Musicoterapia: “O ser humano é um som musical”, diz terapeuta de crianças atípicas

Conheça a musicoterapia, terapia pouco divulgada e entenda seus benefícios e impactos no desenvolvimento de crianças.

A musicoterapia, apesar de muitas vezes confundida com apenas aulas de música, é uma modalidade que combina arte e saúde. A técnica, responsável por auxiliar no desenvolvimento de crianças, utiliza a música para proporcionar o bem-estar, novas formas de expressão e aprendizado, trabalhando com os aspectos biológicos, sociais e espirituais de cada indivíduo.

“É uma terapia pouco divulgada mas que abrange muita coisa, pois sempre temos contato com diversos sons, estando expostos à música o tempo todo. A musicoterapia é um princípio da vida, o ser humano é um som musical”, diz Camila Sanches, musicoterapeuta de crianças atípicas.

Assim, nas sessões, os pacientes são os protagonistas. Em conversa com os pais, o musicoterapeuta procura entender a rotina da criança, bem como seus gostos e sua personalidade para traçar o plano terapêutico.

Dessa forma, uma criança que tem como estereotipia balançar as mãos, por exemplo, pode utilizar um chocalho para se expressar e reconhecer que o som acontece através do movimento, enquanto outra que tem como estereotipia bater, seja em objetos, pessoas, ou nela mesma, pode fazer o uso de um pandeiro para se conscientizar de seus movimentos. O musicoterapeuta compreende as habilidades e dificuldades de seu paciente e trabalha, a partir delas, para aprimorar a qualidade de vida das crianças.

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‘A musicoterapia é um princípio da vida, o ser humano é um som musical’
Foto: Fabiano Leal

“Existe uma série de instrumentos e nós adaptamos as canções para que essa criança possa entrar em contato com a criatividade, em alguns momentos até com a capacidade de cognição. Quando ela vai aprendendo as notas musicais, as combinações musicais, ela está desenvolvendo a comunicação verbal, o raciocínio lógico matemático”, conta o musicoterapeuta Luís Leão.

A musicoterapia oferece uma ampla gama de benefícios para o processo de desenvolvimento infantil. Primeiramente, desempenha um papel crucial no desenvolvimento motor das crianças. Por meio da exploração de instrumentos musicais e movimentos corporais coordenados, os pacientes podem aprimorar suas habilidades, fortalecendo os músculos e melhorando o equilíbrio, contribuindo para sua independência nas atividades diárias.

Além disso, a musicoterapia é um estímulo cognitivo poderoso. A música envolve uma série de elementos, como ritmo, melodia e harmonia. Participar de atividades musicais ajuda o público infantil a desenvolver habilidades como concentração, memória, raciocínio lógico e criatividade, além de também estimular a linguagem e o pensamento abstrato, à medida que as crianças aprendem a interpretar letras de músicas e a compreender a estrutura musical mais complexa.

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“Em alguns casos, existe uma grande dificuldade em ter uma interação com psicólogo, e, através da musicoterapia, ele consegue expressar suas questões emocionais, se abrir mais, por não ser uma terapia invasiva.”
Foto: Luis Leão

A expressão emocional é outra área em que a musicoterapia se destaca. A música oferece um meio seguro e expressivo para as crianças explorarem e compartilharem suas emoções, algo particularmente benéfico para aquelas que têm dificuldade em comunicar seus sentimentos verbalmente.

Ao permitir que os pacientes se expressem por meio da música, elas podem desenvolver uma compreensão mais profunda de si mesmas e de suas emoções, contribuindo para um maior bem-estar emocional. “Seu filho não vai aprender a tocar instrumento, não é o objetivo. O principal objetivo é incentivar ele a se expressar, trazendo a autonomia e expressão do paciente. Cada ser humano é um ser individual”, enfatiza a terapeuta Camila.

PARA QUEM A MUSICOTERAPIA É INDICADA?

A musicoterapia é uma técnica terapêutica muito versátil, visto que pode ser adaptada para atender as necessidades de diferentes pacientes. Cada criança tem uma dificuldade particular e o musicoterapeuta deve trabalhar focado nesta demanda. Uma crença relativizada de que apenas crianças que apresentam algum transtorno ou síndrome devem fazer musicoterapia é contrariada por profissionais da área.

“Não existe contra indicação na musicoterapia, abrangendo qualquer marco do desenvolvimento. Em nenhum caso não indicaria musicoterapia, mesmo que a pessoa não suporte o som, trabalharemos essa hipersensibilidade, porque precisa ser trabalhado. Todo mundo é indicado para fazer”, explica Camila Sanches.

Geralmente, crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) são as mais indicadas ao tratamento, já que na terapia desenvolvem diversas habilidades, como a comunicação verbal, regulamentação emocional, melhora na consciência corporal e coordenação, além de reduzir o estresse e a ansiedade.

