É verdade que o avanço tecnológico permitiu a expansão do acesso à informação e da conscientização sobre saúde mental. Mas até que ponto a informação é compartilhada de maneira responsável e verídica?
Não é incomum navegar casualmente pelo TikTok ou qualquer outra rede social de grande alcance e encontrar diversos vídeos nos quais pessoas mostram uma lista de sintomas ou afirmam que certa característica é um sinal para um possível transtorno mental, como transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), autismo, depressão, ou qualquer outro distúrbio.
Com essa avalanche de conteúdo, dificilmente uma pessoa poderá afirmar que nunca ficou insegura ou até mesmo desconfiada a ponto de se autodiagnosticar. Mas, afinal, quais são os verdadeiros efeitos desses vídeos e do cada vez mais frequente autodiagnóstico desenfreado?
Saúde mental na internet
Após os três anos de pandemia mundial, os distúrbios mentais se tornaram cada vez mais comuns e frequentes: mais da metade dos brasileiros declaram ter seu bem-estar mental deteriorado desde o início da pandemia e 41% relatam já ter sintomas de ansiedade, insônia ou depressão devido aos estresses do período. A busca pela desestigmatização dos transtornos levou a uma maior conscientização, e a procura por tratamentos referentes aos transtornos mentais passou a ser propagada e vista com maior seriedade.
O processo de difusão de ideias pela conscientização ocorre principalmente através da internet, desde matérias jornalísticas até perfis de especialistas em transtornos que procuram contribuir no processo de educação pela saúde mental. Carolina Bartolomeu, psicóloga voluntária no ambulatório do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), diz, porém, que nem tudo é propagado de maneira correta e responsável.
A psicóloga explica que as pessoas têm o acesso à informação, mas não ao conhecimento, o que pode acarretar em aumento da disseminação de preconceitos, alarmismos e simplismos sem sentido. E, assim, nos últimos anos, foi vista a maior explosão de fake news na internet, informações falsas transmitidas massivamente pelas redes sociais que afetaram drasticamente o debate sobre saúde mental e transtornos.
De acordo com o Elton Kanomata, médico psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, “a disseminação dessas desinformações impacta negativamente na maneira como as pessoas enxergam os transtornos mentais e, por consequência, acabam se submetendo a tratamentos inadequados sem evidências científicas sólidas e até ao abandono de tratamento em decorrência do estigma criado em relação ao transtorno mental.”
Um exemplo de tal evento foram as diversas fake news que circularam durante a pandemia de Covid-19 a respeito da possibilidade das vacinas contra o vírus causarem autismo. Essa notícia falsa foi muito veiculada nas redes sociais, em grupos de conversa utilizados pelas pessoas contrárias à vacina e em grupos de extrema direita. Essa veiculação afeta o processo de vacinação e também as pessoas portadoras de autismo, que cada vez mais são vítimas de desinformação e ignorância.
Banalização e glamourização de transtornos
Outros efeitos que têm sido marcantes na maneira como as redes sociais abordam os transtornos são a superficialização e a glamourização dos distúrbios mentais. Pessoas autodiagnosticadas como portadoras de transtorno obsessivo compulsivo (TOC) por serem naturalmente organizadas, ou autodeclaradas depressivas por estarem tristes, são comuns na internet e contribuem ativamente para a banalização da forma como a sociedade percebe os transtornos mentais.
O esvaziamento do significado e dos reais diagnósticos dos distúrbios isola ainda mais os portadores ao dificultar a possibilidade de identificação com os verdadeiros sintomas. Além disso, agravam o possível descrédito que familiares, amigos e especialistas possam dar a quem realmente necessita do tratamento.
De acordo com Kanomata, “as pessoas tendem a selecionar as informações que as convém e atendem mais a suas crenças, gerando assim, diferentes interpretações acerca do mesmo transtorno”. Para evitar um possível desconforto de sua própria percepção em relação ao desconhecido, as pessoas constituem o próprio conhecimento a partir de suas opiniões preconcebidas.
Desse processo, os transtornos podem não só serem banalizados, como glamourizados e romantizados, tornando-se uma espécie de tendência, no qual as pessoas sentem-se impelidas a acreditar serem portadoras de transtornos, mesmo sem diagnóstico, como uma espécie de normalidade da atualidade ou moda. O que termina por influenciar a difusão da automedicação, incentivando pessoas a fazerem uso de antibióticos e remédios que necessitam de um diagnóstico correto e de prescrição médica.
Mas, afinal, a internet pode ajudar ou não?
Apesar dos malefícios da desinformação, tanto as redes sociais como o avanço tecnológico em si aumentaram expressivamente o espaço de destaque e discussão para variados temas que antes pouco tinham ou nem existiam no meio social, sendo a expansão e maior facilidade do acesso à informação as grandes ferramentas para essa conquista.
“As pessoas que atuam ativamente através da educação nas redes sociais, como criadores de conteúdo, profissionais e instituições que usam a internet como um meio de discussão paralelo, são essenciais na expansão da desmistificação e divulgação responsável sobre saúde mental”, diz Carolina.
Quanto mais discussões responsáveis acerca do tema, maior a visibilidade e a possibilidade de quebra do tabu que a saúde e os transtornos mentais tornaram-se com o passar dos anos.
Segundo Kanomata, para exercer tal responsabilidade, “é essencial que as pessoas busquem informação em mais de um canal, preferencialmente em fontes ligadas a serviços e instituições de saúde confiáveis”. Em caso de desconfiança a respeito de algum distúrbio, é ideal que o paciente consulte um especialista na área, que saberá a exata gravidade e tratamento necessários para o transtorno mental.
Autora: Yasmin Teixeira.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.