A história da avenida que se tornou um marco cultural, político e econômico para a nação brasileira.
Localizada no coração de São Paulo, a Av. Paulista representa um dos principais símbolos da identidade paulistana. Seus 2,8 km de extensão são um reflexo das transformações e peculiaridades da cidade desde o século XIX – período de inauguração da avenida–, e simbolizam muito mais que uma simples via. A Paulista é a personificação da diversidade cultural, política e econômica que abrange a cidade.
A construção de um símbolo
A Paulista foi inaugurada no dia 8 de dezembro de 1891 pelo engenheiro Joaquim Eugênio de Lima e o prefeito Dr. Clementino de Souza e Castro, sendo a primeira avenida a ser planejada e asfaltada na cidade. Era necessária uma construção que ligasse a capital, já que São Paulo era considerado um importante polo econômico brasileiro por conta da produção cafeeira, o que fortaleceu a elite paulista e resultou na busca pela maior modernização do território.
Cartão postal da Av. Paulista, séc XX. [Imagem: Domínio Público/ Museu Paulista da USP]
Rodovias, fábricas, portos, e outros indicativos de modernização começaram a ser desenvolvidos no estado e potencializaram a produção e exportação do café. Esse novo ciclo econômico deu destaque para São Paulo, e atraiu – com apoio do governo – um elevado número de imigrantes que buscavam melhores condições de vida e trabalho.
Nesse contexto, a avenida foi criada para aumentar as áreas residenciais da capital, abrigando as residências dos barões de café e da elite que estava se estabelecendo na região. Grandes palacetes e casarões foram construídos na Paulista, como a mansão da Família Matarazzo em 1896. Essas construções resultaram na intensa urbanização da área, além da instalação do primeiro hospital particular da cidade em 1906 e do desenvolvimento dos meios de transporte, simbolizado pelos bondes elétricos inaugurados em 1892.
A mansão Matarazzo foi demolida pela família em 1986, após uma disputa com a Prefeitura de São Paulo. Atualmente o espaço pertence ao Shopping Cidade São Paulo. [Imagem: Reprodução/ Wikimedia]
Em maio de 1927, seu nome foi alterado para “Avenida Carlos de Campos” em homenagem ao ex-presidente do Estado – cargo que hoje corresponde ao de governador. A mudança era uma manifestação política, tendo em vista que o governador apoiava as oligarquias vigentes na época, e, já que os moradores continuaram se referindo a avenida como “Paulista”, durou apenas três anos, com o retorno do nome original em novembro de 1930.
Do residencial para o comercial
O projeto da avenida encantava aqueles que chegavam em São Paulo. Com a vinda de cada vez mais pessoas a partir de 1940, o perfil da cidade e, consequentemente, da Paulista, mudou. O espaço residencial começou a decair e os luxuosos palacetes e mansões foram aos poucos substituídos pelos arranha-céus.
O primeiro edifício erguido na avenida foi o Anchieta, em 1941, considerado um dos principais cartões postais da Paulista na atualidade. A construção representou a intensa verticalização e modernização sofrida pela capital. Além do Edificio Anchieta, em 1955, foi inaugurado o Conjunto Nacional, símbolo paulistano que une moradia, cultura, lazer e comércio no mesmo lugar e abriga a maior livraria física da América latina: a Livraria Cultura.
O Museu de Arte de São Paulo (Masp) foi inaugurado em 1947 como o primeiro museu moderno do país e maior vão livre existente na época. A Inauguração contou com a participação da Rainha Elizabeth II e do Príncipe Philip. [Imagem: Reprodução/Wikimedia]
Atualmente, a Av. Paulista é um dos símbolos modernos de São Paulo e conecta diversos bairros. Hotéis, arranha-céus, bancos, sedes de multinacionais, consulados, museus e diversas outras instalações compõem esse espaço que, além de ser um dos pontos turísticos mais requisitados da cidade, também é considerado um centro econômico por concentrar instituições financeiras importantes.
A presença de grandes shoppings como Center 3, Cidade São Paulo e Pátio Paulista, e a alta concentração de estabelecimentos tornou a Paulista um notório polo comercial. Do artesanato à venda de pinturas e roupas, o mercado informal tem forte presença em toda a extensão da avenida.
Artesanato, axé, literatura e rock’n’roll
Se, durante a semana, a Paulista é tomada por trânsito, pedestres trajados de roupas sociais e pelo ritmo acelerado da vida na capital, o cenário aos sábados e domingos é diferente. A avenida deixa de lado sua posição econômica central em São Paulo e assume a função de palco cultural.
