A evolução dos telescópios: da luneta ao telescópio James Webb

Dos instrumentos mais simples até os grandes observatórios, a história da ciência foi e está sendo escrita pelos telescópios.

Basta olhar para o céu noturno para entender o porquê do universo causar tanto fascínio nos seres humanos. Desde os primórdios da astronomia, ferramentas de observação do espaço são desenvolvidas com o objetivo de estudar corpos celestes que estão relativamente perto ou a distâncias inimagináveis do planeta Terra. Porém, nenhum desses instrumentos foi tão revolucionário quanto o telescópio, uma das maiores invenções da história da ciência moderna. Alterado e melhorado ao longo dos séculos, ele mudou para sempre a forma como pensamos sobre o cosmos.

Como funcionam os telescópios?

O conceito que está presente em todo telescópio é o de captar e focalizar ondas (luz visível, rádio, ultravioleta, infravermelho) de certo objeto celeste, para que seja possível a sua observação. Basicamente, os principais telescópios usados para o estudo do céu são classificados em dois tipos: refratores e refletores.

Os refratores são os telescópios formados por lentes, que refratam, ou seja, mudam a direção da luz tanto na abertura de entrada – chamada de lente objetiva – quanto na de saída – chamada de lente ocular – do equipamento. Já os telescópios refletores são aqueles formados por espelhos: a luz do objeto observado é refletida em um espelho primário côncavo e direcionada até um espelho secundário plano, que desvia a imagem em direção a uma lente ocular, o que possibilita a observação.

Esquema que mostra funcionamento de um telescópio refletor.
[Imagem: Pearson Scott Foresman/Wikimedia Commons]

“Em termos profissionais, todos os telescópios são refletores. Não existem refratores profissionais por uma razão muito simples: é impossível construir lentes muito grandes”, afirma Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, professor doutor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP).

“O maior refrator já feito tem 40 polegadas, o que equivale, aproximadamente, a um metro de diâmetro. Por que não dá para construir lentes maiores? Porque as lentes são muito pesadas. O vidro tem, mais ou menos, a mesma densidade do concreto”. Costa ainda ressalta que não significa que os telescópios refratores sejam ruins, apenas que, a partir do século 20, a astronomia profissional começou a deixá-los de lado.

Há também os radiotelescópios, grandes antenas parabólicas receptoras de ondas de rádio vindas do espaço. Estas, diferentemente da luz, não são visíveis ao olho humano, e as imagens geradas pelos radiotelescópios apresentam conteúdos que, em um primeiro momento, não poderiam ser observados naturalmente. Com o processamento e análise dos dados captados das emissões de rádio, as imagens podem ser formadas a partir de computadores.

Muitos radiotelescópios ficam em desertos para evitar interferências eletromagnéticas vindas dos centros urbanos.
[Imagem: Yifu Wu/Unsplash]

Observações pioneiras do universo

O ser humano já possuía registros de observação astronômica muito antes da invenção dos primeiros telescópios. Desde a Antiguidade, povos como os gregos, chineses e árabes faziam utilização de ferramentas para estudar o céu noturno, como as lentes, os astrolábios, e as esferas armilares. Foi a partir do Renascimento Científico, ocorrido no ocidente durante o século 16, que começaram a surgir protótipos do que viriam a ser os telescópios.

O primeiro registro de construção de um telescópio é de 1608, pelo óptico holandês Hans Lippershey. Ao fixar lentes de óculos nas extremidades de um tubo, ele fabricou a primeira luneta – ou telescópio refrator –, e até fez uma solicitação de patente da criação ao governo holandês. A notícia do instrumento espalhou-se rapidamente pela Europa e chamou a atenção do astrônomo florentino Galileu Galilei, que decidiu construir seu próprio telescópio, aperfeiçoando-o entre os anos 1609 e 1610.

