Rodrigo Carvalho entra na sala virtual de reunião, criada na plataforma Zoom. São quatro da tarde de uma terça-feira e ele está em casa, afastado do trabalho devido a um teste positivo para o coronavírus.
Ainda assim, Rodrigo parece ótimo. Seu rosto não está abatido e não há qualquer sinal visível de seu mais recente encontro com o vírus. Assim que a reunião inicia, naquele clássico momento de testar microfones e câmeras, seu sotaque carioca já se torna perceptível.
Aos 36 anos, Rodrigo está sentado em uma cadeira, no escritório de sua casa, em Londres. Ao seu lado, uma bancada permeada de pequenas prateleiras, onde se encontram todas as variações de materiais de escritório. Ao fundo, uma janela deixa a luz do dia entrar e faz com que a iluminação estoure na câmera de seu computador, aumentando o contraste entre o homem e o cômodo da casa. Apesar de ser completamente reconhecível da Televisão, nesse momento, o correspondente da Globo em Londres assume outro ar para os quatro jovens estudantes de Jornalismo que o entrevistam. Ele parece menos sério, talvez mais espontâneo.
Depois de alguns minutos conversando sobre amenidades, aquela típica conversa para deixar todos um pouco mais confortáveis, Rodrigo começa a falar sobre sua vida, sobre o presente e o passado. E foi assim que a entrevista, que supostamente duraria cerca de 40 minutos, ultrapassou duras horas.
A ÉPOCA DA FACULDADE
Rodrigo relembra com gosto a época de sua graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio). Para quem escuta, começa a fazer sentido aquele velho dito popular de que a faculdade é a melhor fase da vida.
Quando ingressou na PUC, Rodrigo ainda não tinha certeza em relação ao curso que faria durante sua graduação. Ele sabia que seria algo relacionado à Comunicação e até sentia uma leve inclinação para o Jornalismo, mas estava aberto a outras possibilidades. Foi ao longo dos três primeiros semestres da faculdade, o ciclo básico de Comunicação Social, que o jovem teve seu primeiro contato com disciplinas de Jornalismo, Publicidade e Cinema. Nas aulas de Introdução ao Jornalismo, aprendeu o básico dos conceitos de lide, sublide, reportagem, edição e produção e percebeu que aquilo era tudo o que ele estava esperando ouvir desde que havia entrado na faculdade.
“Eu tenho essa memória de uma empolgação muito grande com as matérias de Jornalismo… matérias de texto. Inclusive, tive alguns professores que me marcaram muito. E assim eu fui criando aquelas mini certezas de faculdade, tipo, ‘quero fazer Jornalismo’ ou ‘quero ser repórter’.”
Ainda no início da faculdade, Rodrigo começou a procurar programas de estágio. Em um contexto no qual os seus professores falavam muito sobre a importância das experiências profissionais e, também, sobre como o mercado era restrito, o jovem estudante entrou em uma “neura” e passou a mandar e-mail para jornais menores, de bairro. Foi assim que um jornal da sua cidade de nascimento, Niterói, o chamou para uma entrevista e, depois, o contratou. Durante todo o tempo que Rodrigo trabalhou no Jornal da Cidade, ele foi remunerado apenas com o valor das passagens que utilizava para ir e voltar do trabalho. Ainda assim, foi uma primeira experiência rica, que o levou para as ruas pela primeira vez.
“Não ganhava nada, só ganhava o dinheiro da passagem, mas foi muito bom. Porque era eu, no primeiro período ainda, ali, encantado ainda com aquela primeira disciplina de Jornalismo, fantasiado de repórter indo para coletiva de imprensa do prefeito de Niterói.”
Mas, se, em 2023, Rodrigo trabalha como repórter internacional na maior rede televisiva do país, sem dúvidas é, em partes, porque seus olhos brilharam de um jeito diferente desde o seu primeiro contato com esse formato de Jornalismo. É verdade que as telas não passavam por seus pensamentos em um primeiro momento, quando suas mãos ainda não tinham segurado, pela primeira vez, um microfone. Mas houve um ponto em que isso tudo mudou.
