Apesar das boas condições, pesquisadores identificam principais causas de degradação e ambientes mais vulneráveis na região por imagens de satélite.
Um estudo publicado no dia 21 de julho de 2023 revelou que menos de 1% da área total de manguezais no litoral amazônico foi convertido por atividades humanas. Nas regiões mapeadas, 92% da superfície é coberta por florestas e 7% por planícies salinas. As principais causas de degradação do ecossistema estão relacionadas com a expansão urbana e com a construção de estradas, mas dificuldades de acesso estão conseguindo frear o avanço humano.
O estudo analisou imagens entre 2011 e 2015 do Satélite RapidEye para avaliar as condições dos manguezais na Amazônia e identificar as ameaças a esse ecossistema. Disponível na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências, o artigo foi escrito por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e do Instituto Tecnológico Vale (ITV).
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Pedro Walfir, autor correspondente do artigo e professor da UFPA, ressalta que os dados obtidos colocam os manguezais da Amazônia como os mais conservados do mundo. “O manguezal conservado é extremamente importante porque é um dos ecossistemas mais ameaçados no planeta e muito sensível às mudanças naturais e antrópicas”, afirma.
Os manguezais
Encontrado em regiões tropicais e subtropicais, o ecossistema manguezal é uma área de transição entre o ambiente marinho e o terrestre. Com raízes acima do solo bem características, suas árvores desempenham um papel fundamental na proteção costeira e na manutenção da biodiversidade de aves, peixes e crustáceos. Os apicuns são ambientes hipersalinos que se encontram conectados com a floresta de mangue.
Ao longo de todo o litoral brasileiro, o ecossistema que mistura terra e mar sofre ameaças de atividades humanas. No Nordeste, por exemplo, as maiores pressões são causadas pela especulação imobiliária de regiões próximas à praia, pela criação de peixes (aquicultura) e pela criação de camarões em viveiros (carcinicultura).
A conservação dos manguezais, além de oferecer um berçário para as espécies estuarinas – de transição entre água doce e salgada –, garante a maior retenção de carbono da atmosfera e protege as regiões costeiras da erosão. “Por ter árvores de grande porte no sedimento lamoso, a energia das ondas é atenuada pelo manguezal e evita a erosão”, explica Walfir.
O ambiente ecologicamente acolhedor dos manguezais também faz com que muitas espécies marinhas se desloquem para o estuário com o objetivo de se reproduzir e aumentar a segurança do desenvolvimento de novos indivíduos. De acordo com Walfir, essa forma de garantir biodiversidade também é positiva para atividades comerciais: “A costa do Pará e Maranhão é uma das maiores produtoras de pescado do país por causa dessa função ecológica que permite o desenvolvimento das espécies dentro do manguezal”.
O ecossistema também é importante quando o assunto é aquecimento global. “O manguezal é um sumidouro de carbono: ele estoca muita matéria orgânica, principalmente no solo. Então, o manguezal armazena carbono tanto acima do solo, nas árvores, como abaixo do solo, na matéria orgânica”, explica o professor. Se manguezais forem cortados ou queimados, a área degradada perde a capacidade de estocar gases do efeito estufa, liberando-os para a atmosfera.
A pesquisa
Este artigo, intitulado “Status of mangrove land use on the Brazilian Amazon cost from RapidEye imagery and GEOBIA approach”, discute a situação dos manguezais da costa amazônica. Por meio de imagens do satélite RapidEye, fornecidas pelo Ministério do Meio Ambiente, o grupo de pesquisadores analisa e classifica as áreas impactadas. A região estudada, caracterizada pelo clima quente e úmido, abriga cerca de 73% dos manguezais do Brasil.
As imagens obtidas são submetidas a um sistema que reconhece feições no mapa das características em questão. Desmatamento, degradação, estradas, áreas urbanas, salinas, criação de peixes e nuvens são os elementos identificados pelo computador. Após o processo automático, um teste de acurácia é realizado para garantir a precisão da análise.
Foram utilizadas imagens de satélite entre 2011 e 2015 para formar um mosaico da região mapeada livre da cobertura das nuvens. O clima tropical da Amazônia dificulta o trabalho, mas o intervalo de tempo escolhido permitiu que isso fosse possível. “Os satélites com sensores ópticos que trabalham na faixa do visível e do infravermelho estão sempre sujeitos às nuvens em suas captações”, comenta Walfir.
Os resultados obtidos foram positivos: o manguezal da Amazônia está bem conservado. Menos de 1% de sua área foi impactada por ações antrópicas. Esta pequena parcela foi mais afetada pela expansão urbana e pela construção de estradas. A aquicultura, que é o maior fator de degradação dos manguezais em outras regiões, não está tão presente nos ecossistemas costeiros amazônicos.
Os apicuns — planícies salinas com pouca vegetação —, por outro lado, sofrem mais pressão que as florestas de mangue: cerca de 2% de sua área foi degradada. A principal atividade responsável pela ocupação da região são salinas, as produtoras de sal. O Código Florestal, de 2012, não explicita se estas são Áreas de Proteção Permanente (APP), o que as deixa mais vulneráveis. Apesar de indicar um possível alerta, os apicuns ainda apresentam baixos índices de impactos.
O professor explica que a boa situação dos manguezais da Amazônia é resultado principalmente da inospitalidade da exploração do ambiente e da falta de infraestrutura: “O mangue é uma floresta extremamente alta, com cerca de dez a 40 metros de altura, em um solo muito lodoso, mole. Isso dificulta muitas pessoas de entrarem, então, o negócio ainda não é viável nos manguezais da Amazônia”.
Sobre a expansão urbana, ele afirma que as capitais Belém e São Luís são zonas pontuais ao longo de toda a faixa de manguezal amazônico. No entanto, ressalta que o acompanhamento é necessário: “A gente precisa estar em alerta para mitigar a expansão, principalmente nas capitais, de modo a preveni-la”.
Pensando no futuro…
Os manguezais da Amazônia são um dos mais conservados do mundo, mas, no litoral de regiões mais populosas do Brasil, já sofreram muitos impactos. Walfir afirma que temos que entender o valor ecológico desse ecossistema: “Não podemos permitir que as diferentes atividades humanas pressionem a existência do manguezal”.
Em pontos com maior infraestrutura, o já reduzido ecossistema está em regiões de especulação imobiliária. “As pessoas acham que o manguezal não vale nada e, aí, acabam aterrando o manguezal para construir casas ou hotéis.”
“Suprimir o manguezal hoje significa, para a Zona Costeira, um sério problema relacionado às mudanças ambientais que vão ocorrer nesta região.”
Pedro Walfir
O professor explica que construções nessas áreas são muito vulneráveis do ponto de vista ambiental e podem ser impactadas por desastres naturais. Enchentes e deslizamentos de terra, como os que ocorreram em São Sebastião, poderiam ser evitados pela presença de mangues no litoral. O Brasil já conta com leis sólidas que, segundo ele, protegem os manguezais, mas essas leis precisam ser aplicadas.
Para Walfir, a conservação dos manguezais garante maior segurança ambiental para o futuro. Em um mundo com crises climáticas e ameaças a diferentes biomas, o mangue “de pé” é muito mais valioso do que se for transformado.
Autor: Lucas Lignon.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.