Para o desenvolvimento da comunicação verbal nesses casos, é muito comum o uso de situações rotineiras nas músicas criadas pelo terapeuta, para que a criança consiga integrar alguns hábitos à sua rotina ou para facilitar a forma como lidam com contextos que não gostam. O musicoterapeuta Fabiano Leal exemplifica: “Um garoto que atendi há alguns anos sempre levava para as terapias quatro brinquedos: um macaco, um leão, uma girafa e um elefante. Ele tinha pouca paciência para aguardar o transporte escolar, então eu criei uma canção assim ‘O macaco e o leão, a girafa e o elefante resolveram passear no ônibus do Diego, como o ônibus faz?’”.

Ao permitir que os pacientes se expressem por meio da música, elas podem desenvolver uma compreensão mais profunda de si mesmas e de suas emoções
Foto: Fabiano Leal

Já para pessoas que possuem deficiências intelectuais, em geral apresentam melhora na capacidade de concentração e foco, e, para as crianças com paralisias ou outras deficiências físicas, a musicoterapia pode ser usada para melhorar a capacidade motora e cognitiva trabalhando pequenos exercícios, como o manuseamento de alguns instrumentos.

Para crianças com desenvolvimento típico, mas que são tímidas ou apresentam dificuldades sociais, a musicoterapia auxilia no processo de ganhar confiança, aprimorar habilidades de comunicação e interação social. “Em alguns casos, existe uma grande dificuldade em ter uma interação com psicólogo, e, através da musicoterapia, ele consegue expressar suas questões emocionais, se abrir mais, por não ser uma terapia invasiva”, esclarece Fabiano Leal.

Muitas vezes as crianças enfrentam estigmas sociais e dificuldades em se integrar plenamente na sociedade. A musicoterapia, assim, oferece a oportunidade de demonstrar o potencial e as habilidades dessas crianças, ajudando a eliminar estigmas negativos.

O IMPACTO DA MUSICOTERAPIA

Com informações escassas e falta de apoio governamental, a rede de apoio entre famílias de crianças atípicas é, por muitas vezes, a ponte para a descoberta de novas terapias e aquisição de direitos. Para Erika Oliveira, mãe de uma criança diagnosticada com autismo, a descoberta da musicoterapia ocorreu por meio de conversas com outras mães, e, para oferecer o tratamento para o seu filho, passou por embates.

“O Ramon sempre teve interesse por música, desde bebê, e então conversando com outras mães, com filhos também dentro do espectro, me falaram sobre musicoterapia. Durante 3 anos paguei a terapia no particular e tive que entrar com processo contra o plano de saúde para poder dar um tratamento adequado para o meu filho”, expõe a mãe.

A musicoterapia, assim, oferece a oportunidade de demonstrar o potencial e as habilidades dessas crianças, ajudando a eliminar estigmas negativos.
Foto: Luis Leão

Para crianças atípicas ampliarem todas as suas capacidades, é necessário uma combinação de diversas terapias, que, simultaneamente, trabalharão as limitações do paciente. “Ele tinha muita dificuldade de se organizar para fazer as atividades, e, na musicoterapia, ele sentava, pegava um instrumento, tentava imitar a profissional. Então nós vimos que era a terapia que ele conseguia se organizar primeiro e isso foi se expandindo para as demais”, conta Erika.

A musicoterapia auxilia no processo das situações mais simples até questões mais complexas, e a criação de canções que estimulam a adaptação ou o abandono de hábitos é um dos pontos chave da modalidade. “Às vezes, a crise acontece pela vontade dele de dizer algo e não conseguir”, comenta Erika.

“Por incrível que pareça, a musicoterapia ajudou até no processo do desfralde. Tinha uma musiquinha do xixi que a gente cantava, levava ele no banheiro, e pensávamos que era besteira, mas para a criança existe uma outra forma de se comunicar.”

Apesar da alta visibilidade que a terapia alcançou nos últimos anos, ainda existem barreiras a serem quebradas entre o prejulgamento e o conhecimento da potencialidade que a musicoterapia pode atingir.  “Acredito que exista um preconceito que vai além da música. Assumem que toda criança que precisa de terapia é por conta de uma necessidade biológica ou  sensorial, uma coisa que é aparente”, diz Luís Leão.

“Tem aquela questão de dizerem que quem faz terapia é ‘louco’ e na musicoterapia ainda temos esse paradigma, ainda não conseguimos mostrar essa ideia de que terapia é para todos.”

Autoras: Amanda Donola Libório Lopes, Isabela Miranda Rodrigues, Isabella Maria Nemezio Lura e Maria Eduarda Silva.

Fonte: Cásper Líbero.