Mesmo que Galileu não tenha sido o responsável pela criação da luneta, ele realizou grandes descobertas que revolucionaram não apenas a astronomia, mas também a visão de mundo da época. Ian Ridpath, escritor e divulgador científico inglês, enumera algumas delas em seu livro Guia Ilustrado Zahar Astronomia (Zahar, 2007): 

“Num golpe adicional de que o céu era perfeito, Galileu viu que a superfície da Lua era marcada por crateras e montanhas, não uma esfera plana, polida. E, principalmente, descobriu que Júpiter era orbitado por quatro luas, hoje conhecidas como satélites galileanos; Descobriu ainda que Venûs tem fases, prova que orbita o Sol; e vislumbrou os anéis de Saturno, embora não tenha reconhecido o que eram.” 

Rodolfo Langhi, professor doutor do Departamento de Física da Faculdade de Ciências (FC) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), adiciona que o astrônomo também fez o registro de manchas solares, o que comprovou que a superfície da estrela não é uniforme, como imaginado anteriormente.

Desenhos em aquarela feitos por Galileu Galilei das várias fases da Lua, ressaltando suas crateras.
[Imagem: Galileo Galilei/Wikimedia Commons]

Após décadas de melhorias científicas, uma nova revolução aconteceu em 1668. Neste ano, o célebre físico inglês Isaac Newton construiu o primeiro telescópio refletor funcional ao utilizar espelhos curvos e planos no lugar de lentes. Além dos espelhos serem mais finos, também são capazes de focalizar melhor a luz refletida por eles, o que resolveu um problema de “aberração cromática” – desvio não uniforme de raios de luz com cores diferentes – presente nos telescópios refratores da época. Esse modelo, também chamado de telescópio newtoniano em sua homenagem, é o mais utilizado atualmente por muitos astrônomos e observatórios profissionais.

O primeiro telescópio newtoniano tinha um aumento de cerca de 40 vezes em relação ao olho nu.
[Imagem: David Brewster/Wikimedia Commons]

Olhos gigantes voltados para o céu

“A potência de um telescópio tem a ver com sua área, ou seja, com a quantidade de luz que ele consegue captar”, diz Costa. O professor oferece um exemplo: ao passar de um telescópio que possui 9 centímetros de abertura para um de 90 centímetros, está se multiplicando por dez o diâmetro de abertura e por cem a superfície coletora de luz.

Foi a partir dessa lógica que, com avanços tecnológicos na produção de lentes e espelhos, a comunidade científica passou a ambicionar instrumentos cada vez maiores, no desejo de que melhorias na qualidade e no alcance da observação fossem possíveis.

O telescópio de Herschel possuía armações de madeira para sustentar o seu peso e girá-lo sobre uma base circular.
[Imagem: Andrew Bell e Colin Macfarquhar/Wikimedia Commons]

Duas figuras de destaque nesse período da história da astronomia foram os irmãos William Herschel e Caroline Herschel. Apesar da descoberta do planeta Urano normalmente ser atribuída a William, e Caroline ser considerada a primeira mulher a descobrir um cometa, eles sempre trabalharam em conjunto nos seus projetos.

Um dos mais notáveis da dupla foi a construção de um telescópio refletor de doze metros de altura – ou quarenta pés, já que ele também é chamado de “telescópio de 40 pés” – e com um espelho de 122 centímetros de diâmetro. A estrutura, finalizada em 1789, era de uma escala nunca antes realizada e permaneceu com o título de maior telescópio do mundo pelos 50 anos seguintes. 

A partir daí, os equipamentos passaram a ter tamanhos cada vez maiores e, consequentemente, mais melhorias na qualidade de captura de luz e de observação astronômica. O observatório de Yerkes é inaugurado em 1897, nos Estados Unidos, e passa a operar o maior telescópio refrator já construído, ainda em funcionamento. Em 1908, é a vez do observatório Monte Wilson receber o primeiro grande telescópio do século 20, com um espelho de 1,5 metro de diâmetro. O local ainda seria responsável por abrigar, nove anos mais tarde, um dos instrumentos astronômicos mais importantes da história: o telescópio Hooker. 

Cartão postal representando o domo do observatório Monte Wilson.
[Imagem: Tichnor Brothers/Wikimedia Commons]

Foi nesse grande equipamento, com um espelho de diâmetro de 2,5 metros, que o astrônomo Edwin Hubble comprovou que o Universo ia muito além da Via Láctea e que as então denominadas nebulosas espirais eram, na verdade, outras galáxias extremamente distantes. “Esse telescópio permitiu determinar distâncias e velocidades de galáxias vizinhas, demonstrando que elas são ‘universos-ilhas’ separados”, afirma Langhi.

