A vida e obra do pai da economia moderna, que nascia há 300 anos.
Há pouco mais de três séculos, no dia 5 de junho de 1723, nascia Adam Smith. O escocês foi um filósofo e economista que até hoje é referência nas principais escolas do setor. Intitulado “pai da economia moderna”, Smith é responsável por um conjunto de ideias que, no contexto em que foram divulgadas, se tornaram um divisor de águas.
O início da vida de Smith
Pouco se sabe sobre o passado pessoal de Adam Smith. Seu batismo aconteceu no dia 5 de junho de 1723, na cidade escocesa de Kirkcaldy, mas a data exata do seu nascimento é desconhecida. Um de seus discípulos, Dugald Stewart, afirmou que ele namorou uma “jovem de grande beleza e talento” em seus tempos de faculdade, porém não há registros de que tenha se casado alguma vez.
A maior parte do que se sabe sobre o filósofo consiste em afirmações atreladas à sua vida profissional. Aos 14 anos, Smith se matriculou na Universidade de Glasgow para cursar filosofia e continuou seus estudos após ganhar uma bolsa em Oxford, em 1740. Em 1751, ele voltou a Glasgow como professor de lógica e, no ano seguinte, começou sua carreira na área que faz jus a sua fama, a filosofia moral.
A filosofia moral é uma área de estudo que busca analisar por que uma ação é considerada moral ou imoral. As palestras eram o método mais utilizado por Smith para lecionar. Os principais assuntos abordados eram ligados à teologia, ética, jurisprudência e política econômica.
Em 1759, Adam Smith publicou sua primeira obra, “Teoria dos Sentimentos Morais”, na qual buscou expor suas ideias sobre a origem dos julgamentos de moralidade. A partir de suas pesquisas, ele concluiu que cada pessoa possui uma espécie de “espectador imparcial” dentro de si, o qual se baseia nas crenças comuns da sociedade para estar constantemente aprovando ou reprovando suas ações. O conteúdo da obra também fez parte de seu curso de filosofia moral na Universidade de Glasgow.
No ano de 1776, Smith apresentou ao mundo sua obra mais famosa, “A Riqueza das Nações”. Considerado um clássico dos estudos de filosofia e economia, o livro repudia a sociedade mercantilista da época e propõe ideias que viriam a sustentar a economia liberal e capitalista.
A publicação foi uma das mais lidas durante a Revolução Francesa (1789), e seu conteúdo é considerado como a fundação de uma maneira de ver a sociedade. “Smith inventou uma análise histórica na qual o elemento determinante é a produção e a circulação da riqueza”, afirma Pedro Paulo Pimenta, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP). “É um livro inesgotável porque os vestígios do sistema mercantilista continuam no capitalismo avançado [dos dias de hoje], como formas renovadas de monopólio e concentração, por exemplo”, completa.
A obra de Smith foi inscrita em um momento muito peculiar da história, no qual o mercantilismo começava a perder força e, aos poucos, o capitalismo a se estabelecer. O período entre os séculos XVI e XVIII foi denominado a “era do mercantilismo”, caracterizado pela colonização europeia na África e o rápido crescimento no comércio externo dos países europeus.
Do mercantilismo ao capitalismo liberal
O estudioso André Gunder Frank (1929-2005) distinguiu três períodos do capitalismo: o Mercantilismo (1500-1770), o Capitalismo Industrial (1770-1870) e o Capitalismo Imperialista (1870-1930).
O Mercantilismo, momento que sucedeu a crise do feudalismo, tinha como base um número de teorias econômicas aplicadas pelo Estado visando riqueza e poder. “Era um sistema baseado na defesa do comércio com fins lucrativos, embora as mercadorias fossem ainda produzidas com base em um modo de produção não capitalista”, como explica Osvaldo Coggiola, professor de História na FFLCH-USP.
Suas principais características eram: o Metalismo, que consistia na hierarquização da riqueza através da quantidade de metais preciosas possuídos, Balança comercial favorável, os políticos mercantilistas argumentam que o estado devia reportar mais bens do que importava, arrecadando fundos através dessas exportações, somente matérias primas que não pudessem ser extraídas no próprio país deveriam ser extraídas no próprio país deveriam ser importadas; Monopólios econômicos, o mercantilismo promovia subsídios e concessão de monopólios comerciais a grupos de empreendedores, assim como tarifas protecionistas, para incentivar a produção nacional de bens manufaturados.
