Retratos do Brasil: o papel de Evandro Teixeira na construção da memória brasileira

Com trabalhos atualmente expostos e mantidos pelo Instituto Moreira Salles, o fotojornalista registrou episódios marcantes da história do país.

Evandro Teixeira de Almeida nasceu em 25 de dezembro de 1935 na cidade de Irajuba, na Bahia. Desde cedo, sua proximidade com a fotografia foi motivo de admiração. Durante sua época na escola, aprendeu a manusear a câmera e, dada sua desenvoltura, concentrava outras crianças à sua volta para mostrar-lhes como era a sua atividade favorita. 

Os trabalhos de Teixeira entraram no mercado profissional quando ele tinha apenas 13 anos. O fotógrafo, até os seus 24 anos, trabalhou no jornal Rio Novo, no Diário de Notícias, no Diário da Noite e na Mundo Ilustrado, respectivamente.

Mas o período mais notável da sua carreira, se iniciou em 1963 e abrigou os seus principais trabalhos. Durante sua estadia de 47 anos no Jornal do Brasil (JB) –um dos veículos de maior renome da época –, Teixeira teve a oportunidade de documentar episódios marcantes da história brasileira. Por estar em um importante meio jornalístico,  seu trabalho pôde não só servir como conteúdo do JB, mas também como documentação histórica, principalmente. 

Os anos de chumbo

Muitas pessoas se depararam com alguns trabalhos do fotógrafo, porém não sabem quem foi o autor da captura. Suas imagens podem ser encontradas em livros didáticos. Elas ilustram episódios da história brasileira, como o período da Ditadura Militar. Uma de suas fotografias mais conhecidas é a que leva o nome de Caça ao Estudante (1968, Evandro Teixeira). 

Caça ao estudante, Sexta-feira Sangrenta. Rio de Janeiro, RJ, 21/6/1968. Evandro Teixeira de Almeida [Imagem: Divulgação/Instituto Moreira Salles]

Apesar do controle do Estado brasileiro, a produção de Teixeira encontrava caminhos que driblavam aquele, possibilitando que a história fosse registrada por este. A situação não era a ideal, porém eram necessários esforços para que o trabalho fosse realizado.O banheiro do quarto de hotel, que o fotógrafo permaneceu por um período, tornou-se o laboratório onde as fotografias eram colocadas em papel. O ampliador no cômodo escuro se complementava com os químicos da revelação e fixação. Em momentos de flagrante,   como o caso da Sexta-feira Sangrenta, se os policiais notassem  a presença do fotógrafo, conhecida pelo clique da câmera, eles o perseguiam. Teixeira correu para escapar de muitos agentes.

Em um outro episódio, a sociabilidade do baiano foi crucial para que ele conseguisse fotografar. Na noite da Tomada do Forte de Copacabana, a entrada de Teixeira na base foi facilitada por seu amigo, militar de alta patente. Ao notar uma movimentação anormal, o fotógrafo recebeu uma indicação do colega, que o acompanhou até a entrada da base. Seguindo todos os procedimentos de um membro do exército, como bater continência e seguir o pelotão, o baiano se infiltrou entre os combatentes. Ali dentro pôde registrar detalhes do que viria a ser o começo de um dos períodos mais longos e conturbados da história brasileira. Sua presença foi tão sutil que até mesmo o general Castelo Branco acreditou ser um fotógrafo do próprio exército.

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Momentos como esse chegaram ao conhecimento atual pela capacidade de Teixeira em registrar acontecimentos importantes nas condições oportunas. Wagner Souza e Silva, professor de jornalismo visual da Universidade de São Paulo (USP), avalia que o registro desses episódios, possivelmente, não ocorreria caso não houvesse esses esforços, ou se o fotógrafo não estivesse próximo à ação no momento propício. “O perfil do fotojornalista é ir atrás do acontecimento. Ter percebido alguma coisa e ter entrado no Forte de Copacabana naquela noite já mostra esse perfil [do Teixeira] de estar próximo do que está acontecendo e de alguma maneira tentar sintetizar isso”.