A partir da descoberta de Hubble sobre o afastamento das galáxias, pode-se comprovar a teoria de que o universo está se expandindo.
[Imagem: State Government Photographer/Wikimedia Commons]

As décadas que se seguiram foram marcadas por um crescimento exponencial da produção de telescópios, com o  surgimento de novos modelos de observação – os radiotelescópios – e contribuição de novos países com investimento e pesquisas, entre eles Japão, China, Rússia, Chile e até o Brasil. 

O intenso desenvolvimento tecnológico ocorrido mundialmente durante o século 20 foi essencial para se chegar na qualidade da observação astronômica atual.“Um telescópio profissional, dos melhores que existem agora em funcionamento, está na faixa dos 8 a 10 metros de diâmetro. Compare isso com a quantidade de luz que entra no olho ou em um telescópio pequeno: são quantidades muito maiores de luz captada em comparação ao olho nu ou a um instrumento menor”, afirma Costa.

O observatório W. M. Keck, no Havaí, comporta telescópios gêmeos com espelhos de dez metros de diâmetro.
[Imagem: Gabe S/Flickr]

Entrando em órbita

Mesmo com a melhoria da qualidade dos telescópios de solo, ainda havia limitações em captar informações de objetos celestes tão distantes. Isso porque a atmosfera terrestre atua como um filtro de diversas ondas do espectro eletromagnético. Ondas infravermelhas, ultravioletas e de rádio não passam completamente, enquanto os raios X e os raios gama são bloqueados. Além disso, a atmosfera não é estática: a turbulência do ar circulante desvia a luz e degrada a qualidade da imagem.

Foi a partir da década de 50, junto ao início da corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, que os primeiros telescópios espaciais começaram a ser produzidos. A leveza dos espelhos em comparação às lentes fez com que os equipamentos do tipo refletor fossem escolhidos para serem enviados para o espaço. E foi apenas em 1968 que o primeiro telescópio espacial obteve sucesso: o OAO-2 (Orbiting Astronomical Observatory 2), da Nasa (National Aeronautics and Space Administration)

Enquanto a primeira tentativa, o OAO-1, sofreu uma falha de energia fatal após seu lançamento, o OAO-2 permaneceu em funcionamento por quatro anos. O instrumento forneceu as primeiras observações astronômicas em raios ultravioleta e serviu de base para outros telescópios espaciais. Entre eles estão: Chandra, com receptores de raios X; Spitzer, com captação em infravermelho; e o grande telescópio Hubble.

“Meu Deus, está cheio de estrelas!”

Graças à sua posição acima da atmosfera, o Hubble não perde luz por absorção, e sua resolução era a melhor possível na época de seu lançamento.
[Imagem: Nasa/Wikimedia Commons]

Lançado em abril de 1990, a bordo do ônibus espacial Discovery, o Telescópio Espacial Hubble revolucionou os pilares da astronomia. Nomeado em homenagem ao astrônomo Edwin Hubble, o primeiro grande telescópio espacial possui um espelho refletor de 2,4 metros e sensores capazes de captar faixas de luz visível, ultravioleta e infravermelha próxima. 

Pelo fato de não sofrer influência da atmosfera, o instrumento já poderia, inicialmente, fornecer imagens de altíssima qualidade, se não fosse por uma falha na curvatura do seu espelho primário. Mesmo com um desvio menor do que um fio de cabelo humano – de acordo com a própria Nasa -, a nitidez das imagens foi comprometida e apenas em 1993 o problema foi corrigido.

Imagem feita pelo Hubble da “Montanha Mística”, região da Nebulosa Carina onde há intensa formação estelar.
[Nasa, ESA, M. Livio e Hubble 20th Anniversary Team/Wikimedia Commons]

As mais de 1,5 milhão de observações realizadas pelo telescópio Hubble contribuíram para a melhor compreensão do universo. Com suas imagens, foi possível comprovar a existência dos buracos negros, descobrir galáxias, refinar as estimativas da idade do cosmos e calcular mais precisamente a taxa de expansão acelerada do universo. Também colaborou nos estudos de novos exoplanetas, expansão de galáxias e até no mapeamento da distribuição de matéria escura no espaço.

