Criado em 1907, o escotismo é reconhecido mundialmente como o maior movimento de jovens do mundo, atualmente com 85 mil membros no Brasil.
Do Manual do Escoteiro Mirim, a Up! Altas aventuras, os escoteiros fazem parte de um imaginário da cultura pop. Ainda que muito conhecido por sua versão estadunidense, propagada em filmes, séries e livros, o movimento escoteiro está presente em 172 países, incluindo o Brasil, e possui mais de 57 milhões de membros, sendo o escotismo reconhecido como o maior movimento de jovens do mundo.
A origem do movimento
O movimento escoteiro surgiu em 1907, criado por Baden-Powell, um ex-militar inglês, que observou uma necessidade da juventude inglesa da época de criar hábitos e relações mais saudáveis. Aproveitando de técnicas militares que seriam úteis para o desenvolvimento juvenil, como viver ao livre e trabalhar em equipe, Powell reuniu 20 rapazes para o primeiro acampamento escoteiro do mundo, na ilha de Browsea.
Nessa experiência, as atividades de aprendizado eram realizadas por meio de jogos, canções e momentos de conversas entre os jovens. Movido pelo sucesso do acampamento, o escotista lançou, em 1908, o livro Escotismo Para Rapazes, em que ensinava mais sobre seu projeto de criação de um movimento educativo para os jovens. Em 1909, as atividades escoteiras passaram também a incluir meninas.
No Brasil, o escotismo chegou em 1910, no Rio de Janeiro. Inicialmente, os grupos escoteiros eram organizados de forma independente, espalhados pelo país. Em 1924 é criada a União dos Escoteiros do Brasil, entidade que unifica e normatiza as atividades dos escoteiros brasileiros.
Atualmente, existem três modalidades de atividades escoteiras praticadas no Brasil. A modalidade básica atua no modelo mais tradicional e conhecido de atividades escoteiras, a modalidade do ar trabalha experiências voltadas às ciências aeronáuticas e à aviação e a modalidade do mar, que promove atividades aquáticas relacionadas à vida marinha e à navegação.
Dentre as filosofias escoteiras, estão a prática de boas ações, o respeito ao meio ambiente e às pessoas, a promoção da espiritualidade individual e o desenvolvimento físico e intelectual. Uma criança pode iniciar sua vida escoteira aos 6 anos e meio e ser considerado um jovem no movimento até os 21 anos incompletos, passando por diferentes ramos divididos por faixas etárias, até decidir se quer se manter no escotismo como membro voluntário: escotista ou dirigente. O centro de tudo o que é feito no escotismo é o jovem, a estrutura do movimento, as atividades, o projeto e os métodos educativos: todos são sempre desenvolvido por equipes nacionais e regionais que procuram se adequar às diferentes faixas etárias e às necessidades e discussões que perpassam as vivências juvenis.
De acordo com Dayanna Cristine, mestre em educação e atual conselheira titular do Conselho de Administração Nacional dos Escoteiros do Brasil (CAN), “o adulto [no movimento escoteiro] tem papel de contribuir nesse processo, sendo o mediador das aprendizagens”. Ainda sim, em se tratando de um movimento em que os adultos voluntários são profissionais de diferentes áreas, existe a necessidade de formação adequada para que estes estejam em condições de lidar diretamente com os jovens ou com setores administrativos.
Os Escoteiros do Brasil, de forma nacional e regional, oferecem cursos em diferentes níveis para a instrução daqueles que desejam ser escotistas e dirigentes. O conhecimento repassado nessas atividades vai desde elementos básicos da vida escoteira, passando por técnicas mateiras e habilidades específicas de vivência ao ar livre. Além disso, todo adulto na instituição, desde os recém chegados, até aqueles que completaram 18 anos já na vida escoteira, devem realizar o curso de proteção infanto-juvenil: atividade em modelo EAD que conta com um teste ao final. A preocupação com a segurança dos jovens também é considerada na chegada de novos voluntários, que devem passar por uma entrevista com um diretor do grupo escoteiro antes de se integrarem ao movimento e não podem ter fichas de antecedentes criminais.
