A passagem do tempo em ‘Interestelar’ e ‘Lightyear’ não está distante da realidade.
Os filmes de ficção científica por vezes são mais ficção do que ciência. Muitos deles mostram a possibilidade de vida em outros planetas, com vilões extraterrestres, guerras intergalácticas ou monstros absurdos. Esses aspectos irreais também aparecem de formas quase imperceptíveis e geram dúvidas no espectador se, em algum momento, aquilo poderia se tornar real.
Porém, não comumente, há filmes que se aproximam da realidade e traduzem – ou pelo menos tentam – para as telas teorias complicadas e de difícil compreensão para os leigos. Esse é o caso de Interestelar e de Lightyear, filme da Disney lançado este ano que conta a história de Buzz Lightyear.
Nos dois filmes, a Teoria da Relatividade Geral, concebida em 1915 pelo físico alemão Albert Einstein, é abordada. No primeiro, Cooper, o personagem principal, após uma viagem espacial conturbada para salvar a civilização, consegue retornar à Terra. Mas, ao chegar, encontra a própria filha anos mais velha do que ele. O mesmo acontece no segundo, quando Buzz decide se arriscar em diversas viagens em velocidade máxima (próxima a da luz) a fim de encontrar uma forma de voltar para seu planeta de origem.
O boneco, assim como Cooper, retorna à superfície sem ter sofrido grandes mudanças em sua aparência, diferente de seus colegas que, ao não participarem da viagem, envelheceram normalmente. Buzz não consegue acompanhar a vida de sua melhor amiga, pois sempre que retorna muitos anos se passaram e uma nova fase já se iniciou: casamento, gravidez, graduação de seu filho, leito de morte.
Por que isso acontece e o que pode explicar esse fenômeno? E, mais importante, isso é real? Para responder a todas essas perguntas, é necessário discutir como o tempo funciona e o que o modifica.
O Tempo, o Espaço e o Espaço-Tempo
Entender o tempo é, por si só, uma tarefa complicada. Muitas vezes nem paramos para pensar o que efetivamente é o tempo, ou quais são suas implicações em nossa vida. Antes de tudo, o tempo existe. Não só é real, como também “é, efetivamente, uma quarta dimensão”, como explica Luis Raul Weber Abramo, professor associado e livre-docente do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP). As três primeiras dimensões representam o espaço e são o comprimento, a largura e a altura.
Falar de dilatação do tempo no espaço, portanto, está incorreto. Mesmo que sejam dimensões diferentes com comportamentos distintos, temos que entender o tempo e o espaço como coisas misturadas, como um espaço-tempo. Isso porque um afeta o outro diretamente. O espaço, segundo as Teorias da Relatividade, pode ser pensado como uma cama elástica, na qual ao colocarmos uma bola de ferro, ela se deforma.
O movimento dos planetas em torno do Sol seria um exemplo disso. O astro é muito grande e tem muita massa, o que geraria no espaço uma grande deformação. Essa dobra – como a vista na imagem – faz com que os planetas que o circundam sejam atraídos a esse centro.
Essa atração seria graças à força da gravidade. Quanto mais longe dessa dobra, menor é a sua aceleração e, por consequência, menor a atração. A força, porém, não depende da massa, e sim da concentração dela, lembra Abramo.
O tempo age de maneira parecida. Claro, por serem dimensões diferentes, espaço e tempo não são iguais e funcionam de maneiras diferentes, mas a analogia pode ser a mesma.
O que acontece é que, se pensarmos no tempo como uma cama elástica, assim como o espaço, ele também pode ser deformado. “A relação entre a passagem do tempo entre diferentes locais e diferentes observadores depende desses fatores físicos: a velocidade relativa entre eles e a diferença de gravidade entre um e outro”, explica o professor. O tempo também pode ser comprimido, passando mais rápido, ou esticado, passando mais devagar, como explica Bruno Azevedo Lemos Moraes, professor adjunto do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Quanto maior a gravidade, mais lento o tempo fica. O inverso também é verdade, quanto menor a gravidade, mais rápido o tempo passa.
Isso explica a cena do filme Interestelar em que Cooper, ao se aproximar do buraco negro Gargantua, onde a gravidade é forte, diz que aquilo custaria a ele e à sua parceira 51 anos de suas vidas na Terra. Dessa forma, o pouco tempo passado por eles perto desse ponto no espaço-tempo, corresponderia a meio século para alguém na superfície terrestre.
“Quanto mais perto do centro da Terra, maior é o campo gravitacional, então maior é a deformação do espaço-tempo”, diz Moraes. O GPS funciona dentro dessa regra: os satélites, por estarem estacionados no espaço, sofrem menos força da gravidade, ou seja, o tempo para eles passa mais rápido. Dessa forma, para termos as direções corretas em um aplicativo de rotas, é necessário ajustar o atraso em relação aos relógios.
O efeito causado pela velocidade é praticamente o mesmo: quanto mais rápido alguém se move, mais devagar o tempo passa. Por isso que, quando Buzz Lightyear decide viajar várias vezes a uma velocidade próxima à da luz, ele acaba por não envelhecer no mesmo tempo que seus colegas. Isso também explica o porquê de alguém que está no espaço – onde o tempo passa mais rápido – conseguir “rejuvenescer” em relação a quem ficou na superfície terrestre: basta viajar a muitos quilômetros por hora.
A questão que fica no ar, para aqueles que assistiram ao filme, é: ao se aproximarem do buraco negro, Cooper e Amelia também estavam em alta aceleração. Isso significa que, por estarem sob a influência tanto da velocidade quanto da alta gravidade, o tempo passaria mais devagar que se apenas sob uma delas? Não, porque o tempo não sobrepõe esses dois fatores. Como explica Abramo, não há sequer diferença qualitativa da passagem do tempo, o que quer dizer que pode passar devagar igual só pela gravidade ou só pela velocidade, e os dois juntos não implicam numa passagem mais rápida ou devagar.
Viagem no tempo? Sim, é possível
Mas não se engane, da mesma forma que o passado não existe mais, não podemos retornar a ele. O senso comum tende a pensar no tempo como uma linha reta, na qual, para mentes mais criativas ou filmes de ficção científica, seria possível retornar ao passado.
Quando perto de corpos maciços ou em alta velocidade, o tempo passa mais devagar. Isso quer dizer que, quando alguém que esteve sob o efeito desses fatores volta à Terra, ele viajou no tempo – só que para o futuro. Como o tempo para ele durou muito menos, a percepção é que deveria ter passado igual para quem estava na superfície, o que não acontece.
Podemos pensar de outra forma: para quem fica na Terra e vê alguém retornando de uma longa viagem ao espaço, essa pessoa pode ter vindo do passado, já que está mais nova. Caso o tempo passasse mais rápido perto dos fatores já citados, a pessoa que viajasse ao espaço retornaria mais velha e, só nesse caso, ao passado, já que os cidadãos da Terra estariam mais jovens.
O tempo não é igual para as pessoas que estão na Terra, muito menos espaço afora. “Não existe uma noção de tempo universal e absoluto”, diz Abramo. Portanto, Interestelar e Lightyear não são completamente ficção científica e estão, até certo ponto, perto da realidade.
Autora: Julia Estanislau.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.