Campanha emocionante que levou a tenista brasileira até as semifinais do aberto de Paris parou somente na número 1 do mundo; Bia é top 10.
08 de junho de 2023. Cinco anos desde o falecimento de Maria Esther Bueno, maior nome do tênis feminino nacional e última brasileira a alcançar as semifinais de um Roland Garros, em 1966. 26 anos desde o primeiro título de Gustavo Kuerten, o Guga, principal atleta do tênis masculino brasileiro, no mesmo Roland Garros. Dia de Beatriz Haddad Maia entrar para a história.
Neste ano, Bia (27) já chegou a Paris como a melhor tenista brasileira do mundo entre homens e mulheres. Ela acumulava dois títulos no simples e cinco nas duplas e uma escalada nos rankings do tênis feminino. No simples, era a 14ª do ranking mundial da WTA (Associação de Tênis Feminino), tendo sido 12ª em fevereiro deste ano. No ranking de duplas, era a 12ª, tendo sido 10ª em maio deste ano. Em Grand Slams, porém, ela jamais havia passado da segunda rodada, e tinha em Roland Garros a oportunidade de quebrar essa marca. Mal sabia ela que quebraria não só essa, como muitas outras, no que foram 11 dias de competição intensa nas quadras de saibro de Paris.
Primeira rodada: início tranquilo
Bia Haddad Maia estreou em Roland Garros contra a então número 67 do mundo, Tatjana Maria (35), da Alemanha. Com direito a pneu (vitória por 6 games a 0) no primeiro set, a brasileira fechou o jogo em 2 a 0, com um 6 a 0 e um 6 a 1.
Segunda rodada: aquecimento
A “vida fácil” de Bia, porém, ficou no primeiro jogo. Na segunda rodada, a então número 14 do mundo teve pela frente a jovem Diana Shnaider (19), da Rússia, que iniciou a competição no 108º lugar do ranking mundial. Em partida que durou quase três horas, a brasileira venceu por 2 sets a 1, fazendo 6 a 2, 5 a 7 e 6 a 4. Apesar de não ter sido um desafio tão grande, certamente a partida serviu de aquecimento para Bia. Afinal, a partir daquele momento, todos os seus jogos até a final teriam três sets.
Terceira rodada: vira y vira
O nível de dificuldade aumentava. Desta vez, Bia Haddad Maia precisou de três sets não só para vencer, como também para virar o placar. Contra mais uma russa, Ekaterina Alexandrova (28), então número 23 do mundo, Bia saiu atrás, perdendo o primeiro set por 7 a 5 após quase conseguir uma grande virada — Alexandrova chegou a abrir 5 a 1 e ela empatou, levando o set para o 12º game. Bia venceu o segundo set por 6 a 4 e, no set final, passou por situação semelhante à do primeiro, porém estando do outro lado: abriu 4 a 1, sofreu o empate, a virada e fechou o game em 7 a 5. Final: 2 a 1 Beatriz Haddad Maia, a primeira brasileira a alcançar as oitavas de final de Roland Garros desde Patrícia Medrado, em 1979.
Eliminação nas duplas: sorte ou Azarenka?
Paralelamente à emoção do simples, Beatriz jogava nas duplas de Roland Garros ao lado da bielorrussa Victoria Azarenka (33, então número 55 no ranking de duplas feminino da WTA e 18ª do simples), com quem joga desde maio e foi campeã do Masters 1000 de Madri, seu quinto título de duplas na carreira.
Em Roland Garros, a dupla bielorrussa-brasileira estreou bem e venceu por 2 sets a 0 (6 a 0 e 6 a 1) a estoniana Kaia Kanepi (38, então número 530 das duplas, que é atleta de simples) e a eslovaca e duplista Tereza Mihalíková (25, então 45 no ranking). No segundo jogo, porém, disputado antes do exaustivo e interminável duelo com Sara Sorribes Tormo, Bia e Azarenka perderam para as estadunidenses Jessica Pegula (29, então número 2 do mundo nas duplas) e Coco Gauff (19, que chegou em Paris como a número 3) por 2 sets a 0 (3 a 6 e 1 a 6). A dupla dos Estados Unidos é a mesma que perdeu para as duas em maio, na final em Madri.
Beatriz (E) e Victoria (D) não conseguiram repetir o bom desempenho do Aberto de Madri nas quadras francesas [Foto: Reprodução/Twitter @AlemTenis]
Passados os jogos seguintes e toda a competição, pode-se enxergar a eliminação nas duplas como algo positivo para Bia, tanto na questão física, quanto na psicológica. A exigência que ela teve a partir das oitavas poderia não ser suprida ao máximo caso estivesse comprometida com outros jogos.
‘Com emoção ou com emoção?’
