As roupas da época evidenciam a ligação entre o vestuário e as alterações socioculturais a partir de personalidades influentes e a idealização da mulher.
A moda da década de 1950 foi marcada por símbolos e correntes de estilo que permanecem até hoje em filmes e séries. Além disso, mudanças sociais e culturais interferiram e transformaram diretamente na maneira da população se vestir. Nesse contexto, as tendências da época estão estritamente ligadas ao cenário histórico no qual estão inseridas, e à ideologia que direcionava a conduta social.
A relação da moda com a história
Os anos de 1950 correspondem ao período pós Segunda Guerra Mundial, marcada pelo fortalecimento de partidos de extrema direita, a exemplo do facismo italiano e do nazismo alemão, e pela fragilização econômica das principais nações europeias. A partir de 1950, o cenário mundial passou a ser protagonizado pela ascensão estadunidense e da União Soviética como as duas maiores potências, e pela Guerra Fria.
No que diz respeito ao Brasil, a década perpassou dois governos. O primeiro corresponde ao mandato republicano de Getúlio Vargas, que chega ao fim em 1954 devido a uma série de instabilidades políticas e econômicas que culminaram em sua renúncia. Já em 1956, Juscelino Kubitschek assume o título de Presidente da República e coloca em prática sua política desenvolvimentista que visava a modernização do país e abriu caminho para a entrada de capital estrangeiro, além de construir a atual capital nacional, Brasília.
Ao mesmo tempo que o mundo passava de uma época conflituosa para a busca pelo desenvolvimento e pela modernização, a moda também mudava. O vestuário utilitário, composto por mangas quadradas e silhueta pouco marcada, foi adotado durante a década de 1940 para se encaixar no dia a dia da mulher que era pouco inserida no mercado de trabalho por consequência do conflito armado, e nas necessidades financeiras, dado ao racionamento de tecidos.
“Não era uma produção em grande escala e tinha carência de matéria prima. Durante a guerra, existiu esse período de recessão na moda, onde faltavam tecidos e até mesmo inspiração, porque tinham questões mais importantes”, explica a fashion-tiktoker Maria Caroline Daniel Ferrari. “Mas, relacionando até mesmo com a pandemia, depois de crises vem um período de opulência, e foi exatamente isso que aconteceu com os anos 1950, o período pós-guerra”, explica.
Os designers também se utilizavam de suas criações para se manifestar em relação ao que acontecia ao seu redor. Nos anos 1940, por exemplo, era comum o emprego das cores das bandeiras nacionais nas peças dos estilistas como forma de declararem oposição às invasões nazistas. A fashion-tiktoker indica que essa forma de expressão é observada na década seguinte: “O próprio New Look Dior, que é aquela opulência toda em contraste com a miséria que a guerra provocou, pode ser considerada uma. As calças também podem ser consideradas uma forma de protesto das condições agressivas que as pessoas eram expostas naquela época, porque foi necessário que as pessoas, principalmente mulheres, começassem a trabalhar, então elas se disseminaram”.
No que diz respeito às condições sociais, a moda possibilita um panorama do cotidiano da população e das desigualdades que atingiam os indivíduos em determinada época. “A moda sempre foi elitista e, nos anos 50, ela foi mais ainda. Então, por exemplo, o New Look do Christian Dior é pouco prático, tanto que, durante a guerra, a silhueta que mais foi usada era aquela com a cintura menos marcada e a saia um pouco mais curta para facilitar a mobilidade. Depois disso, quiseram voltar com a opulência, mas só as mulheres mais abastadas e que não faziam tantas atividades podiam usar”, detalha Ferrari. Apesar disso, a década de 1950 avançou na democratização do acesso às roupas com a ascensão do prêt-à-porter — lojas de departamento que replicam os designs das casas de alta costura, vendendo-os por um valor mais acessível.
Teddy Boys, beatniks e rockers
Três estilos se popularizaram, principalmente entre os mais jovens, nos anos 1950, já que as principais criações do período eram direcionadas à população adulta. Eram eles: teddy boys, beatniks e rockers. “No período entre guerras, não havia distinção entre adolescência e a vida adulta. Então, nos anos 1950, a juventude ganhou força e surgiram tendências dos jovens, muito influenciados pelos atores da época”, explica Maria Caroline Ferrari.
O primeiro teve menor popularidade em relação aos outros dois, e seus adeptos, tanto homens, quanto mulheres, mantinham um visual elegante com casaco alongado, colete, roupas ajustadas ao corpo, camisa branca e gola alta. Já os beatniks caracterizavam um movimento de contracultura e anti-materialista em reação ao consumismo propagado pelo American Way of Life. Por isso, eles se vestiam de modo mais simples: as mulheres usavam calça, blusa básica e boinas.
Os rockers, influenciados por atores como James Dean e Marlon Brando, vestiam camiseta branca, jeans, jaqueta de couro e botas. As mulheres que aderiram ao estilo usavam camisas de botão enviesadas e de manga curta, com calça jeans ou de alfaiataria tipo cigarrete, que são mais justas ao corpo, e um lenço atado no pescoço ou no topo da cabeça. Para aquelas que eram contrárias ao uso de calças, era comum o uso do New Look Dior com uma jaqueta de couro por cima.
O vestuário e o conservadorismo
Em 1947, o estilista francês Christian Dior criou o que seria um dos maiores símbolos da moda nos anos 50: o New Look Dior. Em oposição ao vestuário utilitário e direcionado ao público feminino, ele conferia um formato mais arredondado e suavizado aos ombros e, o uso da saia corolla, longa e volumosa, fazia com que a cintura fosse extremamente marcada. Ele representava o resgate à opulência, que antes era restrita pelo racionamento de tecidos, e à feminilidade, aspecto que reforça a problemática do tradicionalismo direcionado à mulher na época.
