Todos os trilhos levavam a Paranapiacaba; perdida na névoa, hoje lendas tomam conta do vilarejo

Paranã epiak aba, do tupi: de onde se observa o grande rio – maneira que os indígenas se referiam ao mar da região.

Localizado próximo a Santo André (SP), o pequeno distrito de Paranapiacaba, que possui apenas três mil habitantes, fica escondido em meio à Mata Atlântica. e é atingido por um fenômeno pelo qual se torna conhecido: uma estranha névoa toma o vilarejo por quase todo o dia. O sol quase não aparece, fazendo com que até os períodos mais quentes se tornem frios.

Um bairro antigo da cidade paulista, Paranapiacaba também conta com lendas por todo lado. A vila pode ser vista como um clássico cenário de uma história de terror, e por isso é tão comparada com Silent Hill, a cidade do jogo de videogame de mesmo nome, cujos personagens enfrentam os perigos escondidos pela névoa.

O povoado também foi palco da primeira série de terror lançada pelo HBO Max. A produção brasileira “Vale dos Esquecidos“, lançada em 25 de setembro de 2022, conta a história de um grupo de jovens que se perdem durante uma trilha e vão parar em um local misterioso. As gravações tiveram, inclusive, o apoio dos moradores locais, que participaram como figurantes em diversas cenas.

Com tantas histórias a descobrir, só restava uma opção: ir até lá. O que você lerá é uma representação, uma imagem extraída, e o que ouvirá a seguir são relatos de uma vila esquecida. Entre eles, contos de fantasmas. Siga por sua conta e risco.

Chegada a Paranapiacaba

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Trilhos abandonados da antiga ferrovia de Paranapiacaba. Foto: ESQUINAS/João Acrísio Loyo

Dia 22 de outubro, 8h da manhã. O começo da nossa viagem a Paranapiacaba foi na estação de metrô e trem Brás. Na plataforma 2, o trem demora, mas finalmente chega.

Uma hora e 43 minutos depois, desembarcamos na estação Rio Grande da Serra. Uma cidade interiorana, onde os trilhos do trem se encontram com o asfalto de uma das principais avenidas do município. O terminal estava ermo, as ruas, sem muito movimento. Em poucos minutos de ônibus, porém, o cenário muda completamente.

Após as estradas desérticas e acompanhadas da neblina, chegamos ao terminal, localizado ao lado da Igreja Senhor Bom Jesus de Paranapiacaba. Localizada no ponto mais alto da vila, com escadarias que levam até a entrada, com objetos e estátuas comuns a igrejas católicas. Mas o que chama a atenção é o que está do lado de fora: o cemitério.

No cenário de neblina da manhã e túmulos misteriosos, o local vira quase um prenúncio dos contos locais. Os visitantes são guiados por um estreito e ligeiramente íngreme caminho entre os jazigos que parecem desordenados. Alguns são novos e têm até fotos das pessoas que partiram. Outros são pequenas placas ou pilares que foram maltratados pelo tempo, névoa e esquecimento.

Partindo da igreja, quem quer atravessar para o lado baixo do vilarejo e alcançar a ponte de ferro, precisa descer algumas ladeiras repletas de casas e sobrados. 

Quando a névoa está forte não é possível ver nada, nem mesmo o chão abaixo da passagem entre um lado e outro, de modo que, se não fossem os passos, barulhos de carro e a conversa das crianças brincando, poderíamos imaginar que estamos em um lugar completamente isolado.

Paranapiacaba: a vila das lendas

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Casa abandonada e deteriorada em Paranapiacaba. Foto: ESQUINAS/João Acrísio Loyo

Do outro lado, Paranapiacaba muda de face. As ruas são compostas completamente por paralelepípedos e cercadas por casas que misturam a arquitetura inglesa e a colonial brasileira e, a maioria com sinais anunciando que, mesmo com a fachada histórica comum, se tratam de comércios.

A umidade causada pela névoa é tamanha que o corrimão está marcado pela água. Ao fundo, encoberto por uma espessa camada de névoa, está o relógio de Paranapiacaba, que ainda funciona. Segundo alguns contos, o tempo passa diferente para quem vive por lá. A grande construção é uma das heranças coloniais de Paranapiacaba.