As aventuras audiovisuais de Rodrigo começaram nas aulas de Introdução ao Telejornalismo, quando, junto com dois amigos, ele fez sua primeira matéria no formato televisivo. Na ocasião, o trio se aproveitou do fato de que a PUC fica na Gávea, um bairro repleto de ladeiras, e fez uma matéria sobre os skatistas que, de madrugada, faziam downhill na Rua Marquês de São Vicente. Foi durante esse trabalho universitário que a percepção de Rodrigo sobre o que ele queria ser começou a mudar, e o modo como as pessoas reagiram à sua matéria só potencializou ainda mais esse processo. Hoje, Rodrigo se lembra desse episódio com carinho.
“A gente fez a matéria, editou, colocou como trilha sonora um punk rock na ilha de edição da faculdade, amando tudo aquilo. Foi muito divertido, eu lembro disso. E aí, a professora viu o trabalho, amou a matéria e sugeriu que a gente levasse aquela fita à TV PUC. Então a gente foi lá, bateu na porta da TV PUC, e as responsáveis adoraram a matéria e levaram ela ao ar. Então aquilo foi um primeiro termômetro, né? Eu gostei de fazer, me diverti, gostei muito de todas as etapas e o pessoal gostou do resultado.”
Além desse projeto ter mudado o ponto de vista de Rodrigo sobre a Televisão, a matéria sobre downhill também abriu portas para um estágio dentro da própria faculdade, na TV PUC. Seis meses após a veiculação da matéria, Rodrigo e um de seus amigos se tornaram estagiários do canal universitário. Esse foi um passo bastante importante para o crescimento profissional daquele jovem jornalista em formação, afinal, na TV PUC, ele pôde aprender na prática como a TV tem ferramentas incríveis para contar histórias, além de ter a chance de testar outros formatos de pauta e edição. Tudo isso de forma bastante laboratorial.
“Na TV PUC eu me encantei. Foi quando, de fato, eu falei ‘opa, isso daqui é uma possibilidade real, é um caminho interessante para eu considerar na carreira’ e eu fui tendo ali uns retornos muito positivos das professoras/chefes que me davam uma certa confiança.”
Após um ano de TV PUC, uma de suas chefes o indicou para um processo seletivo de estágio no SBT Rio, e foi onde ele passou a trabalhar. Lá, Rodrigo se deparou com uma nova realidade: a de uma emissora profissional, com estruturas e orçamentos muito mais grandiosos e, portanto, possibilidades muito maiores. Essa é a mágica da Televisão.
No SBT, Rodrigo trabalhava na apuração. Em um turno que ia das seis da tarde à meia-noite, ele passava suas horas de trabalho ligando para batalhões de polícia, corpos de bombeiro e assessorias da cidade do Rio de Janeiro para descobrir se tinha alguma notícia interessante, que pudesse virar nota para o jornal do dia seguinte. E as “encrencas” que o estagiário procurava eram variadas. Poderiam ser mortes, tiroteios, execuções ou qualquer tipo de tragédia. Para Rodrigo, todo esse processo era “interessantíssimo”, já que o nascimento da notícia acontecia bem em suas mãos.
“Eu condensava aquela história em umas seis ou sete linhas e aquela história eventualmente virava uma nota para o Jornal do SBT, que o Carlos Nascimento apresentava. E o meu grande objetivo era sempre escrever uma nota e que alguma frase daquela nota se mantivesse no texto final que ele fosse ler. Então, para mim, o grande barato era quando, no dia seguinte, eu assistia ao jornal e aquela notícia tinha uma frase parecida com a que eu tinha escrito.”
Depois disso, Rodrigo começou a ir para a rua, acompanhar as reportagens que eram feitas para o jornal do SBT Rio, junto com a repórter Aline Bordalo, cobrindo principalmente pautas de esportes no Maracanã. “Eu lembro que eu sugeri uma série sobre esportes que não eram considerados esportes – tipo futebol de botão e alguns esportes de praia -, e aí essa série foi aprovada, e eu fui a todas as gravações com ela (Aline) e depois também ia para a ilha de edição com ela.”
Sua chegada à Globo veio um tempo depois. Com a abertura do processo seletivo do programa Estagiar, Rodrigo decidiu se inscrever para ver no que dava. Ele acabou passando no processo seletivo e ganhando a possibilidade de trabalhar tanto na Globo News quanto no SporTV. Ele acabou optando por ir para a Globo News, onde estagiou durante seu último ano da faculdade.