Oitavas de final: cabo de guerra
Se os dois confrontos anteriores já haviam dado trabalho para a brasileira, a partir das oitavas de final a situação ficaria ainda mais desafiadora. Pela frente, Bia tinha a espanhola Sara Sorribes Tormo (26), que ocupava a 132ª posição do ranking mundial. Em teoria, o jogo mais fácil até então, certo? Errado. Bia começou bem a partida e quebrou o saque da adversária até abrir 5 a 2.
O que parecia se encaminhar para uma vitória tranquila no primeiro set, porém, rapidamente se inverteu à medida que Sorribes Tormo não desistia. A espanhola conseguiu empatar o set em 5 a 5, perdeu o game seguinte, empatou novamente e, no tie-break, levou a melhor contra a número 14 do mundo, fazendo 7 a 3 e fechando o primeiro set em 7 a 6(3).
Como se não bastasse a decepção de sair atrás pela segunda vez consecutiva, Bia teve o saque quebrado duas vezes e chegou a perder por 3 a 0 no segundo set. Foi nesse momento crítico que a força mental da tenista de São Paulo passou a fazer a diferença contra o esforço da incansável adversária. Bia devolveu as duas quebras de Sorribes Tormo e confirmou todos os seus serviços, vencendo o segundo set por 6 a 3.
No limite. A partida entre Beatriz e Sara foi a de maior duração na atual temporada da WTA. O jogo teve 3 horas e 51 minutos [Foto/Reprodução: Twitter @ma__linharess]
O último set não foi menos tenso e reuniu um pouco de tudo o que já havia acontecido no jogo. Bia começou quebrando o saque da espanhola, que logo devolveu a quebra. A seguir, as atletas confirmaram seus serviços até que a brasileira quebrasse o saque da rival, no quinto game. Com as tenistas confirmando seus games posteriores, Bia abriu 5 a 3, ficando a um da vitória. No entanto, Sorribes Tormo estava disposta a provar que a força de vontade poderia prevalecer e quebrou o saque brasileiro, empatando o jogo em 5 a 5 — no nono game, Bia teve o match point por três oportunidades, mas não conseguiu confirmar a vitória. Mas, na hora da decisão, ela mostrou que também tinha muita resiliência, quebrou o saque da espanhola e fechou a partida em 2 sets a 1 (6(3) a 7, 6 a 3 e 7 a 5).
Apesar da derrota, Sorribes Tormo teve seu esforço recompensado com um salto de 50 posições no ranking da WTA. Ao término da semana de jogos, ela passou a ser a número 82 do mundo. Do lado brasileiro, Bia já tinha alcançado outra marca histórica: a primeira brasileira a alcançar as quartas de final de Roland Garros desde Maria Esther Bueno, 55 anos atrás.
Quartas de final: batalha de resistência
Assim como em qualquer jornada do herói — ou, no caso, da heroína — as dificuldades iam se acumulando e a escalada até a glória ficava mais íngreme. No caminho até o “chefão” do “jogo” que é o Roland Garros, Bia teve pela frente, nas quartas de final, uma adversária por quem jamais havia conseguido passar: a tunisiana Ons Jabeur (28), que chegou a ser número 2 do mundo em 2022.
Antes do duelo pelas quartas de final em Roland Garros, Jabeur tinha vencido a brasileira em 2016 e em abril deste ano, ambas as vezes por 2 sets a 0. A carrasca de Bia chegou a Paris ocupando a sétima colocação do ranking e também disputava as quartas de final pela primeira vez. Em 2021, Jabeur se tornou a primeira tenista árabe a ser campeã de um torneio da WTA, o que simboliza sua relevância para além das quadras.
Na quadra central Philippe-Chatrier, porém, ambas queriam fazer ainda mais história. O primeiro capítulo teve final feliz para a tunisiana, que começou confirmando o seu serviço e quebrando o saque da brasileira por duas oportunidades até abrir 4 a 2 — Bia também conseguiu uma quebra. Mas nem uma, nem outra, pareciam gostar da ideia de vencer da forma óbvia (confirmando seus serviços e desempatando o jogo por meio de algumas quebras). Bia conseguiu igualar o número de quebras da oponente e teve a chance de empatar o confronto em 4 a 4 no primeiro set, mas foi quebrada novamente e acabou perdendo por 6 a 3.
Era a terceira vez seguida em que Bia saía atrás. Ou seja, se ela conseguisse vencer, seria na marra, de novo. Para a sorte (e competência) da brasileira, o roteiro estava ao seu lado desde o começo [Foto: Reprodução/Twitter @timebrasil]
Depois de um primeiro set no qual as tenistas tiveram dificuldade em confirmar os seus serviços, o segundo set foi o oposto disso: não houve quebras. Quando o placar apontava 6 a 5 para Bia, ela chegou a ter o set point, mas acabou não conseguindo confirmar. No tie-break, que vai a sete, a brasileira venceu por 7 a 5 e empatou o confronto em sets. Pela quarta vez seguida, Bia ia para um jogo de três sets. Pela terceira, teria a chance de virar.