Na vila, existem poucas vias. Ao seguir pela Rua da Estação — nome que indica o que vem pela frente —, encontramos o Terminal do Trem Turístico de Paranapiacaba. A estação, que mantém o estilo de construção inglês, está bem conservada. Um pouco mais afastada, outra linha férrea termina, e o locobreque — que era uma pequena composição que freava o trem em descida na serra — está parado, completamente tomado pela umidade trazida pelo chamado “Véu da Noiva”.

Seguindo em frente, avistamos uma pequena galeria com poucas lojas operando. A placa a sua frente indica que a construção se trata do Mercado de Paranapiacaba e data de 1899. Originalmente, abrigava o comércio de produtos e alimentos e, depois da restauração em 2003, é utilizado para exposições, feiras e eventos.

Ao entrar, um grande corredor abriga quatro portas em ambos os lados. Cada sala acomoda um espaço destinado à venda de um tipo de produto, como como móveis, livros, lembranças da vila e alimentos típicos da região. Na primeira, à direita da entrada, vários discos podem ser vistos pendurados na parede. 

Correndo para chegar na vitrola, uma senhora diz, assim que percebe a presença de visitantes:

“Tem que trocar antes que acabe o disco. Faz um barulho assustador”, diz Regina Azevedo Miguel. 

Aos 63 anos, ela tem muito a compartilhar sobre a vila onde vive desde pequena. Hoje ajuda o marido no mercado e tem seu próprio ateliê, local onde o casal mora.

Regina conta sobre os diferentes motivos que levam os turistas até Paranapiacaba, dando destaque ao caráter histórico. O vilarejo gira em torno da estação de trem, construída em meados de 1890, voltada para transportar até São Paulo de mercadorias que chegam no porto de Santos (SP). 

Foram os trabalhadores da estação que povoaram o local. Inicialmente, era algo provisório, com apenas alguns abrigos para dormirem, mas conforme foram criando vínculos e famílias se estabeleceram no lugar, construindo casas e formando a região. E foi pelo divertimento dos trabalhadores, agora moradores, que Paranapiacaba foi a pioneira em algumas construções.

A vila abriga, por exemplo, o primeiro campo de futebol padrão FIFA do Brasil. Regina diz que o primeiro cinema do país surgiu lá também, possibilitado pela energia elétrica. Na realidade, o prédio Cine Lyra foi criado em 1903 e, portanto, não teve tempo de ser o primeiro em terras brasileiras, mas chegou perto e foi o segundo. Os filmes vinham pela mercadoria do porto e paravam no cinema antes de serem carregados pelo trem.

Apesar de tantos atrativos para os turistas, Paranapiacaba não possui uma estrutura para recebê-los. Há apenas um pequeno hotel, e os restaurantes são simples. 

A um quarteirão de distância do irreconhecível cinema encontramos uma praça com uma casa no centro. Era uma residência feita para um dos trabalhadores empenhados na construção do sistema funicular. Também há ao lado da casa uma construção que lembra um galpão, que parece ter sido o centro de eventos, mas hoje serve de espaço para a venda de produtos feitos à base de cambuci, fruta da região que é usada na culinária de Paranapiacaba.

Um encontro misterioso

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O castelinho de Paranapiacaba visto ao longe. Foto: ESQUINAS/Patrick Taconelli

Quem chega ao centro velho do bairro se pega questionando: o que é aquela casa no topo da colina? Na busca por entender do que se tratava a construção, encontramos um poeta chamado Zuba. Suas primeiras palavras foram sobre a sua poesia e sua trajetória. 

Quando perguntamos sobre as lendas do local, ela declarou que as lendas têm seu valor, mas nem por isso acredita em todas. Apesar disso, o poeta compartilhou conosco uma história, narrada de modo que não pudemos entender se ele presenciou a aparição ou se apenas compartilhava um boato: a história de Cazuza.

O Cazuza não era músico, mas um morador do mato capaz de desafiar as forças armadas brasileiras. Ele vive nas redondezas da vila e está lá há mais tempo do que as pessoas conseguem imaginar, apenas morando pacificamente no mato, e nenhum tipo de força é capaz de retirá-lo de sua moradia. Segundo a lenda, ninguém conhece melhor as matas e trilhas da região do que aquele homem. Nenhuma notícia sobre a tentativa de retirada de uma pessoa chamada Cazuza foi encontrada após essa conversa.

