As redes sociais têm criado um estereótipo sobre o mundo fashion.
A moda é um fenômeno único e exclusivo da espécie humana, e a acompanha desde o século 18. E ela pode ser interpretada de diferentes maneiras, por exemplo, ser compreendida como um conceito atrelado ao comportamento. A forma que um determinado grupo humano, em certo período de tempo, possui um conjunto de opiniões, gostos, modos de agir, viver e sentir coletivos.
Quando se trata de avaliar as roupas, fala-se da mudança de forma, de cores, tecidos e matéria prima. Os figurinistas e costureiros de renome são analisados apenas depois. Mesmo que, atualmente, esteja tão associada a marcas famosas, a moda não surgiu no mundo das grifes, e sim como um fator social.
O mercado da moda
Com o passar do tempo, a moda se tornou um mercado. Uma produção que é baseada em regras ditadas pelos desejos de consumidores específicos. Ao sair do mundo idealizado, onde a produção é feita pensando apenas na arte, a estudante de moda, Nicole Pereto, afirma: “A moda é um mercado, para além de uma expressão de arte e cultura”.
O estilista inglês, Charles Frederick Worth, foi o criador do termo Alta-Costura – haute couture em francês –, a confecção de modelos feitos à mão e expostos em salões luxuosos. Ele possuía uma casa de Alta-Costura e produzia roupas para a elite. Com a ascensão da burguesia e do seu poder aquisitivo, a nobreza foi, aos poucos, perdendo seu posto de alta sociedade. As peças de Alta-Costura, foram a forma que a aristocracia encontrou para se diferenciar das demais camadas sociais.
Na França, criou-se o conceito “prêt-à-porter” – em tradução literal: “pronto para vestir” – por meio da estilista J.C.Weil em 1949. Esse novo estilo especializa-se na produção em larga escala, com roupas que seguem as tendências do momento e que são mais acessíveis economicamente. Assim, a Alta-Costura se consolida como forma de manutenção da tradição do luxo. O que a diferencia não são grandes estoques ou a facilidade na produção, mas, sim, a capacidade de se adaptar a estética do cotidiano com preços mais altos se comparados com outros tipos de produção têxtil.
As grifes, marcas famosas do mundo têxtil, são conhecidas e valorizadas por criarem uma falsa sensação de exclusividade. “A moda é também um agente social, então, um item de luxo desperta o desejo. Quando se compra algo que alguém tem é uma conquista”, afirma Nicole. De acordo com a estudante, o mercado de luxo “sempre esteve se desviando para o lucro, e, não necessariamente para o que é fashion”. Atualmente, além de roupas, eles produzem perfumes e até itens de maquiagem para ampliar o número de consumidores e, logo, aumentar o ganho.
Com a ascensão da internet, mesmo para o vestuário de luxo é difícil a fabricação de uma só peça, com a garantia de que ela é única, exceto quando são itens de Alta-Costura. Ou seja, essa exclusividade não é concreta, visto que muitas pessoas podem obter o mesmo produto. Famosos e influenciadores recebem peças e produzem conteúdo como forma de propaganda. Eles incentivam seus fãs a comprarem e, assim, faturam mais com os patrocinadores. Esse processo é curto, e torna as coleções ultrapassadas mais rápido.
Mesmo que a moda seja cíclica, o retorno do uso de roupas de marca está cada vez maior. Por isso, segundo Nicole, “um look não precisa de roupas de grife para ser bonito ou fashion, mas, sim, de uma identidade visual”, o que possibilita, por exemplo, o uso de peças de brechós para a construção dele.
A moda nas redes sociais e a sua glamourização
Segundo relatórios da plataforma Stylight, a busca pelo termo “TikTok Fashion” aumentou em 195% desde 2021. A plataforma de vídeos curtos auxiliou na popularização da moda ao público geral, e instigou o interesse das pessoas sobre esse mundo que é, em sua maioria, excludente.
De acordo com a Dra. Rafaella Steavnev, especialista em Moda e Comportamento, “essa é uma tendência contemporânea muito comum, onde mercados precisam ser inseridos nas redes sociais para terem um aumento de público, e com a moda não seria diferente”. Ela também afirma que, por conta do período da pandemia, essa inserção foi ainda mais rápida, porque “ver pessoas se arrumarem enchia os olhos do público, que estava em suas casas com pijamas”.
Desde “get ready with me” – em tradução livre: “arrume-se comigo” –, para o dia a dia, até grandes produções, para eventos, os criadores de conteúdo fashion mudaram a maneira como os internautas vestiam uma roupa. Influenciadores escolhem looks mais ousados, que causam um certo estranhamento ao público, e criam um grande engajamento para essas produções. Porém, existe um questionamento sobre a autoridade que essas pessoas têm de ditar o que é, ou não, moda, considerando que seu entendimento é leigo, baseado apenas nas experiências pessoais, sem o estudo necessário.
Para Rafaella, essa aceitação do público aconteceu devido ao distanciamento social imposto. Ou seja, mesmo que esses produtores não possuam o conhecimento necessário para tais criações, elas são aceitas, porque “parecem muito fora da realidade individual do telespectador.Então, o diferente passa a ser o ideal”. Além disso, existe um apego desses influenciadores às tendências, o que os coloca como vitrines para seus seguidores.
Além do estilo pessoal, esses criadores se apoiam na utilização de grandes marcas em seus looks, assim, eles deixam os produtos mais caros e inacessíveis. Muitos deles também podem ter um stylists por trás.“ Os famosos estão enganando o público. A Gkay virou um fashion icon do nada porque tem um stylist por trás. O que me incomoda são as pessoas achando que quem não estudou, mas se veste bem, é por conhecimento próprio”, aponta Nicole. Ela complementa dizendo que isso não é apenas conhecimento de moda, também tem uma jogada publicitária e de marketing, uma limpeza de imagem.
O fashion TikTok mostrou para diversas pessoas que a moda não é só vitrine,passarela, grife ou fast fashion. Mas, para Nicole, a rede social apresenta vantagens e desvantagens, e, por isso, ela faz um alerta: “essas pessoas [os influenciadores] são os que roubam nosso lugar no mercado de trabalho. Atraem pessoas famosas que tiram vagas de estudantes de verdade”. Mesmo sendo o segundo mercado que mais produz empregos no país, as marcas estão cada vez mais recorrendo a esses produtores de conteúdo do que as pessoas que estudaram e têm preparo para a mesma função.
A glamourização da moda está além da percepção das pessoas sobre os looks em si, e interfere na seriedade da graduação e da profissão. Jovens estão sendo influenciados a escolherem ser criadores de conteúdo por verem só esse lado glamouroso da moda, mas Nicole conta que ela batalhou pelo glamour do mundo fashion.
A indústria da moda no país tem um grande potencial pela frente, tendo em vista o trabalho dos estilistas nacionais, a pluralidade e a diversidade de pessoas, além das criações que são feitas no Brasil. Mas esse mercado ainda enfrenta dificuldades, porque mesmo que a produção em território nacional seja mais barata, a venda ainda é cara para a maioria das pessoas. No mundo como um todo, existem problemas estruturais, por exemplo, a poluição ambiental e a utilização de trabalhos análogos a escravidão. Esses empecilhos podem ser solucionados pelos novos profissionais, que estarão preparados, para além de telas de celulares, e mais aprofundados.
Autor: Pedro Morani.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.