A importância e os desafios do paradesporto na inclusão de pessoas com deficiência

Além de aprimorar a saúde física e mental, a prática de esportes adaptados ajuda a desenvolver habilidades sociais de crianças, jovens e adultos.

O ano de 2023 marca a realização da sétima edição dos Jogos Parapan-Americanos, que serão disputados em Santiago, capital do Chile, entre os dias 17 e 25 de novembro. Os eventos esportivos de caráter internacional costumam atrair a atenção do público para as modalidades de esportes adaptados, praticados pelas pessoas que possuem algum tipo de deficiência.

Distante do foco nas grandes competições, o paradesporto também impacta positivamente a vida de diversas pessoas com deficiência ao redor do mundo. Além dos benefícios físicos, a comunicação e a sociabilidade são alguns dos fatores aprimorados pela prática esportiva adaptada.

História do paradesporto

A criação do esporte adaptado é creditada ao alemão Ludwig Guttmann. Em 1948, o neurologista organizou uma competição entre veteranos da Segunda Guerra Mundial com lesões na medula espinhal. A proposta era utilizar práticas esportivas e fisioterapêuticas para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, inserindo o tiro com arco e o arremesso de bolas como parte do tratamento para fortalecer a musculatura. A ideia surgiu após Guttman observar que a taxa de mortalidade dos veteranos acamados ou cadeirantes chegava a 18%, devido aos ferimentos, às infecções e à depressão que acometiam os pacientes. 

O primeiro evento organizado por Guttman, na Inglaterra, contou com a participação de 16 atletas cadeirantes. Em 1952, a competição já contava com a participação de atletas de diversos países. Devido à adesão internacional, a edição realizada em Roma, em 1960, recebeu pela primeira vez a nomeação de Jogos Paralímpicos.

Desde 1988, as Olimpíadas e as Paralimpíadas são disputadas no mesmo ano e local. A última edição, disputada em Tóquio, contou com a participação de mais de 4 mil paratletas distribuídos em 22 esportes diferentes.

Ludwig Guttman e os paratletas nos jogos de Stoke Mandeville, em 1948 [Reprodução/ Twitter/ @ParaHeritage]

Melhora na qualidade de vida

O ex-nadador Carlos Farrenberg, medalhista nos Jogos Paralímpicos Rio 2016, é um dos beneficiados pelo paradesporto. Portador de baixa visão desde os seis meses de idade devido à toxoplasmose congênita, o atleta teve uma carreira de sucesso dentro das piscinas e hoje se dedica à função de assistente técnico da seleção paralímpica de natação.

Para Farrenberg, o esporte deve estar presente na vida de todo indivíduo, pois melhora a qualidade de vida dos praticantes. Ele acredita que as vantagens são ainda maiores àqueles que possuem alguma deficiência: “o paradesporto é essencial porque ajuda a evitar o isolamento da pessoa com deficiência — tanto o isolamento físico, causado pela dificuldade de mobilidade, quanto o social, já que muitas pessoas, devido à deficiência, acabam ficando à margem da sociedade”, explica o ex-nadador.

Segundo ele, outro fator importante do paradesporto é manter a pessoa com deficiência (PcD) em contato com pessoas que possuem diferentes tipos de deficiência. Enxergar a realidade do outro ajuda esse sujeito a entender as dificuldades e potencialidades próprias e dos demais: “o paradesporto ajuda a perceber que a deficiência não define quem você vai ser ou até onde você pode chegar. É importante lidar com ela de maneira saudável e com boa convivência em sociedade”, finaliza Farrenberg.

Carlos Farrenberg acompanhou paratletas da natação durante torneio em Singapura [Reprodução/ Instagram/ @carlosfarrenberg]

Desafios enfrentados pelos paratletas

As pessoas com deficiência lidam diariamente com dificuldades de acessibilidade e de inclusão. Na prática esportiva não é diferente. O ex-nadador conta que, entre os problemas observados por aqueles que desejam começar a praticar um esporte adaptado, destaca-se a dificuldade em encontrar locais apropriados e com acessibilidade para determinadas modalidades.

Para Farrenberg, a falta de visibilidade e de divulgação também é um ponto que impacta negativamente o desenvolvimento do paradesporto no Brasil, ainda que esteja em evolução: “hoje, o canal no Youtube do Comitê Paralímpico Brasileiro transmite ao vivo diversas modalidades e competições paralímpicas. Isso é bastante positivo, porque a televisão ainda tem resistência em comprar os direitos de transmissão de competições nacionais, transmitindo, em geral, apenas competições internacionais.” 