A casa no alto de um morro

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Visitantes no Castelinho. Foto: ESQUINAS/João Acrísio Loyo

A neblina era tamanha que impedia a nossa visão de um dos principais pontos turísticos de Paranapiacaba: o Castelinho. Construído em 1897, o local era uma casa funcional e hoje é um museu oficialmente chamado de Residência do Engenheiro-Chefe da São Paulo Railway. Os dois primeiros andares da casa, mais um dos velhos símbolos ingleses, estão abertos à visitação.

Lá dentro, diversos cômodos espaçosos restaurados para a apresentação, mas que refletem os da época. No térreo estão: a sala de estar; a sala de jantar; a sala de reuniões; a cozinha; um pequeno escritório e o “quarto do criado”. Subindo as escadas, estão localizados os quartos de casal, das crianças e dos hóspedes e um ateliê.

A casa do engenheiro-chefe estava em um local estratégico durante o auge da ferrovia Santos — Jundiaí. No ponto mais alto de Paranapiacaba, ele vigiava completamente o pátio de manobra das comitivas e gerenciava a chegada e saída dos trens da vila (o filósofo francês Michel Foucault chama esse modelo de observação constante e imperceptível de panóptico). Além disso, conseguia ter uma vida distante do restante da população de Paranapiacaba — que era, majoritariamente, composta por operários ou carregadores.

O quarto das visitas foi construído virado para o sul. Nesta direção, há menor incidência de luz solar, sendo assim, o quarto sofre mais com o frio de Paranapiacaba. Pequenas lendas dizem que o sopro dos ventos era, também, muito assustador, e carregava mensagens sombrias, impedindo os hóspedes de dormirem durante a madrugada. Enquanto os moradores dormiam com tranquilidade nos quartos virados para o norte, os visitantes passavam as noites em claro com os assobios na fria noite da vila.

Associação Brasileira de Bruxaria

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Bruxa apresentando o altar das divindades na ABB. Foto: ESQUINAS/Patrick Taconelli

No fim de uma rua, já nos limites da cidade-baixa, há uma casa. Olhando de longe, parece ser apenas mais uma dentre outras que compõem a rua residencial, mas ao se aproximar é possível ler uma placa com dizeres um tanto inusitados: Associação Brasileira de Bruxaria. A associação atrai olhares curiosos, e até mesmo um tanto quanto receosos, afinal estamos em Paranapiacaba, a vila das lendas, dos fantasmas, e agora das bruxas? Mas, ao entrar, percebe-se que as famosas bruxas não são nada como as de narizes compridos e verrugas dos contos infantis.

Inicialmente, o local revela-se como uma loja, com cristais, incensos, símbolos de diversas religiões pagãs e seus deuses. No balcão, duas integrantes da associação atendem clientes: Carol e Tania, que ficam de prontidão para apresentar o local.

Tania, esposa da fundadora da associação, explica que a razão da mulher em criar o local era passar os conhecimentos que adquiriu durante a universidade holística, local que aqueles interessados na bruxaria buscam para se aprofundar nos conceitos e aprender rituais e práticas. Paranapiacaba se mostrou um local ideal justamente pelas lendas que a permeiam.

Segundo as entrevistadas, a bruxaria exercida na associação não é uma religião, e sim uma filosofia voltada à conexão com a natureza e como utilizá-la ao seu favor. Tania conta que o local busca neutralizar a desinformação, o estigma cultural e os estereótipos ligados ao paganismo e à magia. A organização também une e estuda as várias linhas dentro da bruxaria em geral, e por isso possui diversas salas com temáticas diferentes, as quais Tania e Carol apresentaram durante um rápido tour.

A primeira é a sala Ganesha, o deus mais famoso da mitologia hindu, que representa a prosperidade e proteção. É o local onde se estuda a teoria das cores e como elas afetariam o bem-estar daquele que as usa. A sala, por exemplo, tem a parede pintada com a cor lilás, que seria responsável por transmutar tudo que é de ruim para bom, de modo que, assim, quem entra naquela sala tenha a mente aberta aos conhecimentos que irá adquirir.

A segunda é a sala da Santa Sara Kali, adotada pelos ciganos. Todos aqueles que chegam com problemas em relação à fertilidade recorrem a ela. A cor da sala é verde, representando a força espiritual e física.