Com o advento da burguesia industrial como classe hegemônica as ideias de políticas e econômicas até então estabelecidas foram rompidas: a classe capitalista industrial passou a dirigir efetivamente o processo produtivo e a atividade econômica. No entanto, divergindo da antiga nobreza, ela não geria diretamente o Estado. “O mercantilismo cedeu seu lugar ao capitalismo industrial, que integrou no seu processo a terra, o comércio, a tecnologia e o trabalho, sob a forma da relação salarial. A tecnologia passou a se basear na mecanização e na utilização de novos materiais e novas fontes de energia (carvão, vapor) integradas ao sistema fabril”, explica Osvaldo.
O capitalismo se apropriou da esfera da produção mediante a transformação geral dos meios de produção em capital.
Osvaldo Coggiola, professor de História da FFLCH-USP
No Ocidente Europeu, a generalização da produção de mercadorias, exigia maior liberdade comercial, incluindo a comercialização mais livre da força de trabalho (venda e compra da mão de obra, o trabalho assalariado). Esse movimento levaria potencialmente a produção até patamares de qualidade superiores. E é nesse contexto que são popularizados os pensamentos dos iluministas Adam Smith e John Locke, críticos das políticas mercantilistas e defensores da não intervenção estatal na economia.
Na visão de Osvaldo Coggiola, apesar da obra central de John Locke ser política, como economista, fez a transição entre o mercantilismo e a economia política clássica (liberal). Assim, Adam Smith foi indiretamente discípulo do liberal inglês. Já Pedro Paulo Pimenta acredita que foi o escocês o fundador da economia política: “Quem criou o liberalismo foi Locke”.
Na obra “A Riqueza das Nações”, Adam Smith usou o termo “nação” para designar a organização da sociedade como princípio regulador das novas relações econômicas. “Não foi a revolução técnico-científica [Revolução Industrial] que possibilitou o surgimento do capitalismo, mas o contrário: foi o desenvolvimento das condições econômicas e políticas do capitalismo que possibilitou as mudanças científicas e tecnológicas que levaram à grande produção, e sua incorporação à produção social”, diz Coggiola.
Divisão do trabalho
A divisão do trabalho é um dos conceitos pilares do pensamento de Adam Smith. Ele busca explicar o fato de, no capitalismo moderno e tecnológico, ser comum que cada trabalhador se especialize em uma etapa da confecção de um produto, sem ter controle sobre todo o processo. “É o princípio organizador da vida moderna. É um sistema que organiza a experiência, organiza o mundo que tende à dispersão”, pontua Pedro Paulo Pimenta.
Nas palavras do próprio Smith:
A invenção de tais máquinas que tanto facilitam e abreviam o trabalho, parece que se deve basicamente à própria divisão do trabalho. Tendo voltada toda a atenção da sua mente para um só objeto, um homem será capaz de descobrir os meios mais fáceis e expeditos de realizar seu objetivo, com maiores probabilidades de êxito do que se tivesse a atenção dispersa, voltada para uma grande variedade de coisas.
“A Riqueza das Nações”
Para explicar essa relação, o filósofo apresenta a dinâmica de uma fábrica que produz alfinetes. Nela, é possível identificar ao menos 18 funções para os trabalhadores: o primeiro extrai o minério, o segundo derrete, o terceiro corta, e assim por diante até chegar no alfinete empacotado.
Os ganhos de produtividade decorrentes da divisão do trabalho, segundo Adam Smith, podiam ser atribuídos aos seguintes fatores: à maior destreza do trabalhador na realização de suas tarefas; à redução dos tempos mortos; e à maior possibilidade de invenção de máquinas e mecanismos facilitadores do trabalho.
A mola propulsora do processo era que as manufaturas se viam cada vez menos em condições de fornecer mercadorias em quantidades suficientes. Seus proprietários procuravam novos meios para produzir mais mercadorias em menor tempo e custo , obtendo maiores lucros). “O processo de trabalho, tal como existia na manufatura, não comportava uma importante divisão do trabalho”, diz Osvaldo.
