O mau desempenho nas urnas, a saída de Amoêdo e a decisão de usar rendimentos do fundo partidário expõem o momento turbulento do Novo.
Fundado em 2011 e registrado oficialmente no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2015, o Partido Novo ganhou notoriedade a partir de 2018 com o discurso de renovação política e defesa de pautas liberais na economia. Naquele ano, a sigla teve um desempenho significativo nas eleições gerais. Além de eleger Romeu Zema ao cargo de governador de Minas Gerais, 8 deputados federais e 12 estaduais, o seu candidato à presidência, João Amoêdo, recebeu 2.679.744 votos.
Depois de um início promissor, a legenda de direita vem enfrentando dificuldades. Entre dezembro de 2019 e março deste ano, o número de filiados caiu de 48.419 para 30.858. Zema foi reeleito no primeiro turno em 2022, mas a conquista de apenas 3 cadeiras na Câmara dos Deputados e 5 nos legislativos estaduais decepcionou apoiadores, assim como a votação inexpressiva do presidenciável Felipe D’Avila, que recebeu 559.708 votos.
Durante o período, Amoêdo manifestou várias divergências quanto ao rumo tomado pelo Novo, do qual foi fundador e presidente. Após declarar o seu voto em Lula no segundo turno da eleição presidencial de 2022, teve a filiação suspensa e comunicou a saída definitiva do partido.
Esquinas conversou com dois ex-mandatários. Veja como eles avaliam o momento nebuloso vivido pela agremiação.
CRÍTICAS À GESTÃO DE AMOÊDO
Fabio Ostermann foi deputado estadual pelo Rio Grande do Sul, mas não se elegeu a deputado federal em 2022. Atualmente, integra o diretório nacional do Novo como Secretário de Assuntos Institucionais e Legais.
Crítico ao ex-presidenciável da legenda, chegou a dizer em suas redes que ele se tornou seu “afundador”. “Amoêdo não atuou como liderança pacificadora e aglutinadora, mas como uma antiliderança.” Apesar do idealizador não estar à frente do Novo desde março de 2020, quando foi substituído por Eduardo Ribeiro, Ostermann considera que as raízes do fracasso eleitoral de 2022 são anteriores à troca de comando partidário.
Em 2019, as diretrizes para as eleições municipais do ano seguinte resultaram no lançamento de candidaturas apenas em cidades com mais de 300 mil habitantes. Segundo o ex-deputado, a negligência com os municípios menores prejudicou o trabalho de base, gerando muitas desfiliações. A sua percepção é que os reflexos disso se estenderam até o pleito do ano passado e, somados a outros fatores, como a polarização, contribuíram para o fraco desempenho da sigla nas urnas.
Já Ricardo Mellão, ex-deputado estadual e candidato não eleito ao Senado por São Paulo, expressa gratidão a Amoêdo, valorizando o empenho do antigo líder, mas também vê erros de estratégia e de comunicação durante sua passagem pela presidência do Novo. “Quando se tem um projeto, ele deixa de ser apenas seu, junto com sua visão e planejamento”, diz o ex-mandatário. Para ele, a cautela excessiva com a imagem da legenda levou o diretório nacional a impor certas decisões sem uma comunicação clara com as instâncias estaduais e municipais, gerando ruídos e desconfiança.
Em sua avaliação, Amoêdo possuía uma visão empresarial que não se adequava ao perfil necessário para conduzir um partido. Por isso, Mellão enxerga na gestão atual maior capacidade de diálogo e compreensão da realidade política.
LINHA AUXILIAR DO BOLSONARISMO?
Outro ponto que gerou atritos internos foi a posição do Novo em relação à figura de Jair Bolsonaro (PL). Mellão rejeita o rótulo de “linha auxiliar do bolsonarismo” atribuído ao partido pelos críticos.
O ex-deputado aponta o voto contrário à proposta que turbinou os gastos do governo no período anterior às eleições – a chamada PEC Kamikaze – como indicativo de um não alinhamento completo ao ex-presidente, mas reconheceu haver afinidades com algumas de suas pautas, especialmente as econômicas.
Segundo levantamento do Congresso em Foco, o nível de adesão do Novo ao governo Bolsonaro nas votações da Câmara durante a última legislatura foi de 75%. Mesmo ficando um ponto percentual acima da média dos partidos (74%), a legenda ocupa apenas a 16ª posição entre as 23 do ranking, atrás de outras agremiações de direita.
Ostermann afirma ser crítico de Bolsonaro. Integrante do Livres, movimento liberal que deixou o PSL (Partido Social Liberal) após a filiação do então presidenciável em 2018, o ex-deputado anulou o voto no segundo turno daquele ano e chegou a defender o impeachment do governante eleito.
Apesar disso, ele considera problemática a centralidade que o tema ganhou dentro da legenda, pois causou um desgaste interno. “O grande problema da forma como o Amoêdo se jogou no debate público foi tornar a posição do partido em relação a Bolsonaro uma questão de vida ou morte. Não podemos ir às redes sociais xingar a oposição, como fez o João, que adotou uma estratégia fratricida”, opina o ex-deputado.
