Recente aumento de casos em aves silvestres no país preocupa especialistas por sua alta taxa de mortalidade, mas ainda não há confirmação da doença em humanos.
A Influenza Aviária H5N1 de Alta Patogenicidade (IAAP), mais conhecida como gripe aviária, é uma doença viral que acomete aves. O vírus que desencadeia a doença é composto pela proteína hemaglutinina e pela enzima neuraminidase. É daí que vem o nome “H5N1”: variação 5 da hemaglutinina e variação 1 da neuraminidase. Segundo Helena Lage Ferreira, Presidente da Sociedade Brasileira de Virologia: “Existem 16 tipos de H e 9 de N”. Todos os subtipos e combinações de influenza, feitos das variações de hemaglutinina e neuraminidase, “São encontrados em aves silvestres aquáticas, que são consideradas como reservatórios naturais. O H5N1 tem sido disseminado pelos países com a migração das aves silvestres”.
Transmissão e sintomas
O vírus é transmitido entre aves por vias respiratórias ou por contato com fluidos e secreções corporais, e pode ser contraído por humanos da mesma forma. Segundo Jansen de Araújo, professor doutor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e participante da Rede PREVIR (Rede Nacional de Vigilância de Vírus em Animais Silvestres) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, “os casos confirmados de transmissão para humanos foram aqueles que estavam em contato direto com algumas aves, ou seja, ou são pessoas que trabalham com criação de animais de fundo de quintal ou que trabalham em lugares fechados”.
Ainda é possível contrair o vírus por meio do contato com água que esteja contaminada com tais fluidos de aves doentes. Segundo Helena, deve-se evitar o contato com essas espécies: “Todas as pessoas em contato com alguma ave doente ou morta devem contactar o serviço veterinário oficial. Se tiverem tido contato sem equipamento de segurança individual (EPI), devem ir a um posto de saúde local”. Apesar de a transmissão para humanos ser rara, a taxa de mortalidade é alta: cerca de 52% dos contaminados podem vir a morrer. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), das 874 pessoas que foram infectadas pelo vírus entre 2003 e 2023, 458 morreram. Não há relatos de transmissão entre humanos, e a contaminação por consumo de carne de frango é improvável quando preparada corretamente, além de que frangos doentes raramente chegam ao abatedouro — morrem ou são identificados antes dessa etapa. De acordo com a Defesa Agropecuária, não existem restrições ao consumo de ovos e carne de aves até o momento.
A gripe pode matar 100% das aves domésticas que forem contaminadas. Alguns dos sintomas nas aves incluem dificuldade respiratória, secreção nasal, espirros, falta de coordenação motora, torcicolo, diarréia e, na maioria dos casos, a morte. Já com relação às aves silvestres, a depender da espécie, pode não haver mortalidade. Caso ocorra, a taxa é baixa, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). O professor doutor Ariel Mendes, voluntário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP e especializado em prevenção da influenza aviária, afirma que o vírus é mais comum em aves de ciclo longo, como galinhas poedeiras e perus. Frangos para abate dificilmente manifestam a doença.
Em humanos, os sintomas iniciais são similares a uma gripe comum — febre, tosse, dores musculares e de garganta —, mas podem progredir para infecções respiratórias graves e alterações neurológicas, como confusão e convulsões. Ainda não há nenhum caso confirmado em humanos no Brasil, e todas as suspeitas decorrentes de contato com aves contaminadas foram descartadas pelo Ministério da Saúde. Mendes explica que, apesar de ser parecida com outras variantes do vírus da Influenza, como o H1N1, o que as difere é a patogenicidade: “geralmente, as cepas de H5, H7 e H9 são as mais intensas”.
A situação no Brasil
Causada pelo vírus Influenza A, a doença teve seu primeiro caso registrado oficialmente no país no dia 15 de maio de 2023, no Espírito Santo, e, no dia 22 de maio, foi decretada emergência zoosanitária em todo o país pelo MAPA. Até 16 de junho, são 32 investigações com resultado laboratorial positivo para vírus da IAAP, conforme definição de caso da Ficha Técnica da Influenza Aviária. Todas as confirmações advieram de aves no litoral do país, e são mais recorrentes nas espécies Trinta-réis-de-bando (Thalasseus acuflavidus) e Trinta-réis-boreal (Sterna hirundo).
Foram proibidos temporariamente os eventos com grandes aglomerações de aves, conforme foi publicado no Diário Oficial da União em 29 de março deste ano. Esta foi a primeira medida de contenção do vírus, antes mesmo de chegar ao país, quando o governo entrou em alerta ao observar a alta da infecção nos países vizinhos. O decreto de emergência zoosanitária, emitido quase dois meses depois da proibição, funciona como medida preventiva.
Outras medidas tomadas para conter a disseminação do patógeno foram: abertura de crédito extraordinário de R$200 milhões, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 6 de junho; isolamento de aves e interrupção de atividades turísticas em locais de foco, como em Santos (SP) e Vitória (ES) e desenvolvimento e aplicação do Plano de Contingência para influenza aviária, que inclui investigação em torno dos focos para identificação de aves com suspeita, segundo o MAPA. Ainda há a ação conjunta interministerial entre o MAPA, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Saúde e Ministério da Ciência e Tecnologia e a PREVIR: “Como é um vírus que a gente considera de relevância da Saúde Única, que causa infecção para o animal, contaminação no ambiente e risco para a saúde pública, todos os ministérios têm que trabalhar em conjunto”, explica Helena.
