Iniciativa nacional do ACNUR, ONU Mulheres e Pacto Global da ONU no Brasil foi implementada na capital federal pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados.
Assovios, gritos e aplausos enchiam o auditório cada vez que o nome de uma formanda era chamado para subir ao palco e receber o diploma do curso de atendimento e vendas. O barulho no salão demonstrava o orgulho mútuo entre as 26 mulheres da primeira turma do Empoderando Refugiadas em Brasília, iniciativa da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e Pacto Global da ONU no Brasil, implementada pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR).
Ao todo, a 8ª edição do projeto ofertou 135 vagas em cursos ministrados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) para mulheres refugiadas em Curitiba, Boa Vista e Brasília. Na capital federal, foram beneficiadas mulheres de Cuba, Paquistão, Haiti, Costa do Marfim e Venezuela, e perfis diversos, como chefes de famílias monoparentais, mulheres com mais de 50 anos e LGBTIQ+.
Uma delas é a trancista haitiana Marline, que ajudou a preparar os cabelos das colegas e da professora Thalita Machado para a ocasião da formatura.
“Aqui eu encontrei a felicidade e consegui um lugar para mim”, resumiu Marline.
Há sete anos no Brasil, Marline se emociona ao lembrar das dificuldades que passou desde que chegou ao país em busca de proteção internacional. “Foi difícil conseguir emprego, falavam que os meus cursos [feitos no Haiti] não valiam nada. Eu tinha cursos de secretaria executiva, informática, protocolo e etiqueta, mas ninguém me orientava. Lutei muito até descobrir que poderia ganhar a vida como trancista e trabalhei em salão, por comissão. Não foi fácil”.
Orgulhosa, a professora Thalita afirma que turmas como essa oferecem “o melhor dos mundos” para os instrutores, que podem testemunhar a determinação e o engajamento das mulheres refugiadas. “A gente vê o antes e o depois, e elas saem mais empoderadas para mostrar suas habilidades, seus pontos fortes e demonstrar seus talentos”, afirma.
Outra formanda da turma é a empreendedora venezuelana Alejandra, que chegou ao Brasil em 2021 e hoje é dona de um pequeno negócio de bolos e doces no Distrito Federal. Ela diz que aprendeu muitas técnicas que serão importantes para o crescimento do seu empreendimento. “Aprendi sobre como envolver as pessoas com o que eu faço. Vender não é fácil, às vezes até perdemos tempo e mercadoria, e agora vou trabalhar com os novos conhecimentos para fazer crescer o meu sonho”, diz.
Por sua vez, a haitiana Marie, há três anos no Brasil e mãe de uma menina de um ano, explica que o curso a ajudou a desenvolver um obstáculo pessoal para o ingresso no mercado de trabalho. Ela fala baixo e se considera muito tímida, mas aprendeu a se comunicar melhor durante as aulas da professora Thalita.
“Eu agora tenho forças para enfrentar o meu medo de falar em público e estou qualificada para buscar emprego na área de atendimento”, afirma Marie.
Após a formatura, as mulheres tiveram a oportunidade de participar de uma feira de empregabilidade, onde recrutadores de empresas como os hotéis Mercure e GrandMercure, RaiaDrogasil, Supermercados Dona e Riachuelo realizaram entrevistas. No mesmo dia, algumas delas já foram contratadas, e outras seguem em processos seletivos intermediados pelo projeto.
O fotógrafo Jerônimo Gonzalez presenteou as formandas com um ensaio. ©Divulgação/Jerônimo Gonzalez
A haitiana Marline. ©Divulgação/Jerônimo Gonzalez
A venezuelana Alejandra. ©Divulgação/Jerônimo Gonzalez
A haitiana Marie. ©Divulgação/Jerônimo Gonzalez
Para o oficial de meios de vida e inclusão econômica do ACNUR no Brasil, Paulo Sergio de Almeida, as pessoas em necessidade de proteção internacional precisam de apoio como o oferecido pelo projeto para reconstruírem suas vidas e atingirem a autossuficiência. “A gente sempre fica muito feliz quando vê essa trajetória acontecendo, e as mulheres se graduando. Isso tem um significado bastante forte na atuação da nossa agência, uma vez que temos uma população deslocada de maneira forçada cada vez maior no Brasil, de mais de 700 mil pessoas”, diz.
Já a especialista em empoderamento econômico da ONU Mulheres, Flávia Muniz, lembra do objetivo comum das agências da ONU e todos aqueles atores que trabalham pela Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que é não deixar ninguém para trás e como as mulheres que já passaram pela iniciativa acabam empoderando outras na mesma situação. “Vocês são exemplos não só para mim e para cada uma das agências e organismos envolvidos, mas também para aquelas mulheres que estão chegando e se informando pela primeira vez, usando as primeiras palavras em português para pedir proteção internacional no Brasil”.
A analista de Direitos Humanos do Pacto Global da ONU no Brasil, Adriana Silva, lembrou ainda do estudo “Mercado de Trabalho para Pessoas Refugiadas no Brasil”, que mostra que mais da metade (55,7%) das pessoas deslocadas à força no Brasil estão desempregadas. “É importante lembrar quais motivos as empresas têm para contratar essas pessoas. As empresas que contratam refugiados não demonstram apenas solidariedade, mas utilizam todas as qualidades e diferenciais que essa pessoa carrega consigo”.
Em nome da turma, a venezuelana Delara Josefina fez um discurso em que agradeceu a oportunidade e exaltou as colegas. “Considero essa uma oportunidade de estar mais perto dos nossos objetivos. Somos mulheres corajosas, guerreiras, resilientes, e cada uma é uma história, uma luta. Enfrentaremos novos desafios e oportunidades, mas estou certa de que estaremos prontas para enfrentá-los”.
O coordenador do SJMR em Brasília, Rafael Melo, concorda com Delara. Ele reconheceu a evolução das alunas durante as semanas de aula. “A gente tem percebido que as demandas têm aumentado em todo o Brasil. Esse curso é um exemplo disso. Em menos de duas semanas, reunimos inscrições de quase 40 mulheres, o que mostra a necessidade de continuação dessa atividade”.
A 8ª edição do Empoderando Refugiadas, realizada em 2023, conta com o apoio de Primavera Sound, Riachuelo e Lojas Renner. É realizada em parceria com a Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI Brasil), Operação Acolhida, Fraternidade Sem Fronteiras, Serviço Jesuítas a Migrantes e Refugiados (SJMR), Aldeias Infantis, Turma do Jiló, Cáritas (Curitiba e Natal) e Copel. A metodologia é do Senac.
Fonte: ACNUR/ONU.