A impressão que foi passada ao espectador que assistiu ao terceiro e último set foi que Jabeur tinha gastado todas as suas energias para tentar ganhar o jogo em dois sets. Calejada para partidas de três sets e com forte exigência psicológica, Bia começou o último set quebrando o saque da tunisiana duas vezes e abrindo 3 a 0. A número 7 do mundo esboçou uma reação ao quebrar o saque de Bia e diminuir a diferença no placar, mas parou por ali: Bia venceu os três games seguidos, salvando, inclusive, quatro game points em um deles, e venceu o terceiro set por 6 a 1. Placar final: 2 sets a 1 (3 a 6, 7 a 6(5) e 6 a 1).
Incrível. A classificação de Beatriz Haddad Maia às semifinais de Roland Garros foi a primeira de um brasileiro ou brasileira na categoria simples em Grand Slams desde Gustavo Kuerten, há 22 anos [Foto: Reprodução/SporTV]
A adversária de Beatriz Haddad Maia na semifinal de Roland Garros seria a número 1 do mundo, Iga Świątek (22), da Polônia. No único confronto entre as duas, no ano passado, deu Bia por 2 sets a 1, no WTA de Toronto. Apesar disso, Iga não havia perdido mais de quatro games em nenhuma das cinco partidas em Roland Garros, e chegava à semifinal como favorita contra a brasileira. Especialista no saibro, a polonesa tinha 26 vitórias em 28 jogos desde que estreou no Grand Slam, em 2019, e buscava o tricampeonato.
No final das contas, porém, nada disso importava. A história já havia sido feita e era linda. Antes de Roland Garros, Bia jamais havia passado da segunda rodada em qualquer edição de Grand Slam. Em termos de feminino, ninguém havia conseguido o feito de chegar às semifinais desde Maria Esther Bueno, em 1968 — em Roland Garros, a última vez havia sido em 1966, com Maria Esther. Caso avançasse à final, Bia seria a primeira brasileira no simples desde 1964, quando a maior tenista brasileira da história foi vice-campeã.
O duelo com Iga Świątek nas semis: foi quase, e foi lindo
Antes mesmo da semifinal a ser disputada entre Bia e Iga, uma zebra já havia acontecido: em uma atuação exemplar em termos de efetividade, Karolína Muchová (26, número 43 do mundo, da Tchéquia), tinha eliminado Aryna Sabalenka (25, número 2 do mundo e campeã do Australian Open 2023) ao vencer jogo dificílimo por 2 sets a 1 (7(5) a 6, 6 a 7(5) e 7 a 5). A expectativa era que a zebra seguisse passeando pela Philippe-Chatrier no jogo seguinte.
Bia começou bem o jogo, quebrando o saque de Iga e abrindo 1 a 0. Em seguida, Iga devolveu a quebra e as tenistas confirmaram seus serviços até o sexto set, quando Iga quebrou o saque de Bia pela segunda vez. O jogo da polonesa encaixou e ela fechou o primeiro set em 6 a 2. A facilidade com que Iga transformou um set equilibrado em um embate tranquilo é uma mostra de sua maturidade, aos 22 anos — ela foi campeã de Roland Garros pela primeira vez aos 19, em 2020.
Tanto Bia, como o torcedor brasileiro, não viviam uma novidade. Sair atrás no placar já havia ocorrido em quase todos os jogos e contra a melhor tenista do mundo, que jogava em seu estilo de quadra favorito, isso era mais do que esperado. O segundo set começou equilibrado, e as atletas confirmaram serviços até que Bia quebrou o saque de Iga e abriu 3 a 1 — já no primeiro game, Bia havia desperdiçado um break point. A polonesa se recuperou, empatou e virou o jogo para 4 a 3, mais uma vez salvando um break point da brasileira. Com o jogo empatado em 4 a 4, Bia teve três break points para fazer 5 a 4, mas não conseguiu confirmá-los e ficou atrás. Com ambas confirmando seus serviços, o tie-break era iminente.
Até o momento, Bia havia vencido todos os tie-breaks que disputara, enquanto Iga sequer tinha precisado de um. Em termos de psicológico, Bia estava mais acostumada a situações como essas. O jogo era equilibrado, de alto nível e completamente imprevisível.