Os principais estados brasileiros com foco viral da gripe aviária são Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia. Dos 11 casos que estão sendo investigados no momento, dois deles são em galinhas domésticas no Rio Grande do Norte, o que preocupa as autoridades. Caso se confirmem, esses seriam os primeiros casos em aves domésticas no Brasil.
A preocupação persiste
Ainda que o governo brasileiro já esteja tomando medidas preventivas, o vírus segue como tópico de grande apreensão no país. Segundo a EXAME, o Brasil lidera a exportação mundial de carne de frango, sendo responsável por 35% deste mercado global e fornecendo produtos para pouco mais de 100 países. Foram 1,314 milhão de toneladas de produtos de frango (entre in natura e processados) exportados somente no primeiro trimestre de 2023, totalizando 2,573 bilhões de dólares, pouco mais de 10 bilhões de reais, de acordo com a Forbes.
Considerando a importância da avicultura brasileira tanto para a economia nacional quanto mundial, uma possível contaminação no setor alimentício seria extremamente prejudicial para as vendas, além dos impactos sanitários que seriam causados. Em casos de surtos de gripe aviária em granjas comerciais, as aves contaminadas devem ser abatidas para evitar contaminação generalizada, e as exportações, interrompidas, causando grande déficit comercial para o setor alimentício. A contaminação de aves em larga escala nas granjas também significaria uma maior exposição dos trabalhadores ao vírus, elevando não apenas os riscos de contração da doença, mas também a necessidade de medidas preventivas.
O alarme, porém, ainda não é iminente: segundo o MAPA, “até o momento, a IAAP foi detectada no Brasil apenas em aves silvestres, não afetando a exportação de aves ou produtos derivados”. Além disso, Helena afirma que as chances reais de virar uma epidemia são baixas.
No Japão, país menor que o Brasil tanto em produção quanto em exportação de aves, foram cerca de 17 milhões de galinhas abatidas até o mês de março, deixando o país sem espaço para descartá-las. No Brasil, caso o vírus chegue aos galpões, tal número pode ser muito maior. Por isso, as normas sanitárias impostas às granjas brasileiras são rigorosas: “Desde os anos 2000, especialistas estudam e elaboram medidas de contingência para o vírus, como telas nos galpões e posicionamento estratégico dos comedouros para evitar contato com aves silvestres, além da captação de água de poços artesianos — e não lagos ou rios”, relata Mendes.
Para além das consequências econômicas, um surto de gripe aviária colocaria em risco também a saúde da população. Embora seja rara a transmissão para humanos, as possibilidades não são nulas, o que seria preocupante — fosse em pequena ou larga escala — tendo em vista a alta mortalidade do vírus. Com o risco de mutação do vírus e do aumento de sua transmissibilidade, o Instituto Butantan iniciou pesquisas e o desenvolvimento de imunizantes.
Instituto Butantan e a vacina para humanos
A OMS cedeu cepas vacinais do H5N1 para que o Instituto Butantan iniciasse suas pesquisas e o primeiro lote já está pronto para testes pré-clínicos. Ainda não há previsão de quando o imunizante será disponibilizado ao público, uma vez que a vacina ainda está em seus estágios iniciais. Graças ao monitoramento antecipado do vírus, o Instituto pôde iniciar as pesquisas em janeiro, quando ainda não havia nenhum caso no Brasil. A intenção do Butantan é ter um estoque estratégico feito a partir de três cepas vacinais diferentes.
O processo, outrora demorado e burocrático, se tornou agilizado, por se utilizar da mesma tecnologia empregada no desenvolvimento da vacina da influenza sazonal — conhecida popularmente como “a vacina da gripe” — disponibilizada anualmente através do Sistema Único de Saúde (SUS). “Como estamos aptos a fornecer milhões de doses de vacina de influenza todos os anos para o Ministério da Saúde, temos condições tecnológicas e de infraestrutura para o desenvolvimento destes imunobiológicos para a gripe aviária”, diz Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, diretora do Centro de Desenvolvimento e Inovação do Butantan (CDI), em entrevista oficial para a imprensa do Instituto Butantan.
Apesar dos rumores da possibilidade de uma pandemia de gripe aviária, Mendes atenta para a improbabilidade da ocorrência: “A não ser que o vírus sofra uma mutação no futuro, dificilmente se desencadeará uma pandemia. Não há registro de transmissão entre humanos e o consumo de carnes e ovos é seguro”. Mesmo assim, é importante que haja uma preparação estratégica.
Já existem tratamentos para a cura da gripe aviária, como a prescrição de medicamentos, mas eles não garantem a recuperação total dos pacientes, especialmente pela alta mortalidade do vírus. Assim, a vacina é de suma importância preventiva, evitando que seja necessário o uso de medicamentos ou tratamentos mais agressivos.
Caso tenha contato com alguma ave doente ou morta, haja suspeita de gripe aviária ou não, é necessário manter distância do animal e notificar os veterinários oficiais e autoridades competentes da região para que a extração e tratamento possam ser feitos de forma segura.
Toda suspeita de gripe aviária em aves silvestres deve ser notificada ao Serviço Veterinário Oficial por e-mail, no endereço pesa@cda.sp.gov.br e também nas Regionais da Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA): https://www.defesa.agricultura.sp.gov.br/enderecos.
Autoras: Isabel Briskievicz Teixeira e Julia Alencar.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.