Conheça a história e os bastidores de uma das técnicas mais tradicionais nas produções cinematográficas.
Sabe aquele frio na barriga que se sente ao assistir uma cena longa de suspense ou de terror? Ou então a sensação de intimidade com um personagem ou com a história de um filme? Tudo isso é proposital e muito bem planejado durante a produção de um filme.
Com várias técnicas e recursos diferentes, os cineastas conseguem induzir o público a seguir uma trajetória emocional que ajuda na construção das narrativas das produções. Quando o assunto é emoção e intimidade, uma das técnicas clássicas mais importantes no cinema é o plano-sequência.
1, 2, 3, ação!
Antes de mergulhar no universo do plano-sequência, é preciso entender a origem desse termo. Diversos teóricos do cinema definem que os roteiros são compostos por atos, que são divididos em sequências, repartidos em cenas e, por fim, separados em planos. Com isso, a definição de plano-sequência se encaixa como a técnica em que uma cena é composta por só um plano. A mistura de movimentos de câmera, profundidade de campo e continuidade, temporal e espacial, fazem com que um só plano seja o equivalente a uma cena, mesmo sem a presença de cortes e edições trabalhosas. O resultado é a sensação de intimidade entre o espectador e o personagem com uma espécie de realismo cinematográfico, que respeita a liberdade e a realidade do público, sem a fragmentação do real causada pelas longas montagens e edições.
Em entrevista ao Cinéfilos, o professor de audiovisual Luís Angerami explicou que um plano-sequência não é apenas uma cena longa e sem cortes, mas, na verdade, uma sequência de planos construídos com uma complexidade dramática. De acordo com o professor, a genialidade da técnica consiste em fazer com que um conjunto de planos desempenhe o papel de uma sequência ou, até, de um ato inteiro, ao seguir uma determinada complexidade dramática e narrar a história sem a necessidade de cortes.
Com a ausência da decupagem e de estruturas mirabolantes, o foco principal do plano-sequência se torna a atuação e os diálogos nas cenas. Isso faz com que a decisão de utilizar a técnica seja ousada, já que os diretores não podem contar com muitos artifícios de pós-produção.
Na prática, é necessário um grande preparo técnico e corporal de todas as pessoas envolvidas nas filmagens, dos atores aos cinegrafistas, para realizar uma coreografia durante toda a gravação de um plano-sequência. Além disso, um bom roteiro, atores e atrizes competentes e muito planejamento são fundamentais para se ter uma cena eficiente e capaz de prender a atenção de qualquer telespectador. Por fim, também é preciso considerar que é inevitável que imprevistos aconteçam e, consequentemente, a equipe precisa estar sempre atenta para possíveis improvisações.
Os tipos de planos-sequência
Em artigo publicado na revista digital Medium, o jornalista e professor universitário Fábio Luis Rockenbach elenca os 24 melhores planos-sequência em sua opinião, além de definir que existem três tipos diferentes de colocar a técnica em prática. O primeiro é o plano que acompanha um personagem em uma ação ou movimento, do início ao fim. Nesse caso, a câmera pode até perder o personagem e reencontrá-lo depois, só não acompanha outros personagens ao longo da cena.
Um exemplo prático dessa primeira técnica está no filme 1917 (2019). Por mais de uma vez durante o longa-metragem, a câmera acompanha o protagonista Schofield (George Mackay) ao caminhar pelos campos de batalha e pelas trincheiras da Primeira Guerra Mundial. O filme fez sucesso pelo uso da técnica e foi responsável por popularizar o plano-sequência em todo o mundo. Além disso, o longa se consolidou como um dos melhores filmes de guerra da década, com sua indicação ao Oscar de melhor filme na edição de 2020, a estatueta mais cobiçada na principal premiação da indústria cinematográfica.
O segundo tipo de plano-sequência, segundo Rockenbach, é o plano que retrata um ou mais acontecimentos. Não acompanha personagens, mas sim suas atividades. Nessa linha, existe a icônica cena inicial da comédia romântica musical La La Land: Cantando Estações (La La Land, 2017). Na sequência, que dura pouco mais de quatro minutos, a câmera foca em diversos personagens que dançam em cima de um viaduto enquanto estão presos no trânsito. Em seguida, a trama do filme começa a ser apresentada. O pianista de jazz Sebastian (Ryan Gosling) conhece Mia (Emma Stone), uma atriz em busca do sucesso em Hollywood por quem se apaixona. La La Land também foi aclamado pelo público e se consolidou como uma referência no mundo dos musicais.
Por último, existe o plano-sequência que acompanha mais de um personagem enquanto a câmera percorre um determinado ambiente. Nesse caso, a sensação transmitida ao espectador é a de que os personagens atravessam a câmera enquanto realizam uma ação.
Um dos filmes a utilizar a técnica foi O Jogador (The Player, 1992). A cena de introdução do filme, que é uma crônica irônica sobre os bastidores de Hollywood, é um plano-sequência que acompanha alguns personagens que trabalham nos estúdios, ao andarem em diferentes direções enquanto interagem e dialogam. No fim da sequência, a câmera foca em uma sala na qual o protagonista Griffin Mill (Tim Robbins) está reunido com outros personagens.
Por mais que existam diferentes tipos de planos-sequência, não existem limites e regras para os diretores na hora de gravar seus filmes. Ao longo da história, diversos deles se aventuraram e ousaram explorar a técnica ao máximo. Por isso, existem filmes que usam os três diferentes tipos de plano-sequência ao mesmo tempo em uma mesma produção, e até filmes gravados inteiramente em um único plano.
Victoria (Victoria, 2015) e Birdman (Birdman, 2014) são duas produções conhecidas pelo uso ousado da técnica. O primeiro, dirigido pelo alemão Sebastian Schipper, foi gravado inteiramente em um único plano contínuo com 138 minutos de duração. Foram necessárias três tentativas para que o filme chegasse no resultado final e a maior parte dos diálogos é fruto de improvisos dos atores.
Já em Birdman, o diretor Alejandro González Iñárritu segue a técnica do plano-sequência disfarçado, que consiste em esconder cortes e fazer com que o público tenha a impressão de que eles não existem. Em entrevista à Variety, Alejandro justificou suas ideias na produção do filme: “Desde o momento em que abrimos os olhos, vivemos em uma forma Steadicam, e a única edição é quando falamos sobre nossas vidas ou lembramos de coisas. Então, eu queria que esse personagem submergisse nessa realidade inescapável e o público tivesse que viver esses três dias desesperados ao lado dele”.
De onde vem o plano-sequência?
Desde o início da história do cinema, diferentes diretores trabalham para inovar e buscar novas formas de atrair e prender a atenção do público. Quando o assunto é o plano-sequência, muitos historiadores acreditam que as primeiras cenas gravadas com a técnica são de meados de 1920. Mas, foi apenas entre as décadas de 1930 e 1940 que a prática virou teoria e o plano-sequência começou a se consolidar como uma técnica, com alguns diretores como Orson Welles, Alfred Hitchcock e Max Ophüls.
Na época do surgimento da técnica, o cinema ainda era limitado aos métodos de filmagem com películas que suportavam no máximo 11 minutos de gravação. Por isso, os diretores gravavam os filmes com cortes disfarçados que, com uma mistura de gravação e edição, resultavam em cenas longas e contínuas.
Atualmente, com os avanços tecnológicos no cinema, os diretores podem explorar mais o universo do plano-sequência e passear por diferentes métodos, além de gravar cenas contínuas de horas de duração, como fez Sebastian em 2015, no filme Victoria.
Autor: Renan Affonso.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.