A busca por informações sobre viagem solo tem aumentado entre as mulheres. O crescimento envolve uma mudança cultural e também os desafios para aquelas que decidem se aventurar nesse meio.
Viajar é sinônimo de conhecer e explorar lugares novos. Há quem guarde lembranças inesquecíveis de viagens ao lado da família, amigos ou companheiros – outros, por sua vez, preferem um roteiro mais rústico, desbravando destinos por conta própria. Uma “viagem solo” – isto é, viajar desacompanhado, pode ser uma experiência transformadora, mas muitos fatores de risco entram em questão. Seria o caso de desaconselhar esse estilo de vida às mulheres? Não é o que as tendências nas redes sociais vêm demonstrando.
As citações ao termo não param de subir, de acordo com pesquisa divulgada do Booking.com, e muitas mulheres vêm se destacando na criação de conteúdos do nicho. Elas compartilham o dia a dia nas viagens e dão dicas às aspirantes. A adesão feminina à experiência de viagem solo tem também um sentido político. Mais do que apenas uma viagem, optar por uma jornada desacompanhada pode ser interpretado como símbolo de resistência.
VIAGEM E [É] LIBERDADE
Por meio das redes sociais, a comunidade se identifica com as hashtags #viajosola – ou #viajosozinha em português – em que mulheres de diversas regiões do mundo se mobilizam e defendem o direito de viajarem e se locