Abuso e exploração sexual de crianças na Ilha de Marajó voltam a ganhar destaque na mídia.
A maior ilha costeira do Brasil, Marajó, tem cerca de 590 mil habitantes. Praias desertas, culinária peculiar, artesanato e passeios pelos igarapés encantam os visitantes. De acordo com a Secretaria Estadual de Turismo, em 2018 o local recebeu mais de 60 mil turistas.
Recentemente, porém, a cantora gospel belenense Aymeê Rocha ressuscitou uma dura realidade vivida na ilha, a de crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual. A música composta pela artista, e apresentada na semifinal do programa Dom Reality, um show de talentos da indústria gospel, considerado o primeiro reality show gospel do país, cita o desaparecimento, a morte e a exploração sexual infanto-juvenil em Marajó.
O desabafo dela, feito no dia 16 de fevereiro, emocionou o público em geral e comoveu a internet, mobilizando influenciadores digitais que possuem milhares de seguidores no Instagram, a exemplo dos ex-BBBs Rafa Kalimann, Juliette e Eliezer.
A repercussão do caso resgatou o olhar da sociedade para o assunto. O repórter Roberto Cabrini, especializado em jornalismo investigativo, vencedor de diversos prêmios nacionais e apresentador do programa Câmera Record, esteve na Ilha de Marajó para apurar as denúncias. A reportagem do jornalista foi ao ar no programa “Domingo Espetacular” do dia 25 de fevereiro.
“As crianças têm seus corpos usados em troca de alimento”, relata Delia Batista, de 18 anos, moradora da Ilha de Marajó, a ESQUINAS. “Muitas mães, por extrema necessidade, mandam as filhas irem pedir comida nas balsas que chegam. Não acredito que mandam na intenção de que as crianças sejam abusadas, mas sabem que isso provavelmente vai acontecer.”
Para ela, a aceitação por parte das mães virou, de certa forma, algo cultural. “Por verem que não vai ter solução, elas simplesmente deixam acontecer. Vira rotina”, diz.
Problema antigo
Desde 2006, quando foi instaurada uma investigação da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a polícia investiga casos de abuso sexual e exploração infantil na região. Em 2010, parlamentares criaram uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar as inúmeras denúncias.
O colegiado tratou de casos como o do médico e ex-deputado Luis Afonso Sefer, acusado de abusar sexualmente de uma criança de 9 anos, em Belém, capital do Pará. Atualmente, o ex-deputado responde o processo em liberdade.
De acordo com o relatório final de outra CPI, instaurada em 2010 pela Câmara dos Deputados, o Pará possui cerca de 70 rotas de turismo sexual. Tráfico de pessoas, crianças sem certidão de nascimento e insuficiência de policiais são alguns dos problemas locais que acabam contribuindo para situações como essas. Ainda segundo a CPI, laudos médicos e psicológicos podem demorar até oito meses para ficarem prontos, o que faz atrasar a finalização dos inquéritos.
“Nós temos números, mas, na verdade, a realidade é bem pior do que esses números, porque são fatos que acontecem dentro da família, na vizinhança e em todos os lugares, e a maioria dos casos não é levada a providências”, afirma a desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Pará Odete da Silva Carvalho no relatório da CPI.
A Ilha de Marajó apresenta também o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) municipal do Brasil segundo dados do IBGE. De acordo com o representante do Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente do Pará, Diego Martins, isso pode influenciar nos casos de abuso infantil existentes na região.
“O problema da violência sexual contra crianças e adolescentes de modo geral é complexo e tem múltiplos fatores. Então, certamente o fato do IDH ser um dos menores do Brasil contribui para que ocorra situações dessa natureza nas cidades do arquipélago do Marajó”, diz.
Após a polêmica, o governo federal informou, por meio de nota oficial, ações que estão sendo tomadas na ilha. A deputada federal Erika Hilton esclareceu nas redes sociais algumas informações falsas que estão sendo disseminadas. Alguns vídeos que circularam em meios digitais não eram da população local.
Hilton lembrou que, desde maio de 2023, o Programa Cidadania Marajó se apresenta como um novo marco em políticas públicas para o arquipélago. As ações contemplam ajuda das forças de segurança federal, contratação de mais conselheiros tutelares, distribuição emergencial de cestas básicas. Um Centro de Referência de Direitos Humanos estará disponível em breve na região, e o Ministério da Saúde implementará o Programa Mais Médicos e Farmácia Popular, informou a parlamentar.
“Eu entendo que precisa haver um fortalecimento do comitê estadual de enfrentamento a violência sexual e do conselho estadual de direitos da criança e do adolescente”, afirma Martins. “Também é necessária a realização de maiores investimentos para que se efetivem ações integradas nas cidades do arquipélago, com foco na saúde, na educação e na geração de renda, além da segurança pública.”
Autores: Anderson Andrade e Maria Eduarda Orleans.
Fonte: Cásper Líbero.