensar no lugar que ele vai treinar, quem pode ser o técnico dele, como ele vai conseguir pagar as viagens, as hospedagens… Isso desmotiva muito os atletas novos”.
“A participação dos clubes no vôlei de praia representaria um caminho importante para o crescimento, justamente por essa condição que um clube tem de dar estrutura para um atleta. E se a gente parar para pensar, o custo para o clube seria muito pequeno em comparação com o custo com o vôlei de quadra, que é muito mais numeroso”, completa o treinador sobre a importância de mudar esse cenário.
Falta de visibilidade e de incentivo na base.
Outra questão que prejudica a modalidade é a falta de visibilidade. Muitas pessoas têm contato com o vôlei de praia apenas durante a Olimpíada. Fora desse período, os canais de televisão costumam transmitir apenas as semifinais e finais das etapas nacionais do circuito de Vôlei de Praia, tornando o esporte pouco apreciado.
“Antes de um atleta se interessar em jogar vôlei, e futuramente pensar em transformar isso em sua profissão, ele tem que gostar do esporte, ele precisa praticar o esporte em um nível amador. O garoto que vai para praia precisa gostar de jogar vôlei.”, ressalta Rico.
Ele ainda complementa dizendo que o Vôlei de Praia no Brasil, atualmente, é um esporte muito consumido por pessoas acima dos 40 anos. Portanto, é preciso haver mais divulgação da modalidade. Segundo Rico, esse trabalho poderia ser feito através das mídias, da internet, e a partir das transmissões.
“Isso tem que ser pensado de forma urgente, para a gente ter na audiência do vôlei de praia um público mais jovem. Automaticamente, a longo prazo, isso te traz mais praticantes e vai te trazer mais possibilidades de termos novas Dudas, que é filha de uma ex-jogadora, jogava dentro de casa, foi ficando apaixonada pelo esporte, e surgiu uma grande jogadora.”
Em entrevista logo após a derrota contra a Letônia na Olimpíada de Tóquio 2020, o jogador Alison Cerutti denunciou a falta de apoio ao esporte, alegando que não houve nenhuma mudança nos incentivos ao vôlei de praia mesmo após o ouro na Rio 16.
Alison Cerutti e Álvaro Filho falam da situação do vôlei de praia brasilero após eliminação da Olimpíada de Tóquio [Imagem: Reprodução/Youtube/ge]
A falta de incentivo na base é outro fator que agrava o desenvolvimento do Vôlei de Praia. Segundo Rico, não há investimento no Brasil para atrair novos atletas para a modalidade, e aos que já praticam, formas de mantê-los interessados.
“Várias jogadoras que já ganharam muito para o Brasil saíram de projetos consistentes da categoria de base. E a gente não tem mais isso de uma forma organizada e consistente”, afirma ele.
Como consequência da falta de visibilidade e investimentos na base, os olhares acabam se voltando para o vôlei de quadra, muito mais popular e valorizado, segundo Rico. Além das vantagens estruturais.
“O atleta de categoria juvenil na quadra ganha um salário pequeno do clube, mas mora em alojamento e praticamente não tem despesa, apenas com a vida pessoal, porque todo o resto é pago pelo clube”, comenta.
Por que, então, uma atleta com uma boa altura e com técnica escolheria o Vôlei de Praia ao invés de investir no vôlei de quadra? Sabendo das condições de ambas as modalidades, não fica difícil entender o motivo pelo esporte nas areias ser a opção menos atraente.
Sem popularidade e incentivos, o Vôlei de Praia brasileiro vai sendo ultrapassado por outros países dispostos a investir na modalidade. A situação se transforma em uma bola de neve. Criar o gosto pela modalidade nas pessoas e atrair novos atletas em desenvolvimento — os quais não faltam no Brasil — pode ser o pontapé inicial para renovar o cenário do vôlei de praia em um país reconhecido internacionalmente por seu litoral.
Autora: Isabel Vernier.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.