O escotismo para os jovens
Um dos principais impactos que o movimento escoteiro tem sobre os membros juvenis é a socialização segura e saudável. O interesse dos jovens pelo movimento centraliza-se não apenas nas atividades, mas nas relações que são construídas por meio dos acampamentos e reuniões semanais.
O sistema de tropas e patrulhas e a ideia de que “o escoteiro é irmão dos demais escoteiros”, cria laços que muitas vezes se estendem para suas vidas pessoais. Não é incomum, por exemplo, que escoteiros desenvolvam relações afetivas após se conhecerem em atividades conjuntas com outros grupos – isso fora da prática escoteira, uma vez que o programa safe from harm (a salvo do perigo, em português) não permite quaisquer relações românticas entre escoteiros em atividades oficiais. Além das relações firmadas em atividades presenciais, os valores escoteiros e a sua própria estrutura criam um senso de identificação entre os jovens.
Apesar das diferenças culturais, os ideais escoteiros são os mesmos ao redor do mundo e existe um incentivo à troca de experiências. A forte presença dos escoteiros nas redes sociais tem se mostrado uma forma que os jovens encontraram de conhecer escoteiros de diferentes regiões brasileiras ou mesmo de outros países, conversarem, trocarem lenços e distintivos e criarem novas amizades, ou mesmo manter aquelas firmadas em atividades conjuntas como acampamentos mundiais ou regionais.
O escotismo, por meio do método educativo, também permite que os jovens desenvolvam habilidades e talentos que muitas vezes não chegam até eles por meio da educação formal. Projetos de liderança, organização de atividades, trabalhos com comunicação, experiências artísticas de todas as formas, são alguns exemplos de práticas incentivadas pelo movimento escoteiro. O jovem é visto como um indivíduo repleto de potencialidades diversas e a promoção dessas competências promove diferenciais que eles podem utilizar em suas vidas pessoais em ambientes de educação formal, na vida acadêmica, ou mesmo no mercado de trabalho, na busca pelo primeiro emprego, por exemplo.
Para Gabriel Zenker, estudante de Engenharia de Controle e Automação e coordenador administrativo da Equipe Regional Pioneira do Rio Grande do Sul, ser escoteiro abre oportunidades para os jovens, por meio das potencialidades que desenvolvem. “Quando eu me apresento dizendo que eu sou escoteiro, existe toda uma bagagem por trás, de motivos pelos quais um escoteiro faz sentido naquela situação. No final das contas, ser escoteiro é um grande diferencial no mercado de trabalho.”
Diversidade e questões sociais entre os escoteiros
A participação cada vez mais ativa dos jovens em espaços de protagonismo e decisão junto aos Escoteiros do Brasil, também tem criado um fortalecimento de debates sobre pautas sociais dentro do escotismo.
Em 2016, foi criada no Rio Grande do Sul, a primeira Equipe Regional de Diversidades, para atender às demandas dos jovens, que buscavam cada vez mais tratar do assunto. Rebecca Pizzi, coordenadora adjunta da Equipe Nacional de Diversidades e uma das idealizadoras do projeto, compartilha como foi o processo de criação: “Reunimos um grupo de adultos e jovens para discutir o tema e pautar o que seria mais interessante frente à realidade dos jovens para serem os pilares do projeto. Daí surgiu a questão da igualdade e equidade de gênero, desigualdade socioeconômica, questões raciais e pautas LGBTQIA+”. O último grupo foi, inclusive, o principal motivador para a ideia da criação de uma equipe voltada para diversidades, uma vez que o número de jovens escoteiros que se identificam com a sigla têm sido cada vez mais evidentes.
Também, houve capacitações dos adultos para tratar desses temas com maior responsabilidade. “Fizemos parcerias, por exemplo, com um pessoal da UFRGS, que têm um serviço de assessoria judiciária gratuita, muito focado em questões LGBTs. Eles deram uma formação para a gente. A partir dessa preparação começamos a participar de eventos regionais e eventos de ramos, dando oficinas e palestras”, afirma Rebecca.