O gaúcho votou em Eduardo Leite para governador do Rio Grande do Sul no segundo turno das eleições de 2022, rejeitando o candidato bolsonarista Onyx Lorenzoni. Em relação aos presenciáveis, preferiu Jair Bolsonaro por acreditar ser uma alternativa menos danosa do que Lula.
FILIAÇÕES AO NOVO
No início deste ano, o senador cearense Eduardo Girão deixou o Podemos para filiar-se ao Novo. Contrário ao aborto, Girão tentou entregar a réplica de um feto ao ministro Silvio Almeida. O integrante da pasta dos Direitos Humanos se recusou a recebê-la e repudiou a performance.
João Amoêdo criticou duramente a atitude em seu Twitter, classificando-a como “vergonhosa” e “ação ridícula da oposição bolsonarista”.
Durante o mandato de Bolsonaro, o parlamentar chegou a defender o uso da cloroquina, medicamento sem comprovação científica para tratar a COVID-19, e fez parte da chamada “tropa de choque” do governo na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da pandemia.
Ostermann minimiza as suas diferenças com posições de Girão, sobretudo quanto à emergência sanitária, alegando ter sido um período confuso na política brasileira. O ex-deputado atribui algumas características ao novo filiado, como seriedade, honestidade e o alinhamento à maior parte dos valores da legenda.
Em relação ao Novo, o gaúcho defende que ele se aproxime de um “PT liberal”, abrigando, assim como a sigla esquerdista, uma diversidade de alas e posicionamentos políticos, com espaço para divergências internas, debatidas de forma civilizada.
Ao ser questionado sobre a postura dos deputados federais do partido, Ostermann não enxerga nenhum deles como bolsonarista e acredita que naturalmente os mandatários tendem a criticar mais a esquerda do que a direita. De acordo com o gaúcho, mesmo o discurso aguerrido contra o campo progressista e pela defesa de pautas conservadoras do deputado Marcel van Hattem possui um intuito pragmático.
Antes mesmo que Lula completasse 100 dias de mandato, van Hattem havia assinado um pedido de impeachment do presidente, junto com Gilson Marques (Novo-SC) e outros 31 deputados, dos quais 23 integram o Partido Liberal.
FUNDO PARTIDÁRIO SERVE AO NOVO
O Novo decidiu no fim de fevereiro que passará a utilizar recursos de rendimentos do Fundo Partidário, contrariando sua bandeira histórica de oposição ao uso do dinheiro público para financiar atividades partidárias. Segundo Mellão, a medida foi tomada a contragosto. “Infelizmente, a realidade foi muito dura. Diria que foi um golpe enorme naquilo que a gente sempre defendeu”, lamenta o político.
A proposta do partido de mudar a lei para que pudesse devolver sua fatia do Fundo aos cofres públicos, por meio de uma emenda ao PL 1.321/2019, foi rejeitada no plenário da Câmara. A legenda preferiu manter o dinheiro depositado, pois a renúncia levaria à sua redistribuição entre as demais siglas.
Com a nova decisão, ela passará a usar os rendimentos provenientes desse depósito, o que não fazia até então. O antigo mandatário paulista entende que a medida é necessária para garantir a sobrevivência do partido, já que contribui para a paridade de armas na disputa política. No entanto, a agremiação segue, por ora, contrária ao Fundo Eleitoral, cujo dinheiro é usado no financiamento de campanhas.
Não é a primeira vez que o Novo flexibiliza o discurso adotado no início de sua trajetória. Antes de ser eleito pela primeira vez, Zema chegou a prometer que ele, o vice-governador e os secretários não receberiam salário enquanto perdurasse o parcelamento dos vencimentos de servidores mineiros. Em pouco tempo de mandato, o cumprimento integral do compromisso se mostrou inviável, levando-o a reconhecer que a promessa foi um erro.
Hoje, o governador defende o aumento do salário recebido por ele e pelo secretariado em quase 300%, sob a justificativa de atrair quadros técnicos, já que os valores estavam congelados desde 2007. A proposta foi aprovada em definitivo pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais no dia 19 de abril.
O FUTURO DO PARTIDO NOVO
Apesar das dificuldades enfrentadas, Ostermann se diz otimista quanto ao futuro do Novo e revela haver um trabalho de reforma estatutária do partido, de profissionalização dos diretórios estaduais e de fortalecimento das bases. A ideia é expandir seu alcance e lançar candidaturas em cerca de 500 cidades nas eleições municipais de 2024.
Também há planos de crescimento no Congresso Nacional, onde a legenda precisa atingir 5 membros para garantir a participação nos debates entre candidatos a prefeito, governador e presidente. Hoje, ela possui 4 parlamentares e busca atrair ao menos mais um senador, cargo cuja troca de sigla pode ocorrer antes da janela partidária de 2026.
Para o membro do diretório nacional da agremiação, ela amadureceu ao abandonar algumas ideias que classificou como “dogmas”, a exemplo de não realizar coligações e de não permitir aos eleitos disputar outros cargos antes de completar o mandato. “Acho que na política temos que saber discernir o que é essencial e o que é acessório”, opina o ex-deputado.
Autor: Ricardo Grandi Bianco.
Fonte: Cásper Líbero.