“Na Globo News, o estágio era ótimo, porque a cada mês você ficava em um programa ou jornal diferente. Aí eu fazia estágio em edição, em produção e escrevia nota para esses jornais da Globo News. Então era tudo muito interessante ali porque, de fato, você fazia jornalismo e via o seu trabalho no ar.”
O que a princípio Rodrigo não sabia, é que a sua entrada na Globo News foi em um momento oportuno. Enquanto era estagiário, a emissora iniciou um processo de mudança de identidade, uma vez que, segundo dados de uma pesquisa interna, o público via o canal como sendo especializado em programas de estúdio. Por causa disso, a Globo News começou a investir mais em reportagens. Os estagiários, então, começaram a gravar pilotos, como um teste para ver se, dali, surgiriam bons repórteres. Depois de gravar alguns pilotos, Rodrigo teve a oportunidade de tirar um período de férias na Europa e, ali mesmo, recebeu a notícia que tanto desejava.
“Nunca me esqueço disso. Eu estava em Paris, levemente alcoolizado com um amigo, e soube, porque uma colega tinha visto na escala do mês seguinte, que o meu nome estava lá, na escala de reportagem. Esse foi um grande momento de realização, surpreendente. De fato, eu voltei das férias de estágio e comecei a trabalhar como repórter trainee, fazendo matérias. E ali as coisas foram acontecendo.”
O COMEÇO NA GLOBO NEWS E A IDA PARA LONDRES
Mesmo sabendo que o canal em que estava trabalhando dava muito destaque para o Jornalismo Internacional, Rodrigo começou efetivamente na emissora sem ter a intenção de se tornar correspondente. Essa vontade só foi acendida quando ele começou a realizar suas primeiras coberturas fora do país. Em 2010, o jornalista cobriu, no Chile, o resgate de 33 mineiros que ficaram presos em uma mina enquanto trabalhavam, caso que atraiu grande interesse de audiência. Após isso, Rodrigo também cobriu eleições no Paraguai e no Uruguai, a crise financeira da Argentina, a missão de paz da ONU no Mediterrâneo – essa, diretamente do Líbano – e uma feira de tecnologia nos Estados Unidos. Todos esses trabalhos realizados fora do Brasil fizeram o interesse de ser correspondente despertar em Rodrigo, mas ainda era visto por ele como uma possibilidade, não como uma prioridade.
Sentindo que ainda faltava uma base teórica para suas coberturas internacionais, principalmente na área da política, e também aproveitando o fato de que a Globo investia nos estudos de seus profissionais que tivessem interesse em aumentar o currículo, o jornalista realizou uma pós-graduação em Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Depois de tudo isso, e sentindo uma inquietação, Rodrigo foi conversar com a então diretora-geral da Globo News, Eugenia Moreira.
“Eu nem sabia o que eu queria, na verdade, não fui propor nada a ela. Ela me perguntou se eu tinha vontade de trabalhar fora do Brasil e eu disse que tinha. Então a gente começou a conversar sobre essa possibilidade de ser correspondente.”
Foi nessa conversa que a ideia de ser correspondente começou a se tornar realidade. Inicialmente, as conversas tendiam para a Colômbia, com o intuito de ter um correspondente perto da Venezuela, que pudesse flutuar pelo continente com reportagens de campo. Ao encontrar Eugenia pelos corredores da Globo News, dois meses depois, o jornalista teve a confirmação de que a ideia se tornaria algo concreto, porém para um outro local. “Perguntei se seria na Colômbia e ela disse que seria em Londres. Nunca tinha falado de Europa nem nada.”
Logo quando soube de sua transferência para a Inglaterra, Rodrigo começou a entrar em contato com seus colegas de trabalho que já residiam no país para tentar se preparar para o processo adaptativo no local. O fato é que ele não teve tantas dificuldades, já que Londres não é uma cidade tão complicada e possui uma gama de possibilidades muito grande. Mas claro que sua adaptação não foi perfeita, a temperatura e a língua ainda são um certo empecilho na vida do correspondente. Acostumado com o calor carioca, o frio londrino ainda é um ponto ao qual Rodrigo não está completamente adaptado, e a mesma questão acontece com a língua, pois sente que ainda não é fluente no inglês.