Atualmente, já existem diversas políticas adotadas pelos Escoteiros do Brasil, voltadas para a diversidade. Uma delas é a resolução da Diretoria Executiva Nacional, publicada em 2021, que garante às pessoas transgêneras, transexuais e travestis a adoção do nome social em seu registro de escoteiro. Além da Equipe Nacional de Diversidades, criada em 2019, os estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul possuem equipes regionais para tratar do tema, enquanto o Distrito Federal, Paraná e Santa Catarina estão em processo de criação e desenvolvimento.
Conflitos internos e questões geracionais
Infelizmente, devido a um contexto sociopolítico maior, de ascensão de setores conservadores e retomada de debates sobre moralidade, que perpassa as instituições, o diálogo sobre diversidades e temas progressistas nem sempre tem sido exatamente pacífico no escotismo brasileiro.
Em 2021, uma proposta de atualização do projeto educativo dos Escoteiros do Brasil gerou conflitos internos na instituição entre grupos que apoiavam e grupos contrários às mudanças. A principal questão estava em torno da questão do tratamento da espiritualidade dentro do movimento escoteiro, que até então usava a ideia de “Deus” para representá-la. Uma das novas propostas buscava substituir a palavra “Deus” para ” vida espiritual”, uma ideia um tanto quanto óbvia, considerando que o movimento escoteiro não possui religião exclusiva, mas que ainda sim desagradou alguns grupos conservadores.
Na época, as atividades e reuniões escoteiras ainda aconteciam de forma online, o que permitiu que o debate chegasse em todo o Brasil. Diversos escotistas e jovens realizaram lives no Instagram e fizeram publicações para tratar do tema. Também surgiram grupos de escoteiros conservadores no WhatsApp e perfis no Instagram e no Facebook, muitos deles que propagavam discursos de ódio, falas LGBTfóbicas e ataques pessoais e antissemitas ao coordenador da Equipe Nacional de Espiritualidade, que é judeu.
Nesse contexto, diversas denúncias foram abertas no canal oficial da instituição, que se posicionou rapidamente por meio de nota oficial, publicada no site e nas redes sociais. Questionado sobre o assunto, Ivan Alves do Nascimento, atual diretor-presidente dos Escoteiros do Brasil, afirma que essa foi a primeira vez que esse tipo de discurso foi observado na instituição e que qualquer manifestação preconceituosa e ofensiva não é bem-vinda no escotismo. “A intolerância e o discurso de ódio não é compatível com os valores escoteiros em nenhuma medida. […] Podemos afirmar com segurança que nosso posicionamento segue e seguirá o mesmo. De forma democrática passamos pelas discussões sem maiores problemas e concluímos a atualização do Projeto Educativo e seguimos na atualização do nosso Programa Educativo.”
A questão geracional tem sido um debate frequente nos últimos anos, no meio escoteiro, especialmente, considerando que os jovens têm buscado participação mais ativa nos espaços de poder e decisão da instituição, por meio, por exemplo, da Rede Nacional de Jovens Líderes. Dessa forma, não é incomum que alguns conflitos aconteçam, principalmente em debates acerca dos métodos, projeto e programa educativo.
Ainda assim, Ivan garante que existem projetos que procuram criar interações mais harmônicas entre jovens e adultos para que seu comportamento esteja de acordo com os valores da instituição. “Os ambientes e espaços oferecidos pelos Escoteiros do Brasil são seguros e agradáveis para qualquer pessoa. Contamos, acima de tudo, com os valores escoteiros presentes na formação de todos os nossos associados e o bom senso de todos”, pontua Ivan.”Seguimos confiantes que o método educativo que criamos é capaz de contribuir na formação das pessoas que contribuem na construção de um mundo melhor.”
Ser escoteiro na pandemia: despedidas e novas perspectivas
2022 foi um ano de recuperação para os Escoteiros do Brasil. Após dois anos realizando atividades online, impedidos de se encontrar, o retorno presencial tem provado que os desafios de 2020 e 2021 representaram apenas um até logo ou um breve adeus para as reuniões entre amigos. A pandemia de coronavírus impactou diretamente as atividades escoteiras e os grupos, uma vez que havia pouco preparo para a manutenção do programa educativo de forma remota e muitos grupos não foram capazes de se adaptar ao novo formato.
