Tecnologia na educação: aliada ou inimiga?

A restrição do uso de celulares nas salas de aula leva a discussões sobre a participação da tecnologia no processo de ensino.

Desde março de 2024, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, passou a proibir o uso de celulares nas escolas da rede pública municipal dentro e fora da sala de aula.  Professores avaliam a restrição do uso dos aparelhos telefônicos por si como insuficiente para resolver o problema. Eles entendem que o uso da tecnologia na educação traz diversos benefícios para os estudantes e educadores, desde que seja feito de forma consciente e alinhada ao processo pedagógico.

Ao redor do mundo, diversos governos já adotaram medidas mais e menos rígidas sobre o uso de dispositivos eletrônicos nas instituições de ensino. Entretanto, o contexto socioeconômico de cada país afeta esses dados. De acordo com o Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023 da Unesco, “em todo o mundo, apenas 40% das escolas primárias, 50% das escolas de primeiro nível da educação secundária e 65% das escolas de segundo nível da educação secundária estão conectadas à internet”. 

Ainda segundo o relatório da Unesco, a tecnologia pode ser uma grande aliada na educação. Um exemplo é a ação realizada com alunos de locais de difícil acesso no México: “O Programa Telesecundaria, que combina aulas televisionadas com apoio em sala de aula e formação extensiva de professores, aumentou a taxa de matrículas na educação secundária em 21%”. Além de ajudar estudantes em regiões remotas, a tecnologia possibilita a inclusão de pessoas com deficiência, promovendo avanços no envolvimento acadêmico, na participação social e no bem-estar desses alunos. 

Dados divulgados pelo relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) mostram que cerca de 65% dos alunos se distraem nas aulas de matemática com o uso de dispositivos eletrônicos, porcentagem que aumenta para 80% no Brasil. O Pisa analisa de forma comparativa entre os países o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos.

A distração pelo uso de celulares ou tablets afeta também os outros jovens no ambiente, já que 59% relataram que a desatenção surgiu por colegas estarem usando os dispositivos. Os impactos desses dados puderam ser analisados na prática com o resultado dos testes de matemática aplicados pelo Pisa: os alunos que passam de cinco a sete horas nesses aparelhos tiveram pontuações consideravelmente menores que aqueles que passam até uma hora.

Dia-a-dia das salas de aula

Criança com mochila mexe em um tablet
No Brasil, muitas escolas públicas e privadas vêm restringindo o uso de dispositivos eletrônicos em sala de aula. [Imagem: Reprodução/Freepik]

O professor do curso da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA), Ildeberto Rodello, é favorável ao uso de dispositivos eletrônicos durante as aulas em que ministra: “Pedir alguma tarefa ou exercício que pode ser feita rapidamente usando o próprio dispositivo do aluno torna a aula um pouco mais dinâmica, ao invés de simplesmente teórica”.  

Quando se trata de ensino infantil, fundamental e médio, as perspectivas e obstáculos são outros. Andreza Bernardi, professora de geografia para alunos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, diz que na escola em que trabalha existe uma caixa de madeira na qual os estudantes colocam o celular dentro antes da aula começar. “Se o aluno se recusa, a gente entra em contato com a família e pede para um dos responsáveis retirar esse equipamento dele”, comenta. Essa medida se faz necessária, segundo ela, porque “a gente percebe que eles não têm essa consciência de quando olhar para o celular e quando prestar atenção na aula”.

Maria Fernanda, aluna do oitavo ano em uma escola particular de São Paulo, relata a postura do colégio diante do uso de dispositivos eletrônicos: “Se você tirar o celular da mochila durante a aula ou tiver com ele no bolso você é imediatamente levado para coordenação e leva uma advertência. Se isso acontecer mais de uma vez, pode até ser uma suspensão.”

A principal preocupação dos educadores é com a alta capacidade de distração dos celulares. “Antes, nas escolas que autorizavam o uso do celular, era muito comum ver os alunos guardando o aparelho dentro do estojo, então qualquer notificação que chegasse eles poderiam verificar”, diz Andreza. Segundo ela, hoje há um movimento para o aluno não deixar o celular em cima da carteira ou no estojo, porque a quantidade de notificações acaba o distraindo.

Por outro lado, há circunstâncias em que os dispositivos eletrônicos podem ser vistos como ferramentas de ensino, auxiliando na realização de algumas atividades. No colégio em que Andreza trabalha, os alunos cursam a disciplina de projeto de vida, na qual fazem um teste vocacional on-line. Nesse caso, a professora explica, “as famílias são avisadas de que nesse dia a utilização dos dispositivos será necessária, e caso algum estudante não tenha, o colégio oferece.”