A próxima é a sala de Thoth, da mitologia egípcia, onde fica a bruxoteca com diversos livros que auxiliam as bruxas em suas aulas, uma vez que o deus representa o conhecimento. Aqui, a cor predominante é azul, a cor da concentração.

A cozinha da bruxa é uma parada obrigatória. O local é o mais familiar para aqueles que não têm conhecimento sobre bruxaria. Carol explica que as recomendações familiares de tomar certo tipo de chá para melhorar um problema de saúde são um exemplo da bruxaria no dia a dia. É aqui que se estuda a relação dos alimentos com o bem-estar. A cor predominante é rosa, representando o amor. “Toda comida que fazemos com amor é mágica, sai perfeito”, Carol brinca.

A última sala é a sala da Deusa, que reúne figuras de diversas mitologias, como Iemanjá, a rainha das águas, presente nas religiões candomblé e umbanda; Durga, a deusa guerreira da mitologia hindu; e Tara, também da mitologia hindu, que, com suas 21 faces, consegue atender aos mais diversos pedidos. A sala é voltada justamente para a contemplação das figuras.

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Sala Thoth da ABB. Foto: ESQUINAS/Patrick Taconelli

Voltando à entrada, a cigana Gleicy finalizava os preparativos para uma aula de cartomancia que daria em breve, e fez questão de nos dar um gostinho da experiência, nos contando um pouco da história da cartomancia.

Durante a conversa, ela pôde nos passar um pouco de suas vivências como cigana. Na verdade, Gleicy não veio de um clã cigano, ela cresceu em uma casa católica-macumbeira com muita influência da avó, que lia cartas e recebia uma “Preta Velha”, um espírito umbandista canalizado para ajudar em questões de saúde, tanto física quanto mental, para encontrar emprego e para unir a família.

Ela pegava os baralhos antigos de sua avó e mãe, que também aprendeu a prática, e aos poucos foi aprendendo a lê-los, mas inicialmente não seguiu por essa área. Gleicy estudava com o pouco material que conseguia, como revistas em bancas de jornal, mas levava como um hobbie.

Por todo esse caminho, ela recebia constantemente a visita de duas bruxas em seus sonhos, mas nunca entendeu o que aquilo significava. Um dia a cigana foi atingida por um sono repentino, e, ao dormir, sonhou com as duas mostrando um baralho. Ao contar para a mãe sobre, ela disse que tinha o mesmo baralho, e Gleicy encarou isso como um sinal.

Ela passou a estudar mais profundamente sobre a cartologia, e posteriormente foi estudar sobre bruxaria. Em seu último curso, uma das professoras era uma das mulheres com quem sonhava, e foi responsável por lhe formar como sacerdotisa.

Em um curso de tarologia, mais tarde, Gleicy conheceu uma cigana que a alertou sobre uma grande mudança de vida e que ela deveria confiar em sua espiritualidade. No dia seguinte, no trabalho, seu chefe lhe informou que a área em que ela trabalhava iria se mudar para Santa Catarina, e propôs que ela continuasse na empresa. Ela não aceitou a proposta, o que levou ao seu desligamento, e conta que até hoje não sabe por que tomou essa decisão.

Desempregada, Gleicy começou a jogar baralho enquanto procurava por um emprego que nunca veio, até que fundou uma escola holística, que se tornou virtual com a pandemia. “Se eu sou uma cigana? Eu posso dizer para você que eu não sou uma cigana de sangue, mas sou uma cigana de alma”, finaliza.

Ao final da conversa, Gleicy nos presenteou com um pequeno saco de ervas para os mais diversos fatores da vida — amor, cura, espiritualidade, dinheiro —, consagradas por ela durante a lua cheia, a lua que transborda todas as energias, enquanto deseja que todas as coisas boas aconteçam na vida daquele que aceitar o presente e que as ervas resolvam suas preocupações e pendências.

Antes de irmos embora, a cigana ainda nos ofereceu uma bênção, uma proposta que parecia irrecusável. Isolados na sala, apenas com Gleicy e quem seria abençoado (um por vez), o cheiro do incenso forte, porém agradável, recém-acendido marca o ar. Ela se aproxima e pergunta se o benzido aceita uma harmonização com os quatro elementos. Com a resposta positiva, os trabalhos se iniciam.

