Superando lesões, falta de patrocínio e muitas críticas, Silvana Lima, primeira surfista olímpica do brasil, abriu portas para as novas gerações de meninas no surfe.
Uma das pioneiras do surfe feminino no Brasil, Silvana Lima já tem seu lugar na história. Entre altos e baixos, lesões e falta de patrocínio, a cearense revolucionou o surfe feminino com seus aéreos e manobras agressivas e se tornou, ao lado de Tatiana Weston-Webb, a primeira surfista brasileira a disputar uma Olimpíada. Oito vezes melhor surfista do país e duas vezes vice-campeã do mundo no WCT, divisão de elite da WSL (Liga Mundial de Surfe), Silvana segue na onda e, aos 38 anos, busca novas conquistas.
Tá dando onda
Tudo começou como uma brincadeira. Natural de Paracuru, a cerca de 90 quilômetros de Fortaleza, Silvana cresceu na beira da praia com a mãe e mais quatro irmãos. Filha caçula, observava seus irmãos surfando e, com um pedaço de madeira, começou a pegar suas primeiras ondas.
Semelhante a um “sonrisal” (uma prancha pequena e arredondada), mas de madeira maciça e rústica, Silvana inventou uma forma de fazer um buraco na madeira para colocar a quilha, um acessório que pode garantir velocidade e estabilidade para a prancha. “Quando eu comecei, com um pedaço de madeira, foi para me divertir. Nem pensava em viver disso”, comentou em entrevista ao UOL.
Sem dinheiro para comprar uma prancha, a menina pegava a de seus irmãos escondida quando eles iam para a escola e, por vezes, os clientes do quiosque de sua mãe a emprestavam seus equipamentos. Foi assim até o seu aniversário de 13 anos, quando ela ganhou sua própria prancha. Desde então, não parou mais: “Foi um momento incrível. Lembro até hoje… Era meio laranja com vermelho. Essa prancha até dormiu comigo na rede. Eu podia surfar a hora que eu queria. Foi demais.”
Silvana teve uma infância humilde. Sua mãe era dona de uma barraca de praia, que sofria com os poucos turistas da cidade. Enquanto as dívidas cresciam, a família ajudava pescadores a colocarem o barco para cima em troca de peixes e a menina misturava farinha d’água com café para aguentar o dia na escola. Em 2002, aos 17 anos, ela se mudou para o Rio de Janeiro para tentar a carreira como surfista profissional.
Dropando
Inovação em suas manobras e estilo mais agressivo, repleto de aéreos e de velocidade: era isso que tornava Silvana diferente das outras surfistas da época. Logo, ela chamou a atenção de amigos que surfavam no Ceará e trabalhavam na oficina de pranchas de Udo Bastos, no Rio de Janeiro. Udo acreditou no potencial de Silvana e a convidou para tentar a carreira na cidade, se hospedando em um quartinho na fábrica de pranchas, ao lado de mais oito meninos.
Mais perto de outras pioneiras, como Andrea Lopes (tetracampeã brasileira e primeira brasileira a ingressar no circuito mundial e a vencer uma etapa do WCT) e Tita Tavares (tetracampeã brasileira e primeira a alcançar um dez unânime no WQS, divisão que dá acesso ao WCT, do qual é bicampeã), começou a competir como amadora. No primeiro ano, venceu duas etapas de uma competição em São Paulo. Vendeu o prêmio, um Celta, e conseguiu pagar uma casa para sua mãe e seus irmãos.
No final de 2003, veio o primeiro patrocínio com a Freesurf e, depois, a Mormaii. Em 2006, estreou na WSL e chamou a atenção das outras surfistas. Silvana trouxe manobras modernas para o surfe feminino e impôs um novo estilo para a mulher surfista e para a competição. Terminou em terceiro lugar em 2007 e acumulou mais dois vice-campeonatos em 2008 e 2009 – neste último ano vencendo duas etapas importantes do circuito: New South Wales e Bells Beach, onde tocou o tradicional sino.