O cansaço de passar o dia inteiro em frente às telas, principalmente para os jovens em idade escolar, foi decisivo para o engajamento dos membros. As atividades escoteiras representavam uma oportunidade de estar em contato com a natureza, porém, com a pandemia, isso acabou não sendo mais possível, impactando diretamente a participação dos membros. que enxergavam nas atividades escoteiras uma oportunidade de estar em contato com a natureza e agora já não tinham esse aspecto.
A crise econômica também foi um efeito negativo para a prática escoteira no Brasil. Grupos jovens ou pequenos acabaram sendo fechados pela falta de verba e estrutura para se manter e mesmo os grupos maiores e mais tradicionais tiveram dificuldades financeiras, uma vez que os eventos para arrecadação de caixa como festas juninas, festivais de sorvete e celebrações junto à comunidade local foram restringidos para a segurança de todos.
Apesar disso, houve um esforço coletivo para manter o escotismo vivo durante a pandemia. Escotistas de todo o Brasil criaram redes de comunicação para trocar ideias de atividades remotas e experiências. A esfera nacional também organizou eventos que reuniam os jovens de forma remota como acampamentos online, baseando-se em experiências anteriores com o JOTI – Jamboree On The Internet – , atividade realizada todos os anos em que os jovens realizam projetos coletivamente em uma gincana pela internet.
A iniciativa dos jovens em manter o escotismo acontecendo e incentivar uns aos outros a participarem das atividades também foi essencial nesse período. Diversas páginas escoteiras foram criadas no Instagram e Tik Tok, onde adolescentes compartilhavam seu dia a dia na pandemia, as atividades que estavam realizando online e brincavam com as experiências escoteiras.
Gabriel Zenker ainda afirma que foi na pandemia, quando ele aproveitou junto aos seus amigos para se engajar ainda mais nas atividades. “Eu e alguns amigos nos juntamos para lidar com a situação e fazer com que o escotismo voltasse presencialmente da melhor forma possível. Meu grupo escoteiro sofreu, como todo grupo escoteiro. Ele acabou se estruturando mais pelas pessoas individualmente tentando se reunir e fazer o movimento escoteiro acontecer online”. Mesmo assim, o jovem afirma que todo o trabalho em superar os desafios da pandemia está sendo recompensado no retorno às atividades.
Para o futuro, a diretoria nacional dos Escoteiros do Brasil, garante perspectivas otimistas. De acordo com Dayanna Cristine, as ações voltadas para a atração de novos membros terão mais ênfase em 2023, uma vez que neste ano, ainda houveram muitas incertezas e instabilidades para os grupos escoteiros, que fizeram o possível para se reorganizar. “Felizmente já neste ano, alcançamos a marca de 85 mil associados ativos, o que foi para nós uma grande felicidade depois de um período anterior tão desafiador por causa da pandemia”, comenta Ivan, diretor-presidente da instituição
Ele também afirma que no próximo ano os escoteiros pretendem fazer parcerias com outros grupos sociais como escolas e igrejas, para possibilitar a criação de novas unidades.”Para 2023, temos muitos projetos com vistas ao crescimento e à expansão dos Escoteiros do Brasil, conforme já prevê o nosso Plano Estratégico que coloca como meta 150 mil associados até 2025.”
Completando 112 anos no Brasil, o escotismo é uma prática mundial que une jovens ao redor dos mesmos valores e ideais, mas nunca sem respeitar suas diversidades e individualidades. Para participar do movimento escoteiro, é necessário procurar a unidade escoteira local mais próxima, ou entrar em contato com os Escoteiros do Brasil em seu site oficial. O movimento escoteiro abarca pessoas de todas as idades e crenças, fazendo o melhor possível e estando sempre alerta para servir a sua comunidade.
Autora: Cecília de O. Freitas.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.