De olhos fechados, os outros quatro sentidos afloram. A cigana aproxima o incenso, o cheiro agradável se intensifica, e ela deseja dentro da lei divina que o elemento ar limpe o que há de ruim e traga o equilíbrio. O aroma se distancia, e agora o calor da chama de uma vela é sentido. O desejo é de que o elemento fogo transmute os pensamentos e abra caminho para um terreno fértil e próspero. Gleicy toca gentilmente as mãos do benzido, pedindo-lhe para que as abra. Logo, um líquido aromático as molha, e mais dele é espirrando pelo corpo, pedindo para que o elemento água purifique as emoções e sentimentos. Um cristal repousa nas mãos ainda abertas, carregando consigo a energia da terra. Enquanto o abençoado se conecta com aquela pedra e sente o seu peso, o elemento passa força e discernimento.

“Que assim seja, que assim se faça. Está feito.”

Assim partimos para a próxima parada da visita, depois de compreender uma face da vila que assume seu misticismo e seu sincretismo, sem depender diretamente das lendas, mas com a espiritualidade e modo de vida de alguns dos moradores.

Últimos mistérios

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Bruxas em ritual próximo à estação ferroviária de Paranapiacaba. Foto: ESQUINAS/João Acrísio Loyo

Quase no fim da viagem ao local dominado pelo “Véu da Noiva”, passamos no café indicado pelo Seu Zuba. Assim como o restante de Paranapiacaba, o comércio era uma casa inglesa transformada em negócio, mas ficava quase na divisa entre a área comercial e a residencial. A cafeteria tinha móveis, revistas, jogos e fotos antigas que estavam suspensas no tempo, variando de impressões da década de 70 até imagens que pareciam ser da década de 1910.

Durante a nossa permanência procuramos nos divertir no cenário que, como foi dito anteriormente, era cheio de detalhes. Uma das primeiras coisas que nos saltou à vista foras as revistas antigas e bem preservadas que ficavam junto dos LPs, jogos em uma das estantes comemorativas e, ao lado das mesas, fotos em preto e branco que pareciam ter vindo diretamente da Inglaterra, até que percebemos um detalhe: as palavras.

Uma das fotos era um retrato de classe do primário na qual as crianças pareciam usar uniformes e roupas europeias como as que se veem na Inglaterra ou Escócia, mas as palavras no quadro-negro atrás das crianças eram do português. Nesse momento recordamos que Zuba disse que seu amigo também era artista, um fotógrafo. Imediatamente após pagarmos a conta procuramos o dono do estabelecimento, que, por azar, não estava por lá naquela semana, mas o episódio destacou como cada canto da vila contava uma história, mesmo que por meio de fotos, revistas ou móveis.

No caminho para partir da vila Inglesa encontramos algumas figuras que havíamos visto anteriormente de maneira descontraída, mas agora em outra atmosfera. Fomos avisados de que haveria um ritual de bruxaria naquele dia, mas após tantas horas ali e a correria para encontrar um meio de retorno antes que a névoa tomasse as ruas novamente acabamos nos esquecendo. Um dos pátios ao fim dos trilhos da estação contava com um trem abandonado e que agora era mais cenário do que trem, a ferrugem era invadida por plantas que cresciam na locomotiva desativada e que agora era testemunha de um rito.

Imediatamente à frente dos escombros da ferrugem, um grupo de moças com roupas e capuzes pretos recitava palavras em direção à fogueira no centro de um círculo e a frase repetida por alguns dos entrevistados, guias e materiais sobre Paranapiacaba nos saltou a cabeça:

“Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

Ao chegar à cidade alta, por volta das 16 horas, e olhar para trás, algo de tirar o fôlego é avistado: em questão de minutos, a vila já foi tomada mais uma vez por névoa e a visão volta a ser difícil. As diversas faces da região, que ficam espalhadas pelas lojas e moradores, ficam mais claras na partida e, apesar das lendas, a imagem que fica é a de um vilarejo que resiste ao tempo por meio das histórias que nos levaram até lá.

Enquanto o ônibus parte de volta, Paranapiacaba fica para trás, mas suas histórias seguem viagem.

Autores: Danilo de Oliveira, Gisela Lammers, João Acrísio Loyo, Julia Pujar, Patrick Taconelli e Rebecca Vergilio.

Fonte: Cásper Líbero.