Com expectativa de durar 15 anos, a missão espacial do Hubble está há mais de três décadas em atuação. “É uma engenharia bem antiga. Um projeto dos anos 70, início dos anos 80. Ou seja, ela não se beneficia de toda a evolução da tecnologia, dos materiais e da eletrônica das últimas quatro décadas”, diz o professor Costa.

Apesar de, hoje em dia, o telescópio ser considerado tecnologicamente defasado, engenheiros e pesquisadores da Nasa ainda realizam trabalhos remotos que visam estender a vida dele o máximo possível. Mesmo com a recente chegada do seu sucessor, o Hubble tem previsão de permanecer funcionando até meados da década de 2030.

Um dos objetivos do telescópio Hubble foi medir a distância de galáxias remotas, como a NGC 1961, que está a 180 milhões de anos-luz da Terra.
[Nasa/Wikimedia Commons]

Alcançando as bordas do cosmos

É no final de 2021, na manhã de 25 de dezembro, que um dos últimos grandes passos na astronomia foi dado: o telescópio espacial James Webb é enviado para o espaço, demorando cerca de um mês para chegar na sua posição final de órbita ao redor do Sol

Com 30 anos de desenvolvimento e um custo de dez bilhões de dólares, ele foi projetado com o objetivo de observar os estágios iniciais do universo a partir das primeiras galáxias formadas após o Big Bang. Como a luz de estrelas extremamente distantes viaja por bilhões de anos para chegar até a Terra, o James Webb captura como esses astros eram bilhões de anos atrás. No início de 2023, o agora maior telescópio espacial em atuação foi responsável por localizar a galáxia mais distante já encontrada: JADES-GS-z13-0, que possui cerca de 13,5 bilhões anos de idade, ou seja, ela foi formada apenas 320 milhões de anos depois do início do universo.

Outra missão programada para o James Webb é colaborar significativamente para a descoberta e para o estudo de exoplanetas e novos sistemas planetários. Por conta da tecnologia de ponta utilizada em sua construção, será possível medir a composição química da atmosfera de planetas que orbitam outras estrelas. Mesmo que ele não seja projetado para realizar leituras completas, isso será essencial para a investigação de potencial de vida fora da Terra.

A estrutura completa que constitui o James Webb equivale ao tamanho de uma quadra de tênis.
[Imagem: Nasa, Chris Gunn/Wikimedia Commons]

Descrito por muitos como um sucessor do Hubble, o telescópio James Webb possui diversas melhorias e especificidades tecnológicas em comparação ao seu antecessor. “A diferença entre os espelhos do Hubble e do James Webb vai além do tamanho. O primeiro é formado por uma peça única, enquanto o outro é formado por vários espelhos hexagonais”, explica Langhi. 

O conjunto óptico primário, que totaliza 18 espelhos, é bem mais sensível e capta muito mais luz, melhorando a nitidez das imagens. Além disso, o mais novo telescópio espacial atua, especificamente, na captação de ondas em infravermelho. A vantagem é que esse tipo de onda eletromagnética é capaz de atravessar mais facilmente a poeira interestelar responsável por limitar os raios de luz do espectro visível. Essa tecnologia servirá para revelar milhares de objetos celestes nunca antes vistos pela humanidade.

Comparação entre imagens geradas, respectivamente, pelos telescópios Hubble e James Webb dos “Pilares da Criação”, aglomerados de gases e poeira interestelar. 
[Imagem: Nasa’s James Webb Space Telescope/Flickr]

Em comemoração ao aniversário de um ano da divulgação dos primeiros resultados científicos do telescópio James Webb, a Nasa disponibilizou uma imagem inédita da região de formação estelar mais próxima da Terra, o complexo nebuloso Rho Ophiuchi. A gigante nuvem formada por poeira e gases tem, aproximadamente, apenas um milhão de anos, pouquíssimo tempo considerando a totalidade do cosmos.

Autora: Fernanda Zibordi.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.