Mercado, uma “mão invisível”
As razões por trás da adoção da divisão do trabalho estão ligadas ao que Smith chama de “mão invisível” do mercado. De acordo com esse conceito, os preços dos produtos são ditados por uma relação natural de oferta e procura: o aumento da quantidade de itens disponíveis para venda faz seu valor diminuir, enquanto uma maior procura dos consumidores aumenta seu preço, e vice-versa.
Em “A Riqueza das Nações”,, a expressão “mão invisível” aparece uma única vez em uma passagem quase que circunstancial. A análise desse trecho é alvo de debates até hoje — alguns estudiosos compreendem, inclusive, que naquele contexto ela tem um sentido humorístico.
Para o professor Mauricio Coutinho, da Unicamp, o termo pode ser interpretado de diversas formas, mas a melhor delas é “nós perseguimos certos fins e, ao perseguirmos certos fins, há consequências não intencionais”. O docente também contesta as teorias de que as relações comerciais são pautadas pela boa vontade. “Alguém me vende algo porque é benéfico a ele me vender, não para me fazer o bem”.
Outro trecho da obra de Smith é reproduzido na internet e nos debates sobre seus estudos: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses. Apelamos não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca falamos a eles das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que eles podem obter”. Ele é colocado como uma exemplificação da teoria da mão invisível, porém, segundo o professor Maurício, não é exatamente isso. “Tem um pouco de mão invisível, mas é um pouco diferente” e está mais perto do conceito que o professor coloca como self-benefit., ou então, benefício próprio.
Estado mínimo
Para a economia funcionar, Adam Smith acredita ser fundamental a intervenção mínima do Estado nessa relação, desde que regulamentada juridicamente e considerando suas consequências sociais. Ou seja, segundo o filósofo, os governos devem participar apenas de setores considerados essenciais, o que traria maior desenvolvimento econômico. “Ele diz que não importa onde foi produzido o que você está consumindo, mas sim o fato de que, se você está consumindo, é porque existe riqueza”, aponta Pimenta.
Uma das principais discordâncias de Smith com o pensamento mercantilista consistiu na contestação da crença de que um Estado só podia aumentar a sua riqueza em detrimento de outro. “Os primeiros economistas clássicos constataram que a riqueza geral podia também crescer de modo constante, até ilimitado. A nova sociedade, o capitalismo, se baseava na competição econômica por mercados que podiam expandir-se”, diz Coggiola. A competição capitalista era pelo controle do espaço de intercâmbio de mercadorias, redigido pela eficiência e pela competição orientada pelos preços.
Na visão de Smith, a competição livre entre os diversos produtores, e o contínuo aumento da produtividade, levaria não só à queda do preço das mercadorias, mas também a constantes inovações tecnológicas, no empenho de baratear o custo de produção e vencer os competidores.
Propriedade privada
Apesar da propriedade privada não ser um consenso entre os iluministas, Smith, de acordo com a corrente iberal do movimento, a defendia. “O que Smith pensa é mais ou menos o que John Locke diz: se não existirem garantias de direitos à vida e à propriedade, não há sociedade”, explica Pedro Paulo Pimenta. Nesse sentido, o direito à propriedade serviria para proteger as pessoas contra as ações dos reis absolutistas.
Adam Smith afirmava que “todo fundo está dividido em duas partes. Aquela da qual (o proprietário) espera uma renda, é chamada de capital. A outra parte está destinada ao consumo imediato”. Sobre essa base, a crítica dos filósofos e economistas britânicos à economia francesa possibilitou a determinação do trabalho como fonte do “valor agregado”. Smith afirmou que, nas economias pré-capitalistas (economia mercantil simples), a quantidade de trabalho posta em movimento por uma mercadoria se identificava com a quantidade de trabalho contida na própria mercadoria. Para Smith, essa circunstância já não era válida na economia capitalista. A posição de Ricardo foi que o fato de que na economia capitalista uma parte do produto não retornasse aos trabalhadores, porque transformado em benefício ou em renda, não impedia de fato que as mercadorias se trocassem de acordo com a quantidade de trabalho contido nelas.