“Sendo muito franco, ainda é difícil, pois não é minha língua nativa. Eu tenho um inglês com sotaque que não é nota dez, nunca foi e acho que nunca será.” Ao menos, como se mudou com sua esposa e o cachorro, Biriba, contou com um apoio emocional muito grande durante o começo da estadia na cidade inglesa.
A VIDA EM LONDRES
Ao começar a sua experiência como correspondente, Rodrigo logo percebeu que a posição que havia alcançado é de muito privilégio na profissão, mas que não desfrutava das “regalias”, já que realizava todo o processo de produção de uma matéria basicamente sozinho. “Eu filmava, eu pré-editava, eu fazia reportagem, eu montava as entradas ao vivo para fazer sozinho e por aí vai.”
Com isso, ele percebeu que, apesar de ser uma posição de certo privilégio, ela também era muito romantizada, por receber em uma moeda internacional, por morar em outro país e por ter uma qualidade de vida melhor do que tinha no Brasil.
“Eu não sei se é mais romantizado do lado do público ou até que ponto isso vem dos próprios correspondentes. O inverno na Europa também é uma coisa que carrega uma atmosfera de prestígio. Eu acho que existe um certo glamour, quando na verdade eu sou tão repórter aqui quanto é o repórter da afiliada da Globo em qualquer lugar do Brasil e ponto.”
Seu dia a dia sempre é muito corrido, sendo repleto de compromissos o tempo todo. Em sua rotina normal, Rodrigo vai para a redação da Globo News todos os dias por volta das 13h, onde conversa com seus colegas de trabalho para definirem as matérias que serão produzidas e entradas ao vivo, caso sejam necessárias.
“A gente tá numa fábrica de notícias aqui. Tem as reuniões de pauta na Globo News, do Jornal Hoje, do Jornal Nacional, trocas de e-mails e reuniões. Então, a produção e a chefia do escritório definem os assuntos que vão ser sugeridos ao longo do dia para os diferentes jornais da Globo e da GloboNews. E aí eu fico sabendo, conversando com as produtoras e com o chefe, vendo a escala para saber qual matéria com entrada ao vivo foi sugerida comigo.”
Em Londres, Rodrigo fez diversos amigos e colegas de trabalho. Um deles é Cesinha, editor que definiu o correspondente diversas vezes como “maravilhoso”. A rotina é caótica e pode variar de acordo com o dia, mas ele é conhecido por sempre conseguir manter o alto astral dentro do escritório. Pois é, não é apenas quando está no ar que Rodrigo cativa as pessoas com a sua “suavidade” e “emoção”.
Cesinha – amigo e confidente – ainda brinca:
“Esqueci de dizer também que ele me deixa louco com o deadline! Adora entregar um off em cima da hora para eu correr aqui feito um louco na edição. Sempre me mata do coração.”
Rodrigo se organiza majoritariamente por uma escala produzida todos os dias no período da noite, e é assim que consegue saber em quais jornais irá participar no dia seguinte, que tipo de matéria será produzida e se vai precisar ir para as ruas entrevistar pessoas. Geralmente, ele costuma colaborar para dois jornais por dia, sendo uma matéria gravada e uma entrada ao vivo, mas isso é algo que varia muito de jornal para jornal. Também existe um revezamento entre os outros correspondentes de Londres, Cecília Malan e Murilo Salviano, em que Rodrigo atualmente fica com todos os jornais da manhã e os outros dois se revezam semanalmente entre o Jornal Nacional e o Jornal Hoje.
Mesmo estando em contato com a produção das notícias o tempo todo, é raro ter a oportunidade de produzir matérias completamente originais, do primeiro ao último minuto. Isso só foi acontecer com Rodrigo durante a cobertura da crise dos refugiados, no tempo em que ele ficou na Polônia cobrindo a guerra russo-ucraniana, o que será melhor detalhado mais adiante. Normalmente, as matérias passam por uma edição de 3 pessoas até serem devidamente finalizadas.
Rodrigo também já se arriscou como escritor, realizando duas obras, mesmo nunca tendo esse objetivo na profissão de jornalista. O primeiro livro foi feito após sua cobertura no Chile, quando houve um acidente na mina de San José, que deixou 33 trabalhadores soterrados a 688 metros de profundidade. A ideia surgiu despretensiosamente pelo jornalista Geneton Moraes Neto, que elogiou a cobertura feita por Rodrigo no local e sugeriu que ele escrevesse um livro sobre sua experiência.