Golpe Militar no Brasil. Tomada do Forte de Copacabana. Rio de Janeiro, RJ, às 5h da manhã, 01/04/1964. [Imagem: Divulgação/Instituto Moreira Salles]

Além do noticiário

Há também várias fotos de Teixeira que não estão completamente relacionadas ao fotojornalismo de hard news. Em muitos casos, o foco foi direcionado aos personagens da cultura brasileira ou até mesmo à população nacional.

A presença da Rainha Elizabeth II na inauguração do Museu de Arte de São Paulo (MASP) foi mais um episódio capturado graças à habilidade do fotógrafo. No momento do clique, Teixeira conseguiu encaixar sua câmera no interior do carro em que estava a monarca. Porém, logo foi empurrado ao chão pela escolta da rainha e acabou quebrando seu cotovelo. Apesar do prejuízo, a foto não foi perdida. É possível ter acesso ao registro até hoje. 

Durante os 11 dias de visita da rainha ao Brasil, outros momentos também foram registrados por Teixeira, como o encontro dela com Edson Arantes do Nascimento, o Pelé

Rainha Elizabeth II e Pelé, Estádio do Maracanã. Rio de Janeiro, RJ, 11/11/1968. [Imagem: Reprodução/Instagram/@esportudobr]

Em seu livro Canudos: 100 anos (Editora Textual, 1997), Teixeira  retrata um cenário diferente do intenso cotidiano jornalístico.  O fotógrafo possui uma proximidade com o tema, já que a realidade sertaneja, exposta na obra, era presente tanto em Canudos quanto em sua cidade natal. As pessoas que ele retratou  eram moradores em seus ambientes. A sua vivência na região pode ter contribuído para um olhar mais atento aos detalhes do cotidiano deles.

“O trabalho dele tem uma pureza de olhar. Ele encara o diverso de um modo muito natural. Nas fotos dele, você vê um respeito para com os negros, para com o sertanejo, para com o estudante e sente que a missão dele era muito importante como resistência”, analisa Atílio Avancini, professor de jornalismo visual da Universidade de São Paulo. 

Exemplar do livro “Canudos: 100 Anos” em exposição no IMS Paulista. A obra é marcada principalmente pelo sertanejo, o semiárido e a fé. [Imagem: Arquivo pessoal/Jônatas Fuentes]

No campo das artes, Teixeira foi próximo de diversas personalidades, como é o caso de Chico BuarqueTom Jobim e Vinícius de Moraes. A tríade também teve seus momentos eternizados pelo baiano. A imagem registra o aniversário de Vinícius, o que, dada a ocasião, não se interessou pela presença da câmera. Após insistência, Vinícius chamou os outros dois colegas para deitarem sobre a mesa e tirarem a foto.  O retrato estampou a matéria sobre o aniversário de 66 anos do poeta para o Jornal do Brasil.

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Contemporaneidade e acervo

Atualmente, a obra de Teixeira se encontra preservada pelo Instituto Moreira Salles (IMS). O mesmo Instituto abriu uma exposição na unidade da avenida Paulista cujo tema é a visita do fotógrafo ao Chile. Apesar do título – Evandro Teixeira, Chile, 1973 —, também há fotos de outros momentos da carreira do baiano, principalmente, as capturas do Brasil. A exposição está disponível para visita até o dia 30 de julho de 2023.

Entrada da exposição sobre o fotógrafo no IMS Paulista. [Imagem: Arquivo pessoal/Jônatas Fuentes]

No ano de 2016, seu livro Evandro Teixeira, Retratos do Tempo – 50 Anos de Fotojornalismo foi finalista do Prêmio Jabuti — a premiação literária mais importante do país — na categoria “Arquitetura, Urbanismo, Artes e Fotografia”. Apesar de sua idade avançada, Evandro Teixeira continua sendo um dos mais importantes fotógrafos brasileiros, e sua obra é reconhecida por contribuir com a documentação da história do país.

Exemplar do livro Evandro Teixeira, Retratos do Tempo – 50 Anos de Fotojornalismo em exposição no IMS Paulista. [Imagem: Arquivo pessoal/Jônatas Fuentes]

Autor: Jônatas Conceição Fuentes.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.