Jean Piaget mudou a forma como a Psicologia e as Ciências da Educação veem a jornada de nossas vidas, além de como absorvemos qualquer conhecimento.
Ao começar sua jornada acadêmica na Biologia, Jean Piaget não tinha ideia de que suas futuras teorias e conceitos impactariam por completo todas as ciências relacionadas ao homem, tornando suas pesquisas partes incontornáveis dos estudos relacionados à Psicologia e à Educação. Nesta matéria do Laboratório, você entenderá melhor como funciona o aprendizado da criança, e como o processo de crescimento influencia nesse contexto.
O início do pesquisador
Jean William Fritz Piaget foi um biólogo, psicólogo e pesquisador suíço, responsável por criar conceitos que impactam as mais variadas ciências. Suas descobertas se tornaram pontos de ancoragem para abordagens no campo educacional, e sua contribuição científica foi essencial para a consolidação de uma nova forma de ensinar, e, acima de tudo, de aprender.
Jean nasceu em Neuchâtel, na Suíça. Foi onde, aos 10 anos, publicou seu primeiro artigo científico, sobre um pardal albino que o interessou. Dando início ao seu caminho acadêmico pela Biologia, Piaget continuou a se interessar por tudo que envolvia a natureza e o homem. Já adulto, publicou em 1923 seu primeiro livro de Psicologia: A Linguagem e Psicologia da Criança. Ele marca sua longa trajetória de mais de 50 livros publicados, além de um grande acervo de artigos científicos.
Aprendendo como a criança descobre o mundo
Os primeiros trabalhos de Piaget na Psicologia tiveram a influência de Theodore Simon e Alfred Binet, psicometristas que formularam o primeiro teste que permitia “medir” a inteligência de crianças: o teste Simon-Binet. Essa forma de se mensurar a inteligência logo se tornaria, após diversos outros estudos, o conhecido teste de Quociente de Inteligência (QI).
Foi no laboratório dos cientistas que Piaget teve o primeiro contato com crianças, sendo responsável pela padronização de testes diferenciados. Preocupado com a forma que as crianças aprendiam, ele utilizava seu tempo com elas para aplicar conhecimentos de análise clínica, indo além das perguntas básicas esperadas. Jean Piaget procurava compreender por completo o aprendizado de crianças, e, por consequência, de todos os seres humanos.
Seus primeiros trabalhos geraram enormes frutos, pois deram base a um movimento que buscava uma revolução no modo de ensino das escolas: o movimento Escola Nova. Essa nova forma de ver o processo de construção do conhecimento das crianças foi denominado construtivismo.
O ABC do aprender
De acordo com Piaget, tomar um conhecimento para si envolve três passos: a assimilação, a acomodação e a reequilibração. Na mente de uma criança, as informações e descobertas já existentes funcionam numa espécie de esquema cheio das mais diferentes ligações, que acabam por criar novos conhecimentos.
A assimilação é o primeiro passo do processo de aprendizagem. Dentro do grande esquema da mente, toda informação ainda não catalogada é uma novidade, pois não existe em nenhum outro lugar, precisando, então, ser assimilada às outras já existentes nesse espaço.
Em entrevista concedida ao Laboratório, a doutora e docente da Faculdade de Educação da USP, Ana Laura Godinho Lima, explica esse processo de aprendizado. “Assimilação seria um trazer para si aquela novidade. Como tentar compreender com o que é aquilo que eu estou lidando. Um instrumento, por exemplo, eu preciso primeiro assimilar as características”.
A acomodação é o passo seguinte e se trata de buscar um local naquele grande esquema para a nova informação junto às informações já disponíveis. “Acomodação é uma forma de ajustar o seu modo de agir em função daquele próprio objeto. Com um instrumento, eu preciso acomodar o meu próprio corpo, o meu próprio gestual, de modo a manejar corretamente o instrumento”, comenta a professora.
Por fim, acontece a reequilibração. Com a nova informação já assimilada e os conhecimentos prévios relacionados, aquele conhecimento inédito ganha seu lugar oficial em meio a todos os outros aprendizados. A docente finaliza: “No exemplo do violão, por meio de prática, de experiência, de demonstração, aos poucos eu vou alcançando aquilo que chamamos de equilibração. É o momento em que você, enfim, tem condições de ensaiar uma melodia simples e conseguir tocar”.
Os efeitos do construtivismo na educação
O passo a passo do aprendizado de uma criança elaborado por Piaget teve grande impacto na Educação. A lógica das teorias fundamentou diferentes formas de se ensinar dentro do ambiente escolar.
Ter aulas que promovam a independência dos estudantes, trazendo um problema e deixando que eles o resolvam sozinhos a partir de orientações, é um exemplo de como uma aula inspirada nas teorias de Piaget poderia funcionar. A autonomia do educando na sua jornada de se apropriar de conhecimentos é foco central da educação baseada nos estudos do cientista.
Na Educação, existem objetivos específicos nas diferentes formas de interagir com a criança no processo de ensino básico. Trabalhar com brincadeiras e atividades que envolvam o desenvolvimento motor, a construção da fala, as capacidades artísticas, as habilidades afetivas e a inserção no mundo das letras, são exemplos que fogem do padrão de educação bancária – conceito de aula em que o professor expõe e o aluno somente absorve, criticado por Paulo Freire –, tornando o ato de aprender conectado ao que Piaget escreveu em seus trabalhos.