“Ele me falou ‘por que você não escreve um livro- reportagem sobre essa cobertura?’, e foi ali que pensei ‘meu Deus, eu tenho essa possibilidade de escrever um livro-reportagem. Quem vai querer um livro meu? Por onde é que eu começo?’. E aí ele fez a ponte com a Globo Livros e eu escrevi um livro-reportagem. Eu estava morando com minha mãe, ainda recém formado, e escrevi o livro no meu quarto.”
Apesar de todos esses feitos relevantes, uma das experiências mais marcantes na vida de Rodrigo foi a sua cobertura durante a Guerra da Ucrânia. Hoje, o jornalista lembra esse momento de sua vida com uma mistura de emoções. Conta que, quando foi designado para esse trabalho, foi tomado por um intenso frio na barriga, uma mistura de medo e de curiosidade por não saber o que estaria por vir. Além de todo o sentimento da dúvida e da ansiedade, outras dificuldades como a logística da equipe, volume de trabalho, viagens, prioridades dos jornais (matérias gravadas ou entradas ao vivo) tinham de ser levadas em consideração.
O principal objetivo desta cobertura não era cobrir a guerra em si, mas a crise dos refugiados que se instaurou como consequência do conflito. Portanto, a meta era mostrar os horrores que estavam acontecendo também nos arredores, e não somente nos países envolvidos diretamente no conflito.
A rotina do jornalista obviamente foi muito estressante e frenética, sendo que ele acabou desenvolvendo um quadro de insônia e um alto nível de estresse. Claro que, com tudo isso, as demandas dos jornais também eram muito grandes, pois precisavam de matérias extensas sobre o que estava acontecendo no local. Foi nesse momento que Rodrigo adquiriu total liberdade para produzir suas matérias, muito devido à complexidade da situação. A experiência de poder escolher os lugares das matérias e as pautas que abordaria trouxe um estímulo profissional muito grande para ele.
Vários momentos marcantes foram vividos durante a cobertura e o choro entre os jornalistas era constante em diversos momentos. Entre as entrevistas feitas, diversos repórteres se emocionavam tanto que precisavam sair do lugar para chorar. Um ponto que chamou a atenção de Rodrigo foi a mudança de postura das crianças sobre a guerra e a forma – sempre muito inocente e ingênua – como elas reagiam a toda essa confusão.
“A gente ficou muito na estação de trem, eram dois cenários principais durante a cobertura. A fronteira, onde as pessoas chegavam a pé, e a estação de trem, que era uma coisa quase que de filme, aquela estação de trem antiga na Polônia. E eu lembro muito das entrevistas que a gente fez pelo alambrado da estação de trem. Lembro muito de uma mãe que mostrou os desenhos das suas crianças, eram desenhos normais de crianças – fachadas de casas, prédios – e passaram a desenhar tanques de guerra, já dentro de uma lógica de entender que estavam em uma guerra. Lembro também que teve um pai que resolveu não contar para seus filhos que eles estavam indo para a Polônia por conta da guerra, e sim que eles resolveram viajar 20 horas de carro para visitar um primo. Então as crianças estavam achando aquilo o máximo.”
Apesar de já ter realizado outras coberturas, – inclusive sobre crises de refugiados na Europa – essa foi descrita como a cobertura mais forte e intensa que o jornalista passou em sua carreira até o momento.
Mesmo tendo muitas saudades de sua terra natal, Rodrigo ainda sente que tem deveres a cumprir em Londres, profissionalmente falando, e deseja continuar morando na capital inglesa por mais um tempo. Porém, tem a vontade de, em algum momento de sua vida, voltar a morar no Brasil, já que possui uma identificação muito grande com o país, mesmo que tenha grandes diferenças de segurança e transporte público.
“A cada ano que passa, eu tenho uma coisa nova, eu vou ficando mais seguro de ser correspondente, me apropriando mais disso, me apropriando mais dos assuntos. Eu estou em Londres, mas cubro a Europa toda. Então, à medida que o tempo passa, eu aprendo mais. Tenho sim, muita vontade de voltar ao Brasil, mas se eu pudesse escolher, ficaria mais tempo aqui.”
