Um dos doces mais populares e amados, de origem brasileira, o brigadeiro é símbolo da democracia no Brasil e da atuação feminina nas eleições de 1945.
Mesmo sendo produzido essencialmente com apenas três ingredientes: leite condensado, manteiga e chocolate em pó, o brigadeiro é capaz de fazer brasileiros — e também gringos— salivarem. Brigadeiro de paçoca, de café e de churros são algumas das variações que se popularizaram e ganharam o gosto do público, reinventando o doce que tradicionalmente já fazia bastante sucesso. Embora seja muito conhecido, a origem oficial do docinho ainda é incerta. O que o brigadeiro pode revelar sobre aspectos políticos e históricos da democracia brasileira?
Lembrancinha de comício político
A história mais famosa sobre a origem do brigadeiro está frequentemente atrelada à campanha política do Brigadeiro Eduardo Gomes, que concorreu às eleições de 1945 pela União Democrática Nacional (UDN).
O eleitorado feminino teria vendido brigadeiros para arrecadar verba e apoio para a campanha do candidato, o que fez com que o doce passasse a ser chamado pelo seu posto militar. Junto a isso, propagava-se o slogan ‘’vote no Brigadeiro, que é bonito e solteiro’’, referência ao estado civil e aparência de Gomes.
Democracia e eleições
A eleição do dia 2 de dezembro de 1945 é considerada por muitos pesquisadores como a primeira eleição presidencial verdadeiramente democrática da história brasileira.
Juliana Oliveira, cientista política, explica que naquela eleição existia competição eleitoral e o sufrágio era amplo. Os eleitores tinham opções de escolha de candidatos e o voto era obrigatório para todos, inclusive para as mulheres. Acusações de fraudes não ocorreram, como costumava acontecer, e o resultado foi aceito pela grande maioria da população. ‘’A parte mais importante dessa eleição de 45 é que ela é uma transição de um regime autoritário, que era o Estado Novo, para uma experiência democrática brasileira’’, complementa Juliana.
Desde 1937, o país vivia sob uma ditadura, que se chamou Estado Novo e centralizou-se na figura de Getúlio Vargas. O regime suprimiu o Poder Legislativo, extinguiu partidos políticos e adiou as eleições presidenciais que ocorreriam em 38.
‘’Getúlio Vargas dava sinais do que chamamos de Continuísmo. O Continuísmo baseia-se na recusa em fazer a transição para a democracia e na insistência em permanecer no poder’’, esclarece Juliana. A candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes foi lançada antes mesmo de existir um código eleitoral e é anterior ao Ato Adicional, que fixaria a data da eleição presidencial e asseguraria a liberdade de organização partidária. Segundo a cientista política, ‘’o fato de Eduardo Gomes ter se lançado como candidato é justamente o que força a transição’’. Mesmo que se possa entender como uma boa campanha política, Eduardo Gomes perde para Eurico Gaspar Dutra, do Partido Social Democrático, um político atrelado ao Estado Novo.
O ativismo feminino nas eleições
‘’O peso das mulheres foi importante não só como eleitoras, mas também como pessoas que atuaram dentro da campanha eleitoral da primeira eleição democrática’’, conta Juliana, ainda sobre a eleição de 45.
O direito de voto às mulheres foi estabelecido em 1932 por meio do decreto 21.976 e, no ano seguinte, as mulheres puderam votar e serem votadas para a Assembleia Nacional Constituinte. No entanto, apenas em 1945, o voto feminino aconteceu em um contexto de democracia.
De acordo com a cientista política, o processo de venda de brigadeiro nas ruas, de casa em casa, fazia com que as mulheres estabelecessem um contato que não fosse mediado pela presença de um homem. Assim, o momento era também de discussão sobre política sem possíveis intervenções ideológicas do marido.
Surgimento da receita
Apesar da aparição do brigadeiro durante a campanha, a ideia de que a receita teria surgido em 1945 é questionada por historiadores. Pedro Meirelles entende que ‘’uma das possibilidades é de que o doce já existia antes das eleições de 1945 com outro nome e a campanha sequestrou e rebatizou o doce’’.
O historiador explica que ‘’definir origem de receitas é muito difícil, geralmente são coisas que surgem quase que organicamente’’. E a origem do brigadeiro não poderia ser diferente.
O leite condensado, principal ingrediente do doce, foi inventado em 1856 no processo de desidratação do leite de vaca. O condensamento do leite tornou-se comum nas guerras que ocorreram desde então, por ser uma forma mais eficiente de armazenamento e transporte, mais compacta e por ter maior durabilidade. O produto chegou ao Brasil em 1890, importado dos Estados Unidos, e, já em 1921, a Nestlé abre sua primeira fábrica no território brasileiro.
Por causa das diversas vantagens práticas do produto, em meio à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), houve uma produção e divulgação maciça de leite condensado. E, após a guerra, o mercado passou por um processo de encarecimento de alguns produtos, como ovos e farinha, que eram usados em muitas receitas brasileiras, de forma que a população precisou adaptar-se aos ingredientes mais acessíveis. Com muito leite condensado disponível e falta de ingredientes básicos, teria nascido o brigadeiro. Além disso, o momento era de renovação da cozinha no Brasil, por influência do American Way of Life — modo de vida que passava pelo consumismo, a padronização social e a crença nos valores democráticos liberais. A busca por uma maior praticidade ocasionou a popularização de produtos enlatados no Brasil, como o leite condensado.
Mesmo que certas evidências históricas indiquem uma possível origem do doce, é impreciso e arriscado definir exatamente quando a receita apareceu. O que podemos ter certeza, por outro lado, é que o doce é um símbolo da democracia brasileira e da luta pela autonomia das mulheres enquanto cidadãs.
Autora: Luana Takahashi.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.