Um like, um leitor: o impacto das redes sociais no mercado editorial

O TikTok, o Twitter e Instagram possuem extensas comunidades de leitores que ditam as tendências de vendas.

A internet e as redes sociais foram fatores que mudaram toda a forma de se pensar o consumo dentro da sociedade. O mercado editorial não escapou dessa mudança, mas, ao contrário do que se esperava – ou seja, o completo sumiço do livro físico – as redes sociais somente proporcionaram uma modificação na forma de se consumir literatura. Durante a pandemia, momento em que houve ainda mais utilização dos meios digitais, o número de leitores, principalmente adolescentes, aumentou. Não coincidentemente, o número de produtores de conteúdos sobre livros também expandiu.

Comunidades leitoras em diversas redes sociais

Desde os primórdios da vida na internet e nas redes sociais, o público se divide em grupos de interesses. A questão da influência e produção passou a ser mais debatida nos últimos anos, quando os ganhos financeiros e a visibilidade alcançaram um status maior do que nunca. Ainda assim, muito antes do TikTok, um dos maiores destaques da atualidade, grupos de influenciadores produziam conteúdos para blogs, o que também ocorria na comunidade leitora. A mudança de rede, que ocorreu por volta de 2011 com a ascensão do YouTube, não substituiu os blogs e nem os nomes mais famosos, somente fez com que os produtores já existentes passassem a explorar o novo ambiente. 

Esse é o caso do Livros e Fuxicos, de Paola Aleksandra, que ainda produz conteúdo na plataforma e tem mais de 350 mil inscritos. Muitos outros influenciadores têm canais grandes, como Pam GonçalvesBeatriz Paludetto, Victor Almeida (Geek Freak) e Paulo Ratz (Livraria em Casa). A comunidade de leitores do YouTube é apelidada de BookTube – uma junção de ‘livro’ em inglês e o final do nome da rede, padrão que se repete com as outras redes – e tem uma extensa quantidade de produções que vão desde trends sobre capas de livros até resenhas de mais de trinta minutos de duração. O BookTube já foi considerado o espaço dos “novos críticos literários”.  Hoje, não possui o mesmo impacto, mas ainda é forte no meio. 

Print de tela do YouTube com diversos vídeos sobre booktube
Muitos booktubers interagem entre si, gerando debates de diferentes perspectivas sobre as leituras [Reprodução: YouTube]

No Twitter, o chamado booktt, booktwitter ou booktwt não conta com muitos influenciadores próprios da rede, mas reúne os bookstans – termo em inglês que se refere aos grandes fãs de livros – que seguem uns aos outros quando se identificam como parte daquele grupo. Muitas pessoas chegam aos milhares de seguidores, preenchendo a timeline da rede com indicações, críticas, memes e até trechos dos livros mais famosos entre os grupos. 

Muitas polêmicas sobre editoras e lançamentos começam dentro da comunidade do Twitter e acabam estourando a bolha, como aconteceu em 2020, quando o selo Galera Record foi acusado de, por meio de traduções mal executadas, embranquecer personagens, fazendo com que os fãs da saga Cidade da Lua Crescente (Galera, 2020), de Sarah J. Maas, publicassem tweets em inglês para chamar a atenção da autora, que se pronunciou repudiando a situação. Mais recentemente, no último mês de agosto, membros do booktt também apontaram o possível uso de Inteligência Artificial nas artes da capa da nova edição de Alice no País das Maravilhas, da editora Novo Século, que mais tarde confirmou a alegação e declarou que “arte muda constantemente, se reinventa, é mutável, volátil e, também por isso, incomoda.”

Print de post da Editora Novo Século no Instagram se justificando frente a alegações de uso de Inteligência Artificial nas capas de livros.
Acesse o post aqui. https://www.instagram.com/p/CvNLUxJLMva/ 

Nos comentários da publicação feita no Instagram, as reclamações dos usuários foram inúmeras, demonstrando que os grupos não são engessados, ou seja, um membro do booktt também pode ser, e na maioria das vezes é, um membro do booksgram. Essa comunidade não se difere muito das anteriores e, na verdade, a tendência é de que um influenciador famoso nas outras redes também se destaque no Instagram. Diante disso, as comunidades do Instagram, Twitter e YouTube têm muitos anos e um destaque considerável no mundo dos leitores, mas a chegada do TikTok com o Booktok foi um divisor de águas no mundo editorial e dos influencers

Capas dos livros "A Hipótese do Amor", "Uma Farsa de Amor na Espanha" e "Teto para dois"
Capas coloridas e histórias divertidas ganham o coração dos leitores nas redes [Imagem: Reprodução/Amazon/Editoras Intrínseca e Arqueiro]

Os livros hype

Em vídeos com milhões de visualizações, produtores de conteúdo do TikTok ditam tendências das próximas leituras dos usuários. São inúmeros os exemplos de sucessos alavancados pela visibilidade no aplicativo, muitos deles trajando orgulhosamente os dizeres “Sucesso do TikTok” em sua capa, ou habitando uma parte exclusiva nas livrarias com o mesmo destaque. Esses livros também ficaram conhecidos como “livros hype”. Essa palavra deriva do inglês hyperbole, (hipérbole, no português) que significa exagero, aumento, e que é usada para se referir a coisas que ficam famosas para um grande número de pessoas.