De ponta a ponta, é possível encontrar diversas alternativas de entretenimento para os seus moradores e visitantes, sejam elas exposições, filmes, peças de teatro e até mesmo cursos. O Instituto Moreira Salles, o Masp, o Itaú Cultural, a Casa das Rosas e o Sesc — cujo mirante proporciona vista ampla da avenida — são apenas alguns exemplos do que se pode desfrutar dentre opções gratuitas e disponíveis a preços moderados. Além dos onze centros culturais que caracterizam toda a extensão da Paulista, há um marco que chama a atenção daqueles que passam: a arte de rua.
“É muito libertador poder cantar na rua”, afirma Patrícia Maria Grossi, artista que se apresentava pela segunda vez na avenida, em entrevista à Jornalismo Júnior. Não é raro encontrar, em cada esquina, dezenas de músicos, artesãos, dançarinos, atores e pintores que preenchem o espaço de som e movimento. Seja nos passos dos grupos de dança coletivos, na multiplicidade de cores e formatos das bijuterias à venda ou até mesmo nos cantores que se arriscam em covers de artistas como Michael Jackson e Tim Maia, a Paulista expressa sua pluralidade cultural.
A arte é um dos principais componentes da avenida [Imagem: acervo pessoal/Lívia Uchoa]
Desde outubro de 2015, a Avenida Paulista fica fechada para veículos aos domingos e feriados, das 10h às 16h, para priorizar a circulação de ciclistas e pedestres. A medida, instituída pela gestão municipal do ex-prefeito Fernando Haddad, tem como objetivo ampliar os espaços de lazer para a população da capital e os demais turistas. Anteriormente, o bloqueio era restrito a situações especiais, como a Corrida Internacional São Silvestre, o Réveillon e a Parada LGBTQIA+. Nos dias atuais, por outro lado, as atividades que ocorriam apenas nas calçadas tomaram as ruas, bem como as pessoas que passeiam por lá.
Patrícia afirma que, apesar dos visitantes serem receptivos, costumam passar rapidamente pelos artistas. Mesmo assim, reforça que a Paulista é um ótimo espaço a ser ocupado por músicos independentes em função da autonomia que ganham. “Eu canto o que quiser, no volume que quiser. E tem público para tudo: se eu cantar sertanejo, pagode ou rock’n’roll vai ter gente ouvindo”. Tal como os artistas que se apresentam, os visitantes também são diversos: há pessoas de variadas idades, classes sociais e estilos de vida.
Zé e Tereza, frequentadores da avenida aos domingos, acreditam que o fechamento para pedestres é essencial.
“É muito legal pela mistura cultural que existe aqui. A movimentação da Paulista de domingo mostra que São Paulo tem vida”, declara Zé.
Além das apresentações de bandas, artistas e de amostras de arte no geral, a avenida é usada para a prática de exercícios físicos, como corridas ou aulas de dança abertas ao público, principalmente aos domingos. Sua extensão plana também garante a acessibilidade de pessoas com deficiência.
A estrutura da avenida é adequada para a prática de esportes como ciclismo e caminhada [Imagem: Acervo pessoal/Lívia Uchoa]
Das Diretas Já às Eleições de 2022
De modo a apresentar mais uma de suas múltiplas faces, a Paulista também é importante centro de manifestações, atos e comemorações. Dada a centralidade geográfica, econômica e política que assume em São Paulo, diversos momentos notáveis da história brasileira levaram a população à ela para proferir suas reivindicações e causas defendidas.
Um dos primeiros movimentos massivos vistos na avenida foi o Diretas Já, ocorrido em 1984, quando a ditadura militar enfrentava sinais de desgaste. As manifestações exigiam a retomada do voto popular na eleição do presidente da República.
Cerca de 30 anos depois, em junho de 2013, o local presenciava o início de uma das maiores mobilizações da história da democracia recente. As chamadas Jornadas de Junho tiveram início após forte repressão policial em atos contrários ao aumento da tarifa de ônibus na capital paulista. A partir de então, os protestos tomaram proporção nacional e começaram a englobar cada vez mais cidadãos insatisfeitos com a questão da mobilidade urbana e que denunciavam a corrupção na política e o governo Dilma Rousseff (PT).
Outro evento do cenário político brasileiro que tomou incessantemente a via foi a eleição presidencial de 2022. Em vista da intensa polarização que demarcou a escolha do Presidente da República, a Paulista contou com inúmeros atos, tanto a favor do atual presidente Lula (PT), como de seu oponente, Jair Bolsonaro (PL).
As manifestações de 2022 contra o ex-presidente Jair Bolsonaro reuniram cerca de 10 mil na Av. Paulista [Imagem: Reprodução/ Flickr]
Polivalente e diversa, a denominada “mais paulista das avenidas” continua a ser um dos marcos simbólicos de São Paulo. Tanto para os paulistanos, como para aqueles que vêm de fora da cidade, um passeio pela Paulista é uma imersão cultural diversa e necessária.
Autoras: Lívia Uchoa e Mirela Costa.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.