Divisão de classes
A ideia da divisão de classes sociais a partir das relações de trabalho trabalho é anterior a Smith e continua a ser desenvolvida depois dele.
Com Smith ficou popular a tripartição de classes e suas formas de renda. Os trabalhadores assalariados, que têm sua renda baseada no seu salário. Os capitalistas, que têm sua renda baseada no lucro de seus comércios, e o proprietário de terra, que tem sua renda vinda da terra.
Teoria das vantagens relativas absolutas
Uma ideia que vinha se desenvolvendo anteriormente à obra de Smith é a de que a especialização da força produtiva é benéfica, pois um indivíduo pode se aproveitar da melhor capacidade produtiva do outro. Um padeiro que se especializa em fazer pães, por exemplo, beneficia o pedreiro que não sabe fazer pães, mas sim construir casas, ou seja, cada um faz aquilo que é melhor
Smith aplica essa lógica às relações comerciais internacionais. Para ele, um país que se especializou em produzir produtos agrícolas beneficia um país que se especializou em mineração, e vice-versa. Dessa forma, as nações deveriam deixar de ter “ciúmes de comércio”, ou seja, deixar de criar barreiras de comércio com países porque eles fabricam certo produto de uma melhor forma.
Geração de riqueza
Os fisiocratas,corrente de economistas anterior a Smith, acreditavam que o produto excedente, ou seja, aquilo que sobrava do consumo e das trocas realizadas pelo produtor, vinha apenas da terra. Em sua obra, o filósofo os critica e situa que o produto excedente está condicionado ao trabalho agrícola e não agrícola, seja manufatureiro ou qualquer outro.
De acordo com Smith em “A Riqueza das Nações” , os defensores do sistema mercantil confundiam metais preciosos (moeda/dinheiro) com riqueza. No entanto, o filósofo entende que riqueza não é dinheiro, riqueza são mercadorias, ou seja, ela é é mercantil.
Esses economistas defendiam um excedente na balança de comércio com outros países, sendo essa uma forma de deixá-la equilibrada Smith dizia que isso tudo estava equivocado, que o equilíbrio na balança comercial seria natural e a humanidade não precisaria se preocupar em ter um excedente que traga metal, ou seja, riquezas: “Produzam mercadorias e elas serão exportadas e nos trarão os metais.”
A obra de Adam Smith na atualidade
As ideias de Smith criaram linhas de pensamento econômico que se desdobram até hoje. O principal movimento que seguiu e desenvolveu sua obra foi a escola americana de Chicago, a qual tem como um dos principais nomes Milton Friedman. No Brasil, um grande adepto de suas ideias é o ex-ministro da economia Paulo Guedes.
Todas as linhas de pensamento que apoiam o liberalismo econômico, o livre mercado e os mercados abertos, passam em algum momento pela obra de Smith. Mesmo que venham a romper com ele posteriormente, como é o caso dos economistas austríacos, que se tornaram mais extremos na ideia do self benefit e da mão invisível do mercado.
Atualmente, os economistas que seguem a linha de pensamento de Adam Smith e dos liberais clássicos tendem a ser chamados liberais, podendo ser denominados também como neoliberais ou neoclássicos. Atribuir os pensamentos de Smith à esquerda ou à direita pode ser considerado um anacronismo, visto que sua perspectiva é anterior à Revolução Francesa (1789), quando surgiu essa divisão.
Pedro Paulo Pimenta defende que as correntes atuais da ideologia liberal seriam criticadas por Adam Smith. Segundo o professor, elas possuem uma “concepção de estabilidade jurídica fundamentalmente restritiva e negativa”, ou seja, não defendem a existência de um sistema de leis sólido. “[Para ele] o mais importante não é a existência da riqueza, mas justamente a existência daquilo que possibilita a boa circulação e a otimização na distribuição da riqueza”, afirma.
O docente argumenta que uma das razões pelas quais Adam Smith continua atual é o aumento da procura por suas obras. “À medida que isso ocorre, as pessoas percebem que é mais difícil extrair uma doutrina e mais fácil perceber que seu pensamento incita à crítica e à reflexão”, explica.
Autor: Diogo Silva.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.