Muitas vezes, uma simples publicação de recomendação ultrapassa a visibilidade que prêmios geraram aos livros. Vanessa Oliveira, gerente de marketing da editora Intrínseca, afirma que “As redes sociais são aliadas, é uma potência importante contar com a facilidade e rapidez que ela traz”, mas ressalta que “tudo precisa ser bem dosado e administrado”.

Em maio desse ano um usuário do Twitter publicou uma foto do livro É assim que se perde a guerra do tempo (Suma, 2022) com a legenda “Leia isso. Não procure nada sobre isso. Apenas leia. São apenas 200 páginas e você pode baixá-lo no Audible, são apenas quatro horas. Faça isso agora, eu estou falando extremamente sério”. O livro, publicado pela primeira vez em 2019, tem em sua lista de premiações os renomados Hugo, Nebula e Locus, todos prêmios literários voltados para fantasias e ficções.

Post no X sobre o livro "É assim que você perde a guerra do tempo" com a mensagem "Leia o livro. Não veja nada sobre ele. Apenas leia-o. São só 200 páginas, você pode baixá-lo em áudio e ouvi-lo em apenas quatro horas. Faça isso imediatamente, estou falando muito sério".
Acesse o post aqui. https://twitter.com/maskofbun/status/1655084850926473216 

Nenhuma dessas premiações teve tanto impacto quanto a publicação no Twitter, que alavancou a edição para o segundo lugar entre os livros mais vendidos da Amazon. Uma das autoras, Amal El-Mohtar, repostou a publicação com a legenda “sem palavras”, mas logo disse que “não entendo o que está acontecendo, mas estou incompreensivelmente grata ao bigolas dickolas”. Na Itália, o livro ganhou uma jacket – parte de papel removível que fica na capa do livro – com o tweet, além de agradecimentos da editora ao fã de Trigun – mangá ao qual o nome de usuário diferente faz referência. 

Post da editora Oscar Vault no Instagram sobre o livro "É assim que você perde a Guerra do Tempo".
https://www.instagram.com/p/CsGW5yctTOD/
O início da legenda diz “E assim a guerra da Amazon foi vencida, graças a um tweet de bigolas dickolas wolfwood (há ANOS que venho dizendo que é uma joia, hein?)”

Para Laís Galdino, estudante de 18 anos, esse tipo de estratégia é uma “uma forma barata de vender”, e não a atrai tanto quanto as recomendações em si. “Às vezes o livro nem está sendo tão comentado e vem impresso na capa ‘famoso no TikTok’, é quase uma substituição daquele selo de best seller, que também era meio duvidoso”.

Em 2022, o impacto das redes na divulgação e nas vendas ficou explícito na lista dos livros mais lidos do ano. Na categoria ficções, divulgada pelo PublishNews em parceria com a Câmara Brasileira do Livro (CBL), aparecem livros como É assim que acaba (Galera, 2016) [1° lugar] e É assim que começa (Galera, 2022) [4° lugar], da autora Colleen Hoover, que é polêmica no meioOs sete maridos de Evelyn Hugo (Paralela, 2017)[6° lugar] e também A Hipótese do Amor (Arqueiro, 2022) [7° lugar]. Todos esses livros receberam muita visibilidade e foram considerados “famosos no TikTok”.

O aplicativo Skoob,  rede social com mais de oito milhões de usuários voltada para registro de leituras, divulgou no final de 2022 uma relação dos livros mais marcados como “lidos” no app: É Assim que ComeçaUma farsa de amor na Espanha (Arqueiro, 2022), Aconteceu Naquele Verão (Intrínseca, 2022) e Leitura de Verão (Verus, 2022) ocupam as primeiras posições. Além de serem romances publicados naquele ano, os livros também têm em comum a popularidade e a alta incidência de resenhas nas redes sociais. 

“Isso [crescimento das redes] se desenvolve à medida que as interações ficam mais rápidas, dinâmicas e personalizadas. O que o TikTok entrega hoje em dia é incrível. Praticamente a cada dia temos um novo viral, o que também tem seus desafios.” 