RODRIGO: A VIDA PESSOAL DE UM JORNALISTA
Rodrigo acabou de virar pai e tem uma filha de dois meses de idade. Apesar dos novos desafios da rotina paterna, isso o encanta muito por ter essa possibilidade.
“Está sendo um encanto, é um novo olhar para o mundo que tende a mudar tudo, inclusive no ofício da profissão, pro jeito que você olha a vida, a partir de agora é um momento muito novo.”
Ele busca sempre manter contato com seus familiares, vindo para o Brasil uma vez por ano, mas tem o desejo de remanejar sua rotina para viajar para seu país de origem ao menos duas vezes ao ano para matar a saudade dos amigos e familiares, ainda mais agora que tem uma filha. O correspondente faz esforço para voltar para seu país natal no mês de fevereiro, pois assim consegue aproveitar o carnaval – época que o agrada muito – e também pelo clima, já que no Brasil está quente nesse período e, na Inglaterra, faz bastante frio
Segundo sua amiga Claudia Castelo, fora do jornalismo, Rodrigo é uma pessoa que não tem deslumbre nenhum com o fato de aparecer na Televisão. Às vezes, parece até que esquece que é uma pessoa reconhecível e faz “papelões”, como ficar bêbado em locais públicos, e acaba aparecendo em sites de fofoca. Claudia também reforça que ele tem ideias muito fortes, independentemente do Jornalismo, conseguindo fazer muito bem essa separação entre o profissional Rodrigo e a ideologia que carrega consigo.
Um hábito bem recorrente na vida de Rodrigo é o de receber amigos. A casa cheia, rodeada de familiares e amigos, o deixa bastante feliz. Inclusive, com a sua filha crescendo, não para de mandar fotos e vídeos para os familiares no Brasil, e busca voltar com mais frequência para que eles não percam o crescimento da criança.
Uma curiosidade que Rodrigo passou durante sua estadia como correspondente em Londres, é que já sofreu xenofobia e alguns “olhares tortos” no país para o qual se mudou. A questão da autoconfiança e seu lugar no mundo está diretamente ligado com isso. “No Brasil, era um homem branco de classe média, mas aqui na Inglaterra, sou apenas mais um imigrante com essa cara de turco e com um inglês que não é o suficiente para eles”. Durante a agressão, o profissional teve que acionar a polícia enquanto fazia a gravação de uma matéria no bairro de Camden.
“Eu estava gravando uma pauta de pandemia quando os pubs daqui reabriram e um camarada abordou nossa equipe e ficou falando ‘o que vocês estão fazendo aqui?’. A gente falou que estava trabalhando para uma emissora brasileira, e ele continuou dizendo ‘que língua é essa que vocês estão falando? Por que vocês não estão falando inglês?’. Até que passou a polícia e eu chamei, a polícia acabou dando uma enquadrada nele.”
Quando não está na redação ou nas ruas gravando, Rodrigo passeia muito com o seu cachorro – Biriba – e brinca com a situação de ter uma filha recém-nascida: “coloco muita fralda de pano para lavar.” Além disso, gosta muito de sair de casa para comer e beber, principalmente em feiras que acontecem na cidade.
Outra prioridade é ir aos diversos shows de artistas do Brasil. Gilberto Gil e Zeca Pagodinho, irão cantar em Londres nos próximos meses. Isso o mantém próximo à cultura brasileira. Por ser uma pessoa que consome muita música, se considera muito eclético, porém a música brasileira e o samba são pontos fracos do jornalista em seus hábitos musicais.
Uma das características que está bastante presente na vida de Rodrigo fora do Jornalismo é a necessidade de se “desligar”. De tirar a cabeça do trabalho e se concentrar em outras coisas. “É um esforço, mas busco desligar. Gosto de falar de coisas que nada têm a ver com jornalismo. Meus assuntos favoritos são bobagens, besteiras 100%. Eu sou, em alguma medida, bobo ou idiota, no melhor sentido da palavra.”
Apesar de ser jornalista e praticar muito a leitura dentro da profissão, Rodrigo não é um leitor assíduo nas horas vagas, simplesmente por ter dificuldade em se concentrar com tantos aparelhos tecnológicos. Inclusive, considera a leitura um treino pessoal e constante para que o vício em celular e redes sociais não tome conta de seus hábitos.