Ferramenta para além da sala

Andreza Bernardi aponta que muitos recursos pedagógicos dependem do uso de aparelhos eletrônicos, graças à participação cada vez maior da tecnologia no nosso cotidiano. “Todo material didático hoje conta também com material digital. Os professores, a coordenação e os alunos recebem um login e uma senha, você se cadastra nesse portal e tem acesso ao material digital e a uma série de outras funções, como simulados”, diz.

Para além da sala de aula, o uso da tecnologia na educação é fundamental para avaliar o andamento da aprendizagem dos alunos. Idelberto relata que aplicativos o ajudam na gestão da sala: “Eu consigo acompanhar a frequência e a evolução dos exercícios em poucos cliques”.

participação da família na educação dos alunos impacta decisivamente no desempenho escolar de crianças e jovens. Por isso, existem aplicativos e programas que servem como canal de comunicação entre a escola, os alunos e as famílias, como o Google Classroom e o Microsoft Teams.

Maria Fernanda conta que sua mãe, para monitorar melhor o que consome no celular e controlar seu tempo de estudo, utiliza de recursos do próprio dispositivo. “Eu tenho no meu computador e no meu celular um aplicativo que limita o meu uso a 3 horas por dia, e só quem tem a senha e pode mudar é a minha mãe. Ele também me deixa inativa das 21h30 até 6h45 do dia seguinte”.

O que a lei diz?

O debate sobre a proibição do uso do celular nas instituições de ensino alcançou estados e municípios brasileiros. Um dos exemplos mais recentes é o Rio Grande do Norte, que promulgou em janeiro deste ano a Lei nº 11.674, a qual proíbe o uso de smartphones em salas de aula para fins não pedagógicos no estado.

Além dessa, outras ações jurídicas foram adotadas no país recentemente, como: 

  • Decreto Rio nº 53.918, que limita o uso dos dispositivos eletrônicos a antes da primeira aula e após a última, à exceção de casos especiais.
  • O projeto de lei do município de Belo Horizonte, o qual, caso seja aprovado, prevê que os celulares só poderão ser utilizados com fim pedagógico e após autorização do professor. 

Otto Rezende, vereador de Mogi das Cruzes, foi responsável pela criação da lei que dispõe sobre o uso de celulares e dispositivos tecnológicos nas unidades escolares da cidade. Segundo a proposta, fica proibida a utilização dos aparelhos pelos alunos da Rede Municipal.

Em entrevista à Jornalismo JúniorOtto declara uma das motivações para a elaboração da lei: “A gente fica hoje seis ou sete horas no celular sem perceber, e isso está atrapalhando no rendimento dos alunos. Então uma coisa que é muito bacana e era para permitir o aprendizado mais rápido acaba atrapalhando.” 

Em relação ao processo de criação, o vereador menciona as visitas aos colégios particulares da cidade de Mogi das Cruzes que já haviam adotado políticas de restrição ao uso de dispositivos eletrônicos. Além de conversar com a coordenação da escola, o assunto foi debatido também com aqueles que lidam diretamente com os alunos dentro da sala de aula. “Eu fui conversar com os professores e vi que realmente precisava ter alguma lei, algum jeito para poder inibir isso. Sem a lei, eles até tentavam, mas os alunos já tinham a resposta na ponta da língua: ‘o dono do celular sou eu”, explica.

O que os médicos dizem?

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) alerta que cada faixa etária possui uma recomendação diferente para o tempo de tela diário, a qual se baseia nos efeitos de sua exposição ao desenvolvimento cognitivo, emocional e físico das crianças:

  • Zero a dois anos: evitar por completo a exposição a telas.
  • Entre dois e cinco anos: limitar o tempo de telas ao máximo de uma hora por dia.
  • Entre seis e dez anos: limitar ao máximo de uma a duas horas por dia.
  • A partir dos onze anos: limitar a três horas diárias.

Além do tempo de tela, os responsáveis precisam ficar atentos ao conteúdo que a criança está consumindo e a sua classificação indicativa. Os estímulos de luzes e cores afetam diretamente no desenvolvimento da saúde mental e cerebral, de acordo com a SBP. 

A exposição às telas, principalmente às redes sociais, faz com que o nosso cérebro aumente a sensação de recompensa, por meio da liberação do neurotransmissor dopamina, que está relacionado aos nossos desejos. O abuso do sistema de recompensas gera um comportamento compulsivo, com características semelhantes a dependências químicas e de doces.

Mulher com mão acorrentada mexe no celular
A ansiedade ou medo pela falta do uso do celular, que gera sintomas como irritabilidade ou falta de sono, é chamada pelos profissionais de nomofobia. [Imagem: Reprodução/Freepik]
[Créditos da imagem de capa: Foto da criança ao celular – Freepik / Rabo – Freepik / Chifres – Freepik]

Autora: Louisa Coelho Harryman.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.