Agências da ONU trabalham pelo empoderamento econômico de mulheres indígenas venezuelanas

Em ações voltadas para empregabilidade, empreendedorismo e enfrentamento da violência de gênero, ACNUR, ONU Mulheres e UNFPA oferecem atendimentos e capacitações para que refugiadas e migrantes alcancem autonomia no Brasil.

Dados da Plataforma R4V apontam que, até fevereiro de 2023, mais de 414 mil pessoas vindas da Venezuela estão no Brasil. Dessas, uma parte específica é composta por pessoas indígenas, de diferentes etnias. Para além dos desafios compartilhados por mulheres refugiadas e migrantes em geral, como dificuldade de ingresso no mercado de trabalho e sobrecarga com tarefas de cuidado, as mulheres indígenas que chegam ao Brasil enfrentam, ainda, dificuldades adicionais, como a compreensão do idioma, adaptação à cultura local e pouca valorização dos trabalhos tradicionais realizados.

Pensando em atender também a essa população, Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) têm desenvolvido uma série de ações voltadas para a integração e o atendimento de qualidade a mulheres indígenas refugiadas e migrantes.

As iniciativas fazem parte do programa conjunto Moverse, iniciado em setembro de 2021, com o apoio do Governo de Luxemburgo. Entre as atividades estão facilitações culturais, tradução para os idiomas indígenas em serviços de saúde e em capacitações, assim como o apoio ao empreendedorismo que valorize a cultura, em especial o artesanato.

Perfil

Até novembro de 2022, de acordo com dados do ACNUR e do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), o Brasil registrava a entrada de 8.653 refugiados e migrantes indígenas venezuelanos de diferentes etnias. A maioria (51%) está no país na situação de refugiada ou solicitante de refúgio, enquanto 39% estão como residentes ou solicitante de residência. A estimativa é que essas pessoas estejam atualmente em 23 estados brasileiros.

De toda essa população, mais de 4,2 mil são mulheres, majoritariamente da etnia Warao. O segundo grupo com o maior número é da etnia Pemon, seguido de E’ñepa e Kariña.  As mulheres permanecem figurando como as principais responsáveis pelo cuidado com a família. A elas cabe o processo de produção da alimentação, cuidado e atenção das filhas e filhos, organização dos pertences das famílias e, muitas vezes, podendo se adequar de etnia para etnia, elas são as principais responsáveis por assumir o papel de provedoras financeiras do grupo familiar. Compreender as necessidades dessas mulheres para garantir que possam se integrar de maneira adequada ao novo contexto em que se encontram tem sido uma das ações desenvolvidas pelo programa Moverse.

Principais demandas

A facilitação do acesso das crianças às escolas é uma das demandas levantadas frequentemente por mulheres indígenas beneficiadas pelo programa.  “Estamos tentando conseguir professores que falem espanhol, já que para algumas crianças ainda é muito difícil entender o português”, reforça a indígena venezuelana Mariluz, que entrou no Brasil pela fronteira com Roraima e mudou-se há pouco mais de três anos com o marido e três filhos para o estado do Pará. Ela é hoje a principal voz para o encaminhamento das necessidades de sua comunidade.

> Conheça a história de vida de Mariluz.

Outra demanda recorrente é a facilitação de diálogos e a tradução para os idiomas indígenas em serviços de atenção básica, como unidades de saúde.  Para isso, a área de programa de Gênero Raça e Etnia do UNFPA possibilitou a contratação de facilitadoras culturais indígenas Warao e E’ñepá em Boa Vista e em Manaus. “As facilitadoras possibilitam que um número maior de mulheres entenda, de fato, o funcionamento e tenha acesso aos serviços públicos de saúde sexual e reprodutiva e violência baseada no gênero. Além disso, as facilitadoras são treinadas e remuneradas pelo trabalho, o que possibilita maior autonomia econômica, capacitação e experiência profissional para elas”, explica Igo Martini, chefe de escritório do UNFPA em Roraima.

Cultura e renda

“O ACNUR atua na proteção das populações indígenas refugiadas de forma adaptada às suas particularidades étnicas e culturais, valorizando os conhecimentos tradicionais, garantindo o acesso a direitos e buscando consolidar alternativas para a sua autonomia”, explica o Representante do ACNUR no Brasil, Davide Torzilli. Entre as ações voltadas à autossuficiência socioeconômica dessas populações, o ACNUR apoia financeiramente núcleos familiares de diferentes etnias indígenas, bem como fomenta iniciativas associativas dessa população, promove a valorização do artesanato tradicional como fonte de renda e realiza formações como marketing digital e vendas.

Da etnia Warao, Alida vive em Roraima e tem como sustento as vendas de artesanato, além dos esporádicos serviços de jardinagem e de faxina. Filha de cacique, para ela, o artesanato é muito mais do que uma fonte de renda. “Não quero perder meus costumes, como a cultura do artesanato, porque isso é passado de geração para geração. Eu não quero perder, mas é muito difícil, já que muitas outras pessoas também trabalham com isso”, explica. Alida chegou em 2019 no Brasil e, desde então, tem participado de capacitações oferecidas pelo Moverse com o objetivo de formalizar o negócio e aumentar as vendas.

Incentivar o empoderamento econômico das mulheres sem que elas percam sua identidade é um dos fatores que devem ser observados para garantir o engajamento dessas mulheres nas atividades do Moverse. “As três agências, em seus mandatos, trabalham para que mulheres indígenas de diferentes etnias tenham acesso a direitos. A partir da escuta das demandas, e juntos com as mulheres, buscamos soluções culturalmente sensíveis para que elas tenham autonomia financeira”, explica a especialista em Transversalização de Gênero da ONU Mulheres, Mariana Cursino da Cruz.

Fonte: ACNUR.