Os sonhos sempre foram um grande mistério para a raça humana. Desde interpretações místicas até as razões científicas, eles são fonte de grandes teorias e longas pesquisas acadêmicas . Mas, afinal, o que eles são e por que seus significados importam para tantas pessoas?
É comum sonhar com algo e automaticamente ter vontade de pesquisar seu significado, esperando por sorte, dinheiro, amor… Diversas são as teorias, e mais diversos ainda são os significados e símbolos creditados aos sonhos. Entretanto, há pouco tempo os hábitos do sono e seu conteúdo passaram a chamar a atenção dos cientistas e pesquisadores, assim iniciando uma grande produção de conhecimento sobre o assunto, ainda incerto.
O que são sonhos?
De maneira direta e simples, sonhos são estados fisiológicos e psicológicos caracterizados por experiências sensoriais oníricas mentais, vivenciadas durante o sono e ocasionadas por uma acelerada atividade cerebral. Os estudos acerca desse assunto iniciaram-se por volta dos anos 1950 na Universidade de Chicago, onde cientistas descobriram que é comum tal atividade ocorrer durante uma fase do sono denominada REM (rapid eye movement, ou seja, movimento rápido dos olhos), período em que o sistema nervoso tende a produzir sonhos mais vívidos e de maneira mais frequente. Diferentemente do sono NREM (non rapid eye movement, ou seja, movimento não rápido dos olhos), período com menor produção de sonhos e, quando presentes, caracteristicamente mais calmos.
Segundo Gilberto Fernando, médico especialista e pesquisador em neurociência, “os sonhos correspondem a uma atividade nervosa que, se mensurada pelo traçado eletroencefalográfico, será muito equivalente ao estado de vigília, ou seja, a vida real”. Por isso, a única diferença entre sonho e vida é a ausência da ativação do tônus muscular, ou seja, você pode sonhar que está correndo, mas não irá sair correndo, porque seus músculos estão quase ou totalmente inativados.
Além de toda significação fisiológica, a partir dos anos 50 autores e pesquisadores como Sigmund Freud e Carl Jung procuraram identificar as possíveis motivações psicológicas dos sonhos. Em seu livro A Interpretação dos Sonhos (1899), Freud defende que os sonhos são espelhos simbólicos dos impulsos e desejos conflituosos do subconsciente, além de serem constituídos de grande parte das memórias da vida de vigília, especificamente da infância. De forma diferente, Jung, psiquiatra e colega de Freud, interpretava os sonhos como tentativas do subconsciente de regular a vida do estado consciente, ou seja, da vigília cotidiana.
Por que eles ocorrem?
Mas, afinal, por que eles acontecem? Essa não é uma pergunta fácil de ser respondida e não está nem perto de ser solucionada. Atualmente, a teoria mais aceita entre os cientistas é a de que o sono REM desempenha uma função de processamento de experiências emocionais vivenciadas durante a vida desperta, ou seja, sonhos são uma espécie de simulação da vida real, na qual a mente busca assimilar e reconstruir situações vividas.
Segundo Fernando, sonhos são um processamento adicional da memória de vigília dos últimos dias relacionados a eventos correspondentes do passado, como uma reconstrução de suas memórias. Além disso, assim como exposto em A Interpretação dos Sonhos, eles podem também ser influenciados por fatores externos ao ambiente. Freud busca classificá-los em quatro: estímulos sensoriais externos e internos, além dos estímulos somáticos internos e os puramente psíquicos.
Um exemplo dos sensoriais externos e internos, respectivamente, seriam luzes fortes e fome, ambas possuindo potencial de gerar sonhos envolvendo relâmpagos ou comida. Já os somáticos internos extrapolam as barreiras sensoriais e são ocasionados por estímulos orgânicos internos, como em casos de sonhos envolvendo dentes após alguma espécie de estímulo dental, tal qual a dor. Por último, os psíquicos envolvem unicamente estímulos mentais, como sonhar com seu cachorro após passar algum tempo pensando nele.
Sonhos ao longo do tempo
Apesar das pesquisas científicas de Freud e Jung terem se iniciado apenas no século 19, os sonhos já eram acontecimentos extremamente importantes para diversos povos e religiões da antiguidade. Afinal, a maioria dessas populações acreditava que os sonhos seriam grandes mensagens premonitórias vindas de seus deuses, que poderiam ou não indicar fortuna ou morte em seus futuros.
Na Grécia antiga os sonhos eram tão importantes para filósofos clássicos como para os principais formadores da cultura grega, apesar das diferentes interpretações a respeito deles. Afinal, para Aristóteles e Heráclito, sonhos seriam representações de lembranças passadas ou dos estados naturais dos corpos dos indivíduos. Já para escritores como Homero, em Odisseia, sonhos seriam mensagens vindas dos deuses, como ocorrido com a personagem Penélope, que sonha com uma águia que a avisa para ter coragem e esperança pelo retorno de seu marido.
Além da Grécia Antiga, a importância dos sonhos mostra-se presente em diversos outros textos religiosos, como no cristanismo, com os sonhos de Salomão e José, ou na mitologia suméria, com a Epopeia de Gilgamesh e até no Alcorão, com os sonhos dos profetas. Contudo, a importância religiosa não ficou restrita à antiguidade: continua a ser importante para muitas populações indígenas.