“Na educação infantil, as crianças já são orientadas aos cuidados com a higiene pessoal, a autonomia, a socialização, a interação com o outro e com o meio em que vivem. São inseridos, por meio dessas experiências, os números, as letras, as boas maneiras e o respeito mútuo. Todos estes são aspectos trabalhados de maneira lúdica”, comenta Alessandra Chaves, professora e psicopedagoga da rede básica de ensino.
A professora explica que o brincar é uma das principais formas de gerar interação das crianças, sendo a ferramenta de maior importância no ensino atual. É por meio dele que são construídos aprendizados, criando um ambiente que promove a autonomia do aluno e permite que, de acordo com sua idade, possa aprender de maneira adequada.
Nem todo mundo apre(e)nde da mesma forma
Esses processos da construção de conhecimento em um indivíduo, apesar de sua importância até os dias de hoje, têm opiniões contrárias. De acordo com a Dra. Ana Laura, existem duas críticas principais em cena. A primeira trata-se de como a teoria foi apropriada pelo campo da Educação.
Ao focar somente no indivíduo e no seu desenvolvimento único, Piaget desconsiderou as nuances da cultura em que aquela criança está inserida e os efeitos que isso pode ter em seu processo de aprendizado. Dentro de um determinado contexto, o processo de aprendizado para uma pessoa pode ter um formato e gerar uma compreensão diferente daquela esperada para alguém de fora, que não tem como se certificar que tanto educador quanto educando estão na mesma compreensão em um contexto escolar. Piaget, ao procurar compreender o modo como a criança individualmente pensa, perde a situação sociocultural em que ela está inserida.
A segunda crítica fala que, ao focar somente na criança e em seu processo individual de aprendizagem, o papel do professor vira somente o de um estimulador, que deve garantir o ambiente propício para que esse indivíduo aprenda por conta própria. Ficam perdidos, então, os conceitos da correção e do ensino mais direto, tratando o professor apenas como um mediador do aprendizado, e não como quem ativamente trabalha com a criança para que ela entenda o que é necessário para sua evolução.
A epistemologia genética
Piaget, durante suas décadas de trabalho, tinha como objetivo descobrir como, durante o desenvolvimento humano, passamos de um conhecimento menor para um nível de conhecimento maior. Aliando esse seu desejo com o construtivismo a que deu base, ele chegou a seu maior trabalho enquanto psicólogo e biólogo: a teoria da Epistemologia Genética, que estabelece o caminho da inteligência, do mais básico pensamento da criança até o raciocínio abstrato de um homem adulto.
O artigo “Epistemologia Genética e Construtivismo: Contribuições para a Aprendizagem da Leitura”, dos pesquisadores Maria José da Silva Bezerra e Francisco Roberto Brito Cunha, explica o funcionamento dos estágios dentro da Epistemologia Genética.
De acordo com Piaget, o conteúdo focal da teoria é a ação do sujeito, esse que, interagindo com objetos do meio, constrói estruturas mentais que tornam o esquema de aprendizado cada vez mais complexo, permitindo que o indivíduo se adapte ao ambiente em que está inserido. Essa teoria fala de quatro estágios do desenvolvimento de um indivíduo e quais são as capacidades e aprendizados possíveis em cada um deles.
O primeiro estágio é o sensório-motor, que vai dos 0 aos 2 anos de idade. Relacionado às primeiras experiências humanas, é durante esse período que o bebê vai conhecer a si mesmo e seu exterior. Aqui o indivíduo frequentemente leva coisas à boca, encosta em tudo que puder e desenvolve ações que são a primeira forma da linguagem. É frequente que, após um certo reconhecimento de objetos específicos, a criança comece a se movimentar com gestos para indicar que quer mexer naquilo que ela já conhece ou pretende conhecer mais.
O segundo estágio acontece entre 2 e 7 anos, e se denomina pré-operatório. Aqui, o egocentrismo reina na criança, que constrói suas primeiras ideias lógicas de maneira confusa. Ela acredita que o mundo gira em torno dela e não entende plenamente porque certas coisas ou ações não estão de acordo com seus desejos. É uma fase em que comumente objetos inanimados tomam vida aos olhos da criança, assim como o real e a fantasia se misturam aos olhos dela.
Nomeado operacional concreto, o terceiro estágio ocorre entre os 7 e 12 anos de idade. Aqui, o indivíduo começa a utilizar operações mentais para resolução de problemas, utilizando a lógica para responder a múltiplas demandas de uma vez. O egocentrismo diminui, já que começa a entender as diferenças entre o “eu” e o resto do mundo. Também some a associação entre real e fantasia do estágio anterior.
Por último, o estágio operacional formal ocorre após os 12 anos de idade, onde o agora adolescente consegue pensar de maneira hipotética, utilizando do raciocínio lógico e de um pensamento abstrato antes indisponível para ter conclusões e resolver problemas gerais do cotidiano. Aqui, os indivíduos conseguem entender teorias, criticar sistemas sociais e construir uma moral própria, chegando ao ápice da autonomia dentro do desenvolvimento.
Nas escolas, tudo permanece
Em todos os âmbitos escolares, do ensino do abecedário até as fórmulas matemáticas aprendidas durante o ensino médio, os conceitos que Jean Piaget descobriu são aplicados nos mais diferentes formatos, de maneiras diretas ou mais subjetivas.
Sua contribuição para uma educação mais focada no indivíduo continua importante dentro da sala de aula. Ainda assim, ele não é o único teórico que contribui para o ensino das crianças do mundo. “A escola deve ser um espaço democrático de direitos e deveres, de aquisição de conhecimento e de libertação, sendo assim, aberta a todos os teóricos, de acordo com a necessidade de cada região e de cada educando”, completa Alessandra.
Autor: Lorenzo Souza.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.