Naquele ponto, o torcedor brasileiro começava a reviver todos os momentos de angústia e de êxtase dos jogos anteriores e já projetava o que seria mais uma epopeia de Beatriz Haddad Maia em solo parisiense [Foto: Reprodução/Twitter @EsportudoW]
O tie-break começou em franco equilíbrio, até que Bia encaixou uma sequência de jogadas espetaculares e abriu 5 a 3. Iga estava, por uma das primeiras vezes em Roland Garros, desconfortável. À frente do placar, sem a responsabilidade da vitória e jogando muito bem, Bia precisava de dois pontos para levar a partida ao terceiro set. Ela teve a chance de abrir 6 a 3 quando subiu à rede, mas acabou errando ao tentar deixar a bola, que ficou na rede. Um ponto que não se deve perder, ainda mais contra Iga, que logo diminuiu para 5 a 4 e empatou o jogo. Mesmo assim, Bia conseguiu se manter viva e fez o sexto ponto. Ela tinha o set point pela primeira vez no jogo.
Entretanto, Iga não é a número 1 por acaso. Em uma tarde na qual até suas fraquezas pareciam estar fortes, ela empatou e virou o jogo mais uma vez, passando a ter o que seria não só o ponto do set, como o ponto do jogo e da vaga na final. Bia resistiu e conseguiu empatar em 7 a 7, mas acabou sucumbindo diante de uma alienígena do tênis, que venceu o tie-break por 9 a 7 e a partida por 2 sets a 0.
Um jogo digno, honroso e gigante de Beatriz Haddad Maia, decidido no detalhe, em uma situação de proporções inimagináveis para ela e para o tênis brasileiro na atualidade. Acima de tudo, uma mostra de que o melhor de Bia ainda está por vir!
Bia deixou uma marciana desconfortável em Marte. Como reclamar disso? [Foto: Reprodução/SporTV]
Bia x Iga x Muchová: questão de efetividade
A final foi de mais provação para Iga Świątek. Se perder para Bia Haddad Maia seria zebra, uma derrota para a franco-atiradora Karolína Muchová, que subiu 26 posições no ranking com a campanha na França, não seria vista como algo comum, mesmo em uma edição de Roland Garros em que o imprevisível e a superação reinaram.
A polonesa venceu por 2 sets a 1 e conquistou o tricampeonato, em parciais de 6 a 2, 5 a 7 e 6 a 4. O primeiro set foi ainda mais tranquilo do que o primeiro contra Bia, com duas quebras a favor de Iga. Já o segundo foi o primeiro e único que perdeu no torneio: Iga abriu 3 a 0, mas teve o saque quebrado três vezes contra apenas uma quebra sua e perdeu por 7 a 5. No último set, o que se viu foi o “quase” desfilando na Philippe-Chatrier novamente.
Com duas quebras para cada lado e o jogo empatado em 4 a 4, Muchová teve a oportunidade de abrir 5 a 4 e sacar para o título, mas não conseguiu confirmar o break point e, de quebra, foi ela a quebrada no game final. Fim de jogo: Iga Świątek, tricampeã de Roland Garros, 2 (6 a 2 e 6 a 4), Karolína Muchová, a um passo da glória eterna, 1 (7 a 5).
Para se ter uma ideia, Muchová teve cinco possibilidades de break point contra 13 de Sabalenka. Confirmou os cinco, contra quatro da rival. Em sua partida contra Iga, Bia teve sete break points e confirmou apenas dois, enquanto a oponente teve quatro chances e confirmou as quatro.
Na grande final, foram cinco de sete break points confirmados para a tcheca, contra sete de 11 para Iga. O jogo de Bia contra Iga, especialmente no segundo set, foi tão bom quanto, senão melhor do que o de Muchová contra Sabalenka e, depois, contra a própria Iga. Mas, em termos de efetividade, a única forma de bater uma gigante é sendo perfeita, e isso é muito difícil.
Bia é top, Bia é dez. Bia é top 10!
A vitória de Iga Świątek na final garantiu um feito inédito a Bia, que entrou para o top 10 do ranking mundial da WTA. Na Era Aberta (desde 1968), somente Guga conseguiu este feito. Além disso, ela se tornou a primeira brasileira, entre homens e mulheres, a ter alcançado o top 10 no simples e nas duplas — a paulistana é, hoje, a número 12 do ranking de duplas da WTA, mas já foi a número 10 em maio deste ano.
Há um ano, uma Beatriz Haddad Maia número 48 do ranking vencia seu primeiro torneio de WTA, o 250 de Nottingham. Em 2023, mesmo após a eliminação no torneio — explicada em grande parte pela troca repentina de piso —, a brasileira se garantiu na décima colocação mundial com a derrota de Veronica Kudermetova para Ekaterina Alexandrova no WTA 250 de ‘s-Hertogenbosch. [Foto: Reprodução/Twitter @AlemTenis]
Autor: Ricardo Thomé.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.