– Vanessa Oliveira

Laís, que é uma leitora assídua, diz que o hype de um livro influencia sua vontade de comprar a versão física. “Quando vejo todo mundo falando muito bem, sinto que preciso comprar, ter em mãos para marcar, grifar, etc.” Ela conta que sempre que sente vontade de ler algum livro e não tem nenhum em mente, procura indicações no TikTok. Seu gênero favorito é um dos mais comentados no aplicativo: o romance. 

Aumento no fluxo de leitura: vantagens e críticas

Apesar de existirem recortes mesmo dentro dos públicos das redes sociais voltados para livros, alguns predominam aos outros. Livros de romance, como citado, são os que têm mais apelo, mas os dramas e comédias também não ficam para trás. Além disso, chama atenção a questão da representatividade LBGTQIAPN+, que é muito difundida e até mesmo cobrada entre os leitores.

Grande parte das indicações feitas são de livros contemporâneos e voltados para jovens, o que causa uma certa indisposição entre os leitores de clássicos. Nicole Szczerbowski, professora de literatura e produtora de conteúdo, conta que seus vídeos têm um público dividido: quando fala em clássicos da literatura brasileira, os professores e estudantes se interessam mais do que quando fala de fantasias e romances, que despertam maior engajamento dos jovens. 

Foto de Nicole Szczerbowski, mulher branca, com cabelos castanhos e longos. Nicole usa óculos e um vestido de estampa floral.
Nicole tem mais de 4 milhões de curtidas no TikTok, sua rede principal [Imagem: Linkedin/Arquivo Pessoal Nicole Szczerbowski]

Para Nicole, o contato com histórias voltadas ao público jovem é muito importante, e o início em leituras mais práticas e dinâmicas pode levar ao consumo de uma literatura considerada difícil pelo público geral. “Eu acho que literatura infanto-juvenil, romances eróticos e até fanfics são leituras válidas, mas não acredito que as pessoas devam ficar só nisso. Tudo bem ter preferência por esses gêneros, mas é bom pelo menos tentar explorar algo mais complexo, diferente”. 

Ela destaca, ainda, que nem todos os clássicos são de difícil compreensão, e é preciso saber escolher e ter um boa orientação sobre a ordem de leitura de determinados autores, como Clarice Lispector, de quem a professora é muito fã e a quem muitos atribuem a fama de leitura complexa. “Eu sempre falo que tem que ler ela com o coração, tem livros que são assim, você não entende, mas sente”, afirma Nicole. 

Além de proporcionar o maior acesso para as indicações de leitura, as redes sociais também ajudam a alavancar autores de pequenas editoras e autores independentes, isto é, que publicam sem uma editora . Nicole, que produz conteúdos referentes a livros clássicos, a vivência como docente e como leitora, também usa seu alcance para divulgar seus projetos. Escritora desde muito jovem, a professora já lançou um livro de poemas, Fênix em Chamas (Viseu, 2022), um romance, O Girassol e o Amante de Rosas (Independente, 2022), e atualmente divulga um programa de financiamento coletivo, o Catarse, para o lançamento de seu novo livro, a fantasia chamada Os Cavaleiros de Fogo, no qual trabalha desde 2018. 

Nicole conta que sempre quis escrever uma fantasia com romance, mas achava que seria mal vista, até perceber que seu público, majoritariamente de mulheres, parecia gostar desse tipo de literatura, o que a incentivou a seguir com seu sonho. Ela diz que também foi amparada por Cristina Bomfim, também autora independente e ilustradora, que produziu a capa do primeiro livro da professora. “Ela [Cristina] falou que o livro que escreveu, A  sereia sem dons, é um livro que ela gostaria de ter lido com 15 anos, então eu decidi: Eu vou escrever um livro que eu gostaria de ter lido”. 

Laís explica que muitas das recomendações que assiste no TikTok são de autores independentes, e ela acredita que, sem a rede social, não saberia da existência de muitos deles. “Quando o conteúdo que você mais consome no TikTok é de livros, o algoritmo fica ainda mais preciso e a divulgação chega para mais leitores, que vão divulgar também e o livro vira hype”. 

Juntamente com a divulgação pelas redes sociais, a estratégia de registrar o livro no Kindle Unlimited – um serviço de assinatura da Amazon que possibilita acesso a mais de um milhão de livros por um valor fixo mensal – expande o acesso aos livros de pequenos autores. “Eu lia muitos livros de autores independentes, mas depois que eu assinei o serviço, meu consumo aumentou ainda mais”, diz Laís. 

“Em tempos de inteligência artificial e fake news, o mundo ainda precisa (e muito) do elemento humano, permeando todos os processos e relações. Muitas vezes nas interações pela rede social as pessoas esquecem que do outro lado existe também outra pessoa, isso nunca pode ficar de lado!” 

– Vanessa Oliveira

Autora: Nicolle Martins.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.