Cobertura do canal do CPB no Meeting Paralímpico, competição no Rio de Janeiro que reúne paratletas de diversas modalidades [Reprodução/ Youtube/ Comitê Paralímpico Brasileiro]

A importância das organizações

Visando driblar a ausência de ambientes apropriados para a prática do esporte adaptado, as ações das organizações sem fins lucrativos são extremamente relevantes porque oferecem a oportunidade do primeiro contato entre uma pessoa com deficiência e o paradesporto. Um exemplo é a Associação Desportiva para Deficientes (ADD), fundada em 1996 e localizada no Jabaquara, bairro de São Paulo. A organização é responsável por utilizar o esporte como ferramenta de desenvolvimento e inclusão de crianças e jovens com deficiência e foi responsável por apresentar Daniel Dias, maior medalhista paralímpico brasileiro da história, à natação

A administradora de empresas Eliane Miada, co-fundadora e atual diretora da ADD, relata que é possível perceber rapidamente as mudanças comportamentais dos jovens que começam a frequentar a instituição. Além da transformação física, alguns dos fatores desenvolvidos são a comunicação, a sociabilidade e a construção de vínculos. Eliane destaca também o impacto que esse processo exerce no núcleo familiar do jovem: “às vezes, a família vem com um peso muito grande de desinformação. No projeto, muitas mães experimentam o convívio e partilha de ideias com outras mães, então é uma troca muito grande”, informa a diretora da AAD.

Eliana também ressalta como a independência proporcionada pelo esporte aos jovens contribui para aliviar o fardo parental: “a partir do momento que a criança evolui, a mãe também evolui. Quando ela observa que o jovem está ficando cada vez mais independente é um choque, pois a vida toda dessa mãe foi dedicada exclusivamente a cuidar do filho. Isso também abre novas oportunidades, já que agora ela tem tempo e disposição para começar a trabalhar ou estudar”, completa a administradora.

Atletas de bocha paralímpica da ADD participam de torneio em Suzano [Reprodução/ Instagram/ @addassociacao]

Formação cidadã

Embora revele paratletas que chegam a disputar competições internacionais, o principal objetivo de organizações como a ADD é moldar o caráter dos jovens com deficiência, oferecendo-lhes a oportunidade de, no futuro, serem cidadãos independentes, íntegros e ativos no mercado de trabalho. “A instituição até consegue formar atletas, mas não saem nem 5%. Nossa contribuição para a sociedade são pessoas que têm conhecimento de suas capacidades, cidadãos que possuem plena consciência de seus direitos e deveres”, explica a diretora da ADD.

Para Carlos Farrenberg, os jovens aprendem com o esporte valores que serão levados para a vida toda: “eu acredito muito no esporte como incentivador da disciplina e da resiliência, muito do que aprende-se no esporte é levado para sempre, seja no trabalho ou em qualquer outro segmento que se deseja seguir. Assim como em um treino, é necessário haver repetição para atingir os resultados Na vida, também é preciso ser persistente para obter sucesso”, analisa o ex-nadador.

Para ficar de olho: paratletas brasileiros de destaque

O Brasil é líder do quadro geral de medalhas em Jogos Parapan-Americanos desde 2007, quando a competição foi sediada no Rio de Janeiro. Na última edição, em Lima, os paratletas brasileiros conquistaram 308 medalhas, sendo 124 de ouro, 99 de prata e 85 de bronze.

Um dos grandes nomes do paratletismo brasileiro é Petrúcio Ferreira. O paraibano de 26 anos tem em seu currículo duas medalhas de ouro paralímpicas, cinco medalhas de ouro parapan-americanas e o recorde mundial dos 100 metros rasos, obtido no Mundial de Atletismo de Dubai em 2019. 

Carol Santiago é outra figura importante. Aos 37 anos, a nadadora pernambucana já conquistou três ouros nos Jogos Paralímpicos, quatro no Parapan-americano e mais dois no Mundial de Natação de 2019.

Além deles, Bruna Alexandre é mais uma paratleta em destaque, tendo conquistado duas medalhas de bronze nas Paralimpíadas de Tóquio, em 2021. Apesar de ter o braço direito amputado, ela costuma disputar – e vencer – competições convencionais de tênis de mesa, derrotando atletas sem nenhum tipo de deficiência. Com o enorme sucesso na modalidade, Bruna sonha em ser a primeira atleta brasileira da história a disputar tanto as Paralímpiadas quanto as Olímpiadas.

Petrúcio Ferreira após conquistar o ouro paralímpico nos 100 metros rasos [Reprodução/ Instagram/ @petrucio_t47]

Autor: Júlio Silva.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.