“Depois de um período em que as mulheres precisaram sair de suas casas e trabalhar, exercendo atividades masculinas porque os homens estavam em guerra, o New Look Dior era uma forma de trazer a mulher de volta para o papel dela na sociedade. Até mesmo as saias voltaram a ficar cumpridas numa tentativa de trazer o tradicional de volta. Ele reforçava muitos estereótipos”, detalha Ferrari. Na década, ele foi utilizado para a construção do arquétipo da Housewife, que era constantemente veiculado em propagandas e estabeleceu o ideal para a figura feminina: excelente dona de casa que, mesmo permanecendo nela, deveria estar sempre bem arrumada. Devido ao aumento no comprimento da saia, o New Look era visto por muitas como antiquado, moralista e, até mesmo, retrógrado.
Em geral, as saias eram mais comuns, já que o uso de calças pelas mulheres, por exemplo, era mal visto pela sociedade. “Naquela época, nem tinha calça. Quem usava, às vezes, eram mulheres de teatro que eram mais liberais. A primeira que eu usei foi feita pela minha tia, de brim preto. Cabiam duas de mim, porque ela não queria que a calça fosse justa. A gente até se acostumou a não usar calça, a única coisa que usávamos, e na época era muito lindo, eram saias plissadas ou então bem franzidas”, conta Neide Tereza Batista, que viveu na década de 1950 e sempre foi apaixonada por moda, chegando a trabalhar na área. Sobre essa rejeição pelo item, Maria Caroline Ferrari explica que ele era muito relacionado ao guarda-roupa masculino e a uma questão de classe social: “Como a calça era uniforme de trabalho, algo que as mulheres usavam para ser mais prático, estar de calça queria dizer que ela era mais pobre e precisava trabalhar. Isso, naquela época onde as mulheres não trabalhavam a não ser em casa, era visto com preconceito”.
O conservadorismo se refletia nos trajes de banho femininos. “Os maiôs eram totalmente fechados e tinham sainha para cobrir a cintura. Depois disso veio o maiô duas peças, com a calça bem alta e fechada, como um short mais cavado, e um sutiã, deixando só a barriguinha de fora, mas foi um escândalo”, relata Neide Tereza. Os biquínis, de cintura alta, eram uma versão bem recatada e restritos às mulheres mais jovens, pois mulheres casadas, com o mínimo de seu corpo à mostra, eram tidas como desrespeitosas.
A maquiagem, cujo maior símbolo para a década era o delineado, apesar de ter sido valorizada pois remetia à feminilidade e à vaidade, também encontrava restrições no cotidiano. “Mesmo as adolescentes não podiam usar esmaltes, pintura e batom, só depois dos 18 anos que esses privilégios eram concedidos. Quando eu queria usar batom, pegava escondido e passava na rua. Meus pais pensavam, que, quem era de família tradicional, não podia usar. Tinha que ser postura de 1930, vamos dizer assim”, conta Tereza.
A influência dos astros de Hollywood
A moda dos anos 1950 se deparou com um diferencial em relação aos anos anteriores: o papel essencial dos meios de comunicação em massa, como a televisão e o cinema, e dos astros de Hollywood, que se tornaram referência de estilo e foram essenciais para a popularização de tendências. “Na época, a mídia era muito restrita e, quando havia esse bloqueio de mostrar essas personalidades, significava que eles estavam à frente e na moda. A gente queria ter essa referência de modernidade, essa receptividade da sociedade, e eles eram ponto de referência”, explica Batista.
No que diz respeito à moda masculina, James Dean e Elvis Presley, ambos astros do cinema e expoentes do movimento rockers, exerciam grande influência. O primeiro desafiava o conservadorismo da época por meio de sua vestimenta, cujos maiores símbolos são a camiseta branca com jaqueta de couro por cima, calças de cintura alta, jeans rasgados e botas de couro liso. O cantor vestia-se de modo semelhante, mas sua música foi fundamental para que ele fosse um modelo a ser seguido dado a resistência da sociedade em aceitá-lo pelo seu comportamento mais descolado. “Ele agradava muito os jovens por causa da música e, naquela época, o aúdio vinha antes do visual, pois não tinham tanto acesso à TV, mas sim ao rádio. Os jovens ouviam primeiro e gostavam do artista. Quando viam-no pessoalmente era estranho, mas o Elvis era a sensação do momento, então era legal o que ele usava”, explica Maria Caroline Ferrari.
Já as tendências femininas tinham três grandes influenciadoras em Hollywood. Elizabeth Taylor se destacou pela luxuosidade e ousadia de seus looks, sempre composto por jóias finas, peles e alta costura, enquanto Grace Kelly era conhecida pela elegância de seu estilo retrô e sua fidelidade às criações de Christian Dior. Marilyn Monroe, por sua vez, se tornou o emblema do estilo glamouroso com seus vestidos de rockabilly corolla e o delineado de gatinho. “A Marilyn era aquela despachada, que queria avançar dentro do contexto, não ligava para preconceitos”, afirma Neide Tereza. “Era proibido, meu pai não deixava fazer o delineado da Marilyn, porque ela mostrava o lado rebelde da mulher em todos os sentidos: na maneira de se vestir, maquiar e se apresentar”, finaliza ela.
Os diferentes estilos que protagonizaram os anos 1950 mostram como a moda é complexa e tem suas variações, mesmo que não sejam tão conhecidas. O contexto e as características sociais são a força motriz para essas alterações e a evolução das vestimentas ao longo do tempo, tornando a moda uma vitrine por meio da qual se entende um pouco mais da história mundial.
Autora: Emanuely Benjamim.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.