Nos dois anos seguintes, a brasileira terminou entre as cinco primeiras posições até que, em 2012, sofreu uma baixa: uma nova lesão no joelho.
Maré baixa
A primeira operação ocorreu em 2006, após romper o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo enquanto treinava na Praia de Grumari, no Rio de Janeiro. O procedimento não atrapalhou seu rendimento naquele ano, mas a lesão no mesmo joelho, cinco anos depois, a tirou das competições. Ainda em 2011, uma nova lesão fez com que a Billabong retirasse seu patrocínio. Para poder continuar no circuito, teve que vender sua cobertura e um carro.
No início da temporada seguinte, em 2012, Silvana lesionou o joelho direito e abriu mão de competir no Mundial. Retornou à elite do surfe com a vaga para atletas lesionados em 2013, mas não conseguiu bons resultados e caiu para o WQS.
A brasileira foi bi-campeã do WQS em 2014 e 2016 e, em 2015, tirou a primeira nota 10 na competição, com um aéreo em Gold Coast. Apesar das conquistas, o que mais chamou a atenção nesse período foi a falta de patrocínio.
“Ganhei vários ‘nãos’ de patrocínio por causa do meu jeito um pouco parecido com homem”, comentou em entrevista ao canal OFF. “Para as marcas de ‘surfwear’ (principais patrocinadoras do esporte), a gente tem que ser modelo e surfista ao mesmo tempo. Então quem não é tipo modelinho acaba não tendo patrocínio, como foi o meu caso. Você acaba ficando de fora, é descartável”, desabafou, na época.
Mesmo com dificuldades financeiras, se virou como pode para continuar viajando e se manter nas competições. Além de vender sua casa e seu carro, seus amigos criaram a campanha Silvana Free para arrecadar fundos. Em 2016, vendeu filhotes de seu bulldog francês para bancar as despesas.
Remando
Após quase quatro anos, Silvana conseguiu um novo patrocínio e retornou ao WCT em 2017, onde permaneceu por mais três anos. Em 2019, vinda de uma nova lesão (a quinta), teve que voltar ao WQS, mas conseguiu a classificação para representar o Brasil nas Olimpíadas de Tóquio de 2020. A classificação suada para a oitava e última vaga olímpica veio na etapa de Maui (Havaí) da WSL, ao avançar para as oitavas de final.
“Eu sabia que 2019 ia ser de classificação para as Olimpíadas. Tive que correr contra o tempo, porque a recuperação da lesão levaria de oito meses a um ano, e não tinha esse tempo todo. Trabalhei bastante. Tive medo de me machucar. Mas o que eu mais tinha vontade era de ser uma atleta olímpica”, declarou ao UOL.
Silvana Lima durante disputa das quartas de final na Olimpíada de Tóquio-2020. [Foto: Reprodução/Twitter @timebrasil]
Eliminada nas quartas de final em Tóquio por Carissa Moore, que depois faturou o ouro olímpico, o nome de Silvana já estava na história. Resistindo às lesões, à falta de recursos, ao machismo no esporte e às críticas, tornou-se a primeira surfista olímpica do Brasil, é a atleta brasileira que compete há mais tempo no Circuito Mundial de Surfe e, em uma idade em que muitos se aposentam, ela continua vencendo. “Desde 2002 estou aqui. Só tenho a agradecer por ter chegado tão longe. Por ter vencido na cidade grande que minha mãe tanto temia. Sou duas vezes vice-campeã mundial, quatro vezes campeã brasileira e oito vezes melhor surfista do Brasil”, declarou ao UOL.
Silvana faz planos de parar de competir internacionalmente dentro de dois anos, mas quer se manter em campeonatos no Brasil: “Ainda vou dar trabalho para a nova geração”, afirmou. Muito mais do que trabalho, Silvana deu perspectivas para que as próximas gerações de meninas possam seguir a carreira no esporte e, quem sabe, tornar a Brazilian Storm cada vez mais feminina.
Autora: Mariana Rossi.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.