O dia a dia de fotojornalistas engajados na cobertura da Amazônia, região com a maior biodiversidade do planeta.
A Amazônia corresponde a quase 50% do território brasileiro, além de ocupar outros países, como Colômbia e Venezuela. Apesar da rica fauna e flora e, consequentemente, da relevância ambiental para o mundo, a cobertura jornalística da região ainda é marcada pela falta de investimentos e violentas ameaças de extrativistas.
ESQUINAS conversou com dois fotojornalistas que moram e atuam em Manaus para entender sobre a rotina e os desafios dos profissionais.
O fotojornalista que ensina Amazônia
Com o primeiro “dinheirinho” que conseguiu trabalhando como professor de inglês, Raphael Alves comprou sua primeira câmera profissional e começou a fotografar a partir de 2000. Ao longo dos anos, foi colecionando colaborações em veículos nacionais e internacionais, como “O Globo” e “The Washington Post”.
Apesar de participar de várias coberturas, como as manifestações sobre o marco temporal e a crise yanomami, Alves destaca os seus trabalhos ambientais, especialmente os registros sobre as cheias recordes que atingiram o rio Negro, no Amazonas, em 2009. “Gosto de documentar essa questão da cheia e a relação do ser humano com a natureza”, diz.
Entre 2020 e 2022, porém, as lentes do fotojornalista se direcionaram para outro tema: o novo coronavírus. “Não consigo esquecer, chorava todos os dias, cheguei a tomar remédios para ansiedade”, desabafa. O fotojornalista registrou os primeiros casos de Covid-19 e a morte de pessoas em casa, sem auxílio médico e suprimentos básicos.
Em 2021, durante a falta de oxigênio em Manaus, Alves esteve no epicentro da crise, com registros diários em comunidades afastadas da capital amazonense.
Distante mas presente
O fardo de cobrir um dos períodos mais intensos e sombrios da história recente do Brasil e do mundo coube também ao editor de fotografia da Amazônia Real, Alberto Araújo. O fotojornalista revela um clima semelhante a uma “cobertura de guerra” e relembra que precisou fazer terapia para cuidar da sua saúde mental.
Durante a pandemia, os dias 14 e 15 de janeiro de 2021 ficaram marcados pela falta de oxigênio em Manaus. Em dos momentos mais intensos da Covid-19, a cidade passou por uma crise no sistema de saúde. Unidades do sistema de saúde ficaram superlotadas após recordes de internações pelo novo vírus. O editor de fotografia, que devido a comorbidades, não pôde estar no Amazonas, revela que o impacto na cobertura jornalística do estado se sobressaiu em relação a outras regiões.
A cobertura que corre risco
Seja retratando pautas ambientais ou assuntos políticos, Raphael Alves enxerga riscos na rotina. “Não tenho nenhum colega [fotojornalista] que não tenha sofrido ameaça”, afirma. Segundo relatório, realizado em 2022, pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o número de violências graves contra jornalistas aumentou 69% no país, em comparação a 2021.
Alves relembra uma cobertura que fez para o The Washington Post, nas proximidades da fronteira com Porto Velho (RO), em 2021. A pauta, que seria sobre o desmatamento na Amazônia em função das queimadas, se transformou na violência dos latifundiários e pistoleiros da região.
O fotógrafo e um cientista que o acompanhava no projeto avistaram um corpo com as mãos amarradas sendo devorado por urubus em área devoluta, que, apesar de pertencerem ao governo federal, estavam demarcadas com cercas como se fossem propriedades particulares. “Caí no chão e tomei um susto.”
Mesmo apavorado, o fotojornalista conta que conseguiu registar a cena antes de fugir. “[Nós] nos escondemos e não continuamos os trabalhos por conta dos riscos”, completa.
Tempos depois, Alves descobriu mais detalhes: “O corpo era do Nelson da Conceição, que foi morto por pistoleiros após denunciar o desaparecimento de um amigo e que até hoje não foi encontrado”.
Ainda que temendo pela sua segurança e de seus familiares, o fotógrafo não pretende abandonar a profissão. Para Alves, os ataques que se intensificaram no governo de Jair Bolsonaro (PL) deixaram herança até hoje. “Não penso em parar, mas avalio os riscos. Temos que fazer o nosso trabalho, mas a verdade é que a gente não se sente seguro em muitas vezes”, lamenta.
Acostumado com a Amazônia
A insegurança não é uma exclusividade das coberturas de Alves. Alberto Araújo conta que sofreu inúmeras ameaças e até mesmo perseguições por coberturas feitas na Amazônia. Durante reportagem sobre um garimpo na região, o fotojornalista teve o quarto invadido por homens armados que estavam interessados em seu equipamento, mas, confusos, acabaram levando uma mochila com livros do editor de fotografia.
Durante a gestão de Bolsonaro, a liberdade de imprensa era questionada semanalmente, e o medo de exercer a profissão virou rotina. Para Araújo, o perigo de fotografar envolvidos com garimpo e desmatamento fica na memória, já que o editor se acostumou a lidar com essas situações e até a se esconder em matas isoladas na Amazônia.
A logística e os recursos da cobertura
Outro problema que impede ou dificulta a realização de algumas pautas na Amazônia é a logística na região. Alguns deslocamentos de barco podem custar até R$ 16 mil.
“Muitas vezes os veículos jornalísticos não investem na gente [freelancers]. Não é que eles não acreditem, mas não têm orçamento para algumas pautas. A principal dificuldade é a logística”, analisa Raphael Alves. Segundo o fotojornalista, 80% de suas pautas são realizadas com recursos próprios.
Quanto a falta de meios para tanto, Alberto Araújo, por sua vez, revela que está acostumado com os fatores limitantes da cobertura. Por isso, não é incomum que agências de notícia e veículos internacionais, como New York Times e The Guardian, entre outros, contratem fotógrafos brasileiros para realizar as pautas. A cobertura independente acaba sendo de difícil execução, o que impede a realização do trabalho jornalístico mais aprofundado e detalhado na região.
Autores: André Taheiji, Carolina Galimberti e Guilherme Loureiro.
Fonte: Cásper Líbero.