Por 5 votos a 2, Tribunal Superior Eleitoral condena o ex-presidente por reunião com embaixadores e ataque ao sistema eleitoral.
No dia 30 de junho de 2023, o ex-presidente da república, Jair Messias Bolsonaro (PL), foi declarado como inelegível até o ano de 2030 após julgamento realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sendo assim, o plenário reconheceu o abuso de poder político e o uso indevido dos meios de comunicação utilizados por Bolsonaro em votação com 5 votos a favor de sua penalização e 2 contrários.
O que levou à inelegibilidade de Bolsonaro?
O episódio em especial que levou ao início do processo ocorreu no dia 18 de julho de 2022, quando Bolsonaro promoveu uma reunião com diversos embaixadores no Palácio da Alvorada. Na ocasião, informações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro foram divulgadas pelo então presidente, de forma a colocar em risco a legitimidade das eleições que viriam a ocorrer nos próximos 3 meses no país. A reunião foi amplamente transmitida pelas redes sociais de Bolsonaro e pela TV Brasil, canal oficial do governo.
Entre as provas utilizadas para a acusação do ex-presidente estavam inquéritos sobre a existência de uma milícia digital contra a democracia, arquivos sobre os atos antidemocráticos e o vazamento de dados sigilosos por Bolsonaro, além de diversos depoimentos e registros de lives.
Como se deu o processo?
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) foi proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), e defendida por seu advogado, Walber Agra. O partido alegou que a reunião e sua transmissão tinham como objetivo comprometer as eleições de 2022.
O relator do caso, corregedor-geral do TSE , Benedito Gonçalves, liberou o processo para julgamento no plenário após entender que Bolsonaro estava utilizando seu cargo para ganhar uma vantagem eleitoral e contrariar o Tribunal. De acordo com o magistrado, foi possível observar tal conduta a partir da análise não só da reunião com os embaixadores, mas também de diversas lives em que era possível observar que o ex-presidente promovia a violência, a desinformação e ataques à democracia. A ação foi aprovada pelo Ministério Público Eleitoral (MPF).
A defesa de Bolsonaro, por sua vez, negou qualquer irregularidade nos assuntos discutidos na reunião, dizendo que apenas houve a proposição de um debate para a melhora do sistema eleitoral.
O ex-ministro Braga Netto também estava em processo de julgamento, mas foi absolvido com unanimidade por falta de provas.
Para Vinicius Sampaio, advogado especialista em direito digital, um processo como este tem duas frentes principais de avaliação. A primeira é a gravidade da conduta de forma isolada e a segunda é a influência dessa conduta sobre o processo eleitoral. Dessa forma, Sampaio explica que “os ministros do TSE que não acompanharam o relator sustentaram a sua argumentação no sentido de que essa reunião não tinha o potencial de influenciar a eleição”.
Entretanto, o voto do relator mostra que, pelo entendimento do TSE, esses requisitos não são cumulativos – ou seja, não é preciso preencher os dois. Se a conduta for grave por si só, a seriedade dela já pode justificar a decretação da inelegibilidade do candidato.
Os votos:
Benedito Gonçalves, relator: pela condenação
O relator Benedito Gonçalves votou pela condenação do ex-presidente. (Imagem: Reprodução/ Wikimedia)
O relator de um processo em instâncias como o TSE é o primeiro a analisar o caso, além de ser o responsável por fazer seu histórico, elaborar um resumo, e relatar o processo aos demais membros da mesa. Ele é quem lidera a sessão e dá o primeiro voto.
Benedito Gonçalves, relator do tribunal em questão, teve o primeiro voto e considerou que houve responsabilidade direta e pessoal de Bolsonaro ao praticar “conduta ilícita em benefício de sua candidatura à reeleição”.
Raul Araújo: pela absolvição
O ministro Raul Araújo votou pela absolvição do ex-presidente. (Imagem: Reprodução/ Wikimedia).
O ministro explicou seu voto defendendo a intervenção mínima da Justiça Eleitoral no processo das eleições como forma de garantia do sufrágio popular. Além disso, disse que as ações de Bolsonaro foram insuficientes para implicar em alguma desigualdade entre os candidatos que concorriam à presidência em 2022.
Floriano de Azevedo Marques: pela condenação
O ministro Floriano de Azevedo Marques votou pela condenação de Bolsonaro. (Imagem: Reprodução/ Wikimedia)
O ministro alinhou-se ao relator e, ao justificar sua posição, fez uma detalhada análise do discurso de Bolsonaro na reunião gravada. “Diz a lei: apurada essa conduta abusiva, a Justiça Eleitoral aplicará a sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição que se verificou”.
André Ramos Tavares: pela condenação
Em sua declaração, André Ramos Tavares reforçou os ataques de Bolsonaro às urnas nacionais. (Imagem: Reprodução/ TSE).
Tavares, em sua fala, reiterou a gravidade de ataques infundados ao sistema eleitoral brasileiro, alegando que tais posicionamentos colocam a integridade das eleições em xeque. O ministro também relembrou as ocasiões em que Bolsonaro realizou ataques às urnas eletrônicas.
Com relação ao discurso do ex-presidente em reunião com embaixadores, o magistrado rebateu a defesa afirmando que as falas de Bolsonaro eram direcionadas à sociedade, não só às autoridades presentes.
Cármen Lúcia (STF): pela condenação
A ministra Cármen Lúcia deu o voto que decidiu a condenação e inelegibilidade de Bolsonaro. (Imagem: Reprodução/ Wikimedia)
Cármen Lúcia justificou seu voto explicando que a transmissão da reunião apresentou alcance suficiente para influenciar uma quantidade considerável de possíveis eleitores. A ministra também chamou o encontro em questão de “monólogo de caráter eleitoral”, em que Bolsonaro atacou a honra do STF e do TSE.