Para os Yanomamis, por exemplo, sonhos são experiências mandadas pelos xapiri pë, seres guias que os auxiliam a se locomoverem por essas paisagens de sonho, que são tão importantes quanto a vida de vigília. Para eles, não há distinção entre elas, pois sonhos nada mais são do que algo que já aconteceu, está acontecendo ou irá acontecer. E a continuidade da tradição e a crença nos símbolos presentes nos sonhos não é importante apenas pela riqueza de interpretações, como também para a continuidade do povo e da religião como um todo ao longo do tempo.
Sonhos, psicanálise ou neurociência?
Percebe-se que grande parte das teorias sobre sonhos giram em torno da psicanálise e da neurociência. Entretanto, elas são opostas. Tal diferença pode se dar pelo fato de ambas as áreas estarem separadas por mais de vinte anos de pesquisa. A neurociência se estabeleceu como área de estudo apenas em 1970, enquanto os estudos psicanalíticos sobre sonhos tiveram início ainda em 1850, com as pesquisas de Freud e Jung.
Um dos principais pontos levantados atualmente por neurocientistas é a total falta de qualquer conhecimento fisiológico cerebral em teorias importantes da psicanálise. Isso ocasiona grandes diferenças em, por exemplo, explicar o conteúdo e as motivações dos sonhos de determinados indivíduos.
Para a psicanálise (teoria psicoterápica), sonhos estão terminantemente ligados ao subconsciente e a psique de uma pessoa, expressando pensamentos e reações aos quais não se tem pleno acesso durante o estado de vigília. Já para a neurociência, sonhar é um ato muito mais objetivo e com motivações completamente funcionais do cérebro, como o processamento da memória.
Apesar do contraste, não se pode dizer que apenas uma das áreas da ciência estão corretas, já que ambas contribuíram enormemente para a maior compreensão acerca dos sonhos.
Premonições e “crendices” nos sonhos
Além de todo o pano de fundo científico e religioso, há outro contexto que merece nota sobre a interpretação de sonhos: o da tradicionalidade. É comum que as pessoas procurem fazer suas próprias interpretações a respeito de seus sonhos, o que acabam originando as famosas “crendices”, costumes e teorias passadas de geração em geração, especialmente pelas pessoas mais velhas. Esse repassar de crenças é uma prova da oralidade e de extrema importância para a cultura de uma região. Para a surpresa de muitos, elas nem sempre estão erradas.
“Não há uma maneira de se analisar sonhos de maneira definida, afinal, a simbologia varia muito de pessoa para pessoa”, explica Maria Odila, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP). Portanto, as interpretações e premonições que geralmente os avós afirmam existir em seus sonhos podem sim apresentar pontos válidos, de acordo com suas mentalidades, pois não há uma forma certa de os interpretar, muito menos de afirmar que algo realmente irá acontecer ou não.
Por que os esquecemos ao acordar?
É comum algumas pessoas afirmarem que não sonham ou que sempre se esquecem dos sonhos ao acordarem. Felizmente, tais situações são plenamente explicadas pela neurociência. Todas as pessoas sonham. Entretanto, o sono é dividido em fases e, dependendo da fase em que a pessoa desperta, o sonho será lembrado ou esquecido.
Como já explicado, o sono é dividido em REM e NREM. Os sonhos majoritariamente ocorrem durante a fase REM, que é caracterizada pela alta atividade cerebral. Como explicado por Maria, nesta fase o cérebro apresenta uma atividade muito similar a quando acordado, ou seja, é mais fácil lembrar dos sonhos se a pessoa for despertada durante essa fase, já que o cérebro estaria em um nível de atenção próximo ao de vigília.
O contrário acontece na fase NREM, na qual a atividade cerebral é mais baixa e os sonhos, mais raros. Ou seja, se uma pessoa for acordada durante esse período, é provável que ela afirme ter se esquecido do sonho ou simplesmente não ter tido um.
Sonhos em tratamentos terapêuticos
E, assim como nascida na psicanálise, a interpretação de sonhos pode também ser uma técnica utilizada na terapia cognitiva com o fim de explorar determinados temas e a mente de um paciente. Afinal, grandes traços de personalidade são expostos nos sonhos, além do método de pensamento, expectativas, desejos e, principalmente, as emoções e pontos de vista sobre assuntos e acontecimentos ocorridos anteriormente com um paciente.
Durante o processo, é comum que o profissional procure saber mais detalhes sobre os sonhos, desde o contexto até os sentimentos que eles evocam. Para isso, técnicas de reestruturação cognitiva, finais alternativos e possíveis soluções são empregadas, buscando uma outra reação ou melhor entendimento dos sentimentos do paciente em relação a algum acontecimento antigo.
Entretanto, a psiquiatra alerta que os sonhos sempre serão muito incertos, não se apresentando plenamente confiáveis para uma análise psicológica em todos os casos. Por isso, tais análises restringem-se unicamente para terapias cognitivas e em casos muito específicos onde o progresso do tratamento vê-se ameaçado ou dependente de tal abordagem psicológica.
Autora: Yasmin Teixeira.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.