Intoxicação digital infantil: novo desafio para os pais na criação dos filhos

Pais enfrentam desafios no uso equilibrado de telas para divertimento dos filhos, mas impactos no desenvolvimento e interação social são motivo de preocupação para especialistas.

Na era digital, além dos muitos desafios que a maternidade e a paternidade carregam, a chamada “intoxicação digital infantil”, uso exagerado de tecnologias e sobrecarga de informações recebidas pelas crianças, é a atual preocupação que gera dúvidas e cobranças na maioria dos pais.

Apesar de tratar-se de uma ferramenta prática para resolução de conflitos com as crianças em momentos de teimosia ou “birra”, os efeitos negativos do uso excessivo da tecnologia para as crianças existem, mas não são muito conhecidos e esclarecidos entre os pais da mais nova geração.

A psicóloga infantil Laís Arruda explicou, em entrevista para a Jornalismo Júnior, que “o uso excessivo de telas tem sido um grande alerta de discussão para o comprometimento do desenvolvimento infantil já que, para garantir sua efetividade, é necessário que o sujeito esteja inserido adequadamente em seu meio através de modelos e imitação”.

Isso significa que o crescimento saudável das crianças depende se o ambiente em que estão inseridas tem exemplos positivos de comportamentos que elas podem imitar, ou seja, interagindo com outras crianças com brincadeiras lúdicas e funcionais.

O crescimento saudável das crianças depende de um ambiente propício para isso, cercado de interação. [Imagem: Reprodução/Freepik]

Impacto do equilíbrio no uso de telas na vida das crianças

Laís explica que o uso exagerado de telas para o entretenimento das crianças pode inibir a interação social, o brincar lúdico e ainda causar um atraso na linguagem. No âmbito comportamental, acrescenta que a irritabilidade, a baixa tolerância para frustração e tempo de espera são possíveis consequências. 

Naythá Hass, mãe de três filhas de 10, 8 e 6 anos, teve a preocupação de garantir o equilíbrio do acesso às telas no dia a dia das filhas. “Cada uma tem seu tempo, que pode ser aproveitado sozinha ou com as irmãs. Sendo assim, quando elas querem compartilhar o tempo, escolhem juntas o que vão assistir, o que às vezes gera briga.” 

Na prática, afirmou que a maior dificuldade que enfrentou foi determinar e gerenciar o tempo que cada uma tem para utilizar dispositivos como o celular, a televisão e o computador. “Como nós não demos um dispositivo para cada uma e não colocamos televisão no quarto, todos precisamos gerenciar e organizar a rotatividade”, diz a mãe.

Distante do uso excessivo de telas, a psicóloga salienta que “as crianças apresentam maior interação com e interesse pelo ambiente, onde há modelos para uma comunicação adequada, oportunidades para seguir instruções e o interesse em brincar entre elas”. Ela explica que isso ocorre porque uma das formas de aprendizagem do cérebro é a imitação.

Comparando com outras crianças de seu convívio, Naythá observou esse impacto da regulação do uso das tecnologias no dia a dia de suas filhas. O que mais chamou sua atenção foi a independência de telas para se distrair. “Percebemos que em meio a grupos elas estão sempre liderando brincadeiras e propondo atividades, já que as outras crianças parecem não saber como brincar”, afirmou.

Ela relata que é um desafio ainda maior fazer as crianças entenderem a necessidade de haver um equilíbrio no uso de telas em um contexto em que outras crianças não têm o mesmo costume. “Muitas vezes minhas filhas são ridicularizadas ou excluídas, já que em dias que se pode levar brinquedo à escola, elas são as únicas que não levam tela e enfrentam dificuldades em conseguir brincar com as outras crianças”, relatou Naythá.

Um estudo publicado pelo The Journal of Pediatrics, revelou que crianças fisicamente ativas que utilizam telas por até uma hora diariamente têm melhor desempenho em atividades que envolvem memória, controle das emoções e atenção. 

Como aplicar o equilíbrio das telas na rotina

A respeito da utilização das telas nas rotinas das crianças, Laís recomenda que exista uma rotina de estimulação equilibrada, na qual a criança tenha um acesso gradual às telas, utilizando-as em períodos adequados. “Um benefício para a utilização da tecnologia é o uso de aplicativos que estimulem sons e brincadeiras que dê para interagir com outras crianças”, diz. O Hospital Israelita Albert Einstein também recomenda a utilização de jogos de tabuleiros, quebra-cabeças e jogo da memória.

Uma opção para as crianças sem ser as telas são jogos, como o quebra-cabeças. [Imagem: Reprodução/Freepik]

A Academia Americana de Pediatria (AAP) desenvolveu recomendações para cada faixa etária: para bebês de até dois anos, recomenda-se nenhuma exposição às telas diariamente. De três a cinco anos, podem utilizar telas por até uma hora ao dia, desde que seja uma programação de qualidade e apropriada à idade. A recomendação da AAP é que os pais priorizem brincadeiras criativas e interativas.

Dos seis aos dez anos, a recomendação é que o tempo de exposição seja de uma hora a uma hora e meia por dia. As orientações são que os pais sempre avaliem o conteúdo consumido, permitam somente após o término de tarefas escolares e que o tempo de uso nunca ocupe o de atividades físicas, sono e outras atividades importantes para a saúde da criança.

Já entre os onze e treze anos, as crianças podem ter mais liberdade para distribuir o tempo de uso ao longo do dia, desde que não ultrapasse duas horas diárias. Além disso, a Academia desenvolveu recomendações para toda a família.

Acima de tudo, é importante que os pais saibam que nunca é tarde para mudar os costumes. Flexibilizar o tempo de uso em ocasiões necessárias reorganizando os horários é um caminho que Naythá segue que não a faz sentir autocobrada: “os limites já foram determinados e sabemos o benefício dele, por isso não sinto que seja algo que nos pressiona. Buscamos levar o distanciamento com leveza e participar das atividades fora de tela”.

Autora: Beatriz Garcia.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.