Botafoguense, ainda acompanha o time mesmo estando tão longe. Assim, Rodrigo sempre assiste aos jogos. Sua escolha pelo Jornalismo, em grande parte, foi pelo seu amor ao futebol e pelo Botafogo.
“Sem nenhum exagero, eu virei jornalista por conta do Botafogo, porque, como eu era um menino viciado em futebol e viciado no Botafogo, quando eu comecei a pensar no que queria fazer da minha vida, a primeira coisa que pensei foi no futebol e em quais profissões envolvem o Botafogo e o futebol. Então eu fiz Jornalismo para ser jornalista esportivo.”
Fora do Brasil, Rodrigo assiste bastante ao campeonato inglês e adotou o Tottenham como um segundo time, sendo até hoje sócio torcedor do clube. No entanto, o jornalista ia aos jogos com mais frequência. Hoje, decidiu se afastar um pouco do gramado e assiste mais nos pubs perto de sua casa. Gosta, também, de praticar tênis algumas vezes na semana e curte conteúdos de entretenimento nas plataformas de streamings, como “The Office” e “Casamento às Cegas”.
As amizades estão muito presentes na vida de Rodrigo, seja fora ou dentro do Jornalismo. Betina conheceu Rodrigo quando solicitou uma produção para o escritório de Londres e, desde então, estreitam a relação profissional com muita admiração um pelo outro. A editora de internacional do Jornal Hoje faz questão de destacar que Rodrigo tem um jeito especial de contar as histórias. O lado humano e a preocupação com as pessoas é o que faz Rodrigo ser tão próximo de seu público.
No dia de cobrir a coroação do novo rei da Inglaterra – o até então príncipe Charles -, Rodrigo já se posicionava para as entradas ao vivo. O tempo era cronometrado e nada poderia fugir do controle. Quando estava se preparando para entrar no ar, se deparou com uma senhora inglesa que também havia participado da coroação da Rainha Elizabeth II. Nesse momento o instinto de jornalista falou mais alto, e pensou que jamais deixaria passar uma oportunidade como essa. Convenceu Betina a realizar essa entrevista durante a transmissão ao vivo e, mesmo ultrapassando o limite de tempo (que era muito apertado), a matéria encantou o público. Essa entrevista viralizou nas redes sociais pelo fato da britânica ter elogiado a aparência de Rodrigo e ele ter ficado sem graça com o elogio.
Edu Goldenberg, de 54 anos, é assessor do governo do Rio de Janeiro, e conheceu Rodrigo por meio da rede social Twitter. Os dois se conheceram pelo Twitter pelas interações que trocavam um com o outro na rede e, assim, começaram uma conversa. Goldenberg tinha acabado de lançar um livro chamado “Tijucanismo” e Rodrigo pediu, via mensagem, que ele desse um jeito do livro chegar até ele. Quando conseguiu enviar o livro, ambos já tinham seus números salvos e conversavam com frequência. Edu e Rodrigo só foram se conhecer em maio do ano passado, 2022, quando Rodrigo veio ao Brasil e combinaram de se encontrar.
“Eu fiz um convite para ele ir até a feijoada que eu fiz no meu aniversário. Ele realmente apareceu no meu aniversário. Ficamos com a sensação de que já nos conhecíamos há muito tempo.”
Após se conhecerem pessoalmente, a amizade entre os dois continuou crescendo, fazendo com que Edu fosse a Londres em outubro de 2022 para passar alguns dias na casa de Rodrigo. Na ocasião, Edu conheceu a esposa de Rodrigo e, também, o famoso Biriba. Na época, a mulher do correspondente de Londres estava grávida e ele já estava na expectativa do nascimento da filha. O assessor diz que estabeleceram uma relação muito fraterna. Edu admira muito o correspondente e considera o repórter “fora da curva”, principalmente na hora de apresentar uma matéria.
Porém, apesar do Jornalismo, também admira o amigo como pessoa: “uma lealdade e uma capacidade de ouvir muito grande. A gente troca muitas confissões e é um amigo muito importante para mim hoje.”
Fonte: Cásper Líbero.
Autores: André de Amorim Bottacin, Fernanda Santarlasci, Lucas Bisquolo e Victória Manfrotti.