Seu voto foi o que formou maioria e definiu a inelegibilidade de Bolsonaro, mesmo antes do fim do julgamento.
Kassio Nunes Marques (STF): pela absolvição
Nunes Marques foi o segundo ministro a votar pela absolvição de Jair Messias Bolsonaro. (Imagem: Reprodução/ Wikimedia).
Durante seu voto, Nunes Marques confirmou a integridade do sistema eleitoral brasileiro e exaltou as urnas eletrônicas, mas analisou que o discurso de Bolsonaro buscava apenas abrir um debate em busca de melhorias no sistema eleitoral.
Alexandre de Moraes (STF): pela condenação
O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, foi o último a votar e lembrou que as ações do ex-presidente iam de encontro com parâmetros já estabelecidos pelo tribunal sobre a conduta de candidatos durante o período de eleições. “Um presidente da República que ataca a Justiça Eleitoral, ataca a lisura do sistema eleitoral que o elege há 40 anos? Isso não é exercício de liberdade de expressão. Isso é conduta vedada, e, ao fazer isso utilizando-se do cargo de presidente, do dinheiro público, da estrutura do Palácio Alvorada e da TV pública, é abuso de poder”, declarou o ministro.
Por fim, alegou que todas as ações de Bolsonaro foram planejadas para comprometer a crença do eleitor no Sistema Eleitoral.
Alexandre de Moraes, figura central para as eleições presidenciais de 2022, votou pela condenação de Bolsonaro. (Imagem: Reprodução/ Wikimedia)
Próximos passos do processo?
O professor Elival Ramos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), explica que em processos como este, que envolvem o presidente da república, o procedimento mais comum é entrar com recurso no órgão superior.
Como este caso tratava-se de eleição para presidente, o processo já começou no órgão máximo, que é o Tribunal Superior Eleitoral. Entretanto, o sistema de organização judicial brasileiro prevê que, sempre que houver uma matéria constitucional em discussão, o STF pode atuar como uma instância recursal.
A constituição federal dá as linhas gerais do conceito de inelegibilidade e esse é o caminho que Elival acredita que a equipe jurídica de Bolsonaro irá seguir para a defesa. Seus advogados já entraram com um embargo de declaração, que serve como um pedido de esclarecimento. O professor acredita que o caso muito provavelmente irá ao STF, onde será argumentado que esse processo não é compatível com o conceito constitucional de inelegibilidade.
Outro caminho que pode ser trilhado pelo ex-presidente é alegar que a liberdade de expressão é um direito fundamental. Contudo, de acordo com o especialista, é menos provável que Bolsonaro utilize isso em sua defesa.
Neste caso, como 3 ministros do TSE já são ministros do STF — Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Kassio Nunes Marques, o voto de cada um deles já está decidido. Ramos explica também que existe a possibilidade de que eles mudem seus votos, contudo, esse cenário é muito improvável. Portanto, a contagem de votos, na prática, já começaria com dois votos a um pela condenação.
O que esperar do futuro no âmbito jurídico?
O advogado de direito digital Vinicius Sampaio observa uma crescente no debate em relação a regulamentação das mídias, não só dos veículos tradicionais de comunicação, mas das plataformas de redes sociais.
Em seu voto, o relator Benedito Gonçalves faz menção a votos anteriores da ministra Cármen Lúcia. Em 2012, momento em que as redes sociais começaram a ganhar protagonismo em discussões políticas, a ministra disse que o Twitter era como uma mesa de bar, mas no ambiente virtual l, assim não poderia-se impedir pessoas de discutirem . Sobre essa antiga fala da ministra, Benedito disse que naquele contexto isso pode ter feito sentido, mas hoje não é verdade.
Para Vinicius, hoje é necessário assegurar o direito à liberdade de expressão, porém, é necessário ter limites. Mesmo que ainda não exista uma legislação que aplique regulações ao ambiente digital, o especialista explica o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.
O preceito analisa que essa instância não pode deixar de julgar um caso porque não existe uma lei específica para aquela situação. Dessa forma, a corte deve realizar o processo buscando outras fontes, que podem ser acadêmicas, históricas e políticas. “Essa busca pode ser observada no voto do ministro então, enquanto o legislativo não fizer a sua parte de regular redes sociais e fake news, isso ficará na mão do judiciário”, finaliza.
E no âmbito da sociedade?
Declarada a inelegibilidade política de Bolsonaro, observa-se que sua base de apoiadores políticos não têm se manifestado de maneira contrária às decisões. Isso chamou a atenção da historiadora Maria Aparecida de Aquino, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). A pesquisadora destaca que até mesmo a não reação dos eleitores de Bolsonaro é uma questão que deve ser observada atentamente, pois trata-se de um momento bastante específico da história brasileira. “Acredito até que uma não reação social a sua inelegibilidade também é uma mostra do que podemos esperar do comportamento social”.
Para Aquino, é preciso realizar uma grande reflexão social para onde iremos com essa movimentação política e refletir acerca dos possíveis desdobramentos políticos. Depois da chegada de Bolsonaro ao poder, podemos ou não enfrentar situações delicadas por conta da falta de tolerância das possíveis novas lideranças que possam surgir.
“É um momento da sociedade refletir sobre o que aconteceu com a sociedade brasileira nestes últimos anos, para onde ela vai e o que ela deseja para o futuro. Se posicionar diante desta situação pode ser fundamental para as influências e movimentos futuros”, conclui a historiadora.
Autores: Alex Amaral, Diogo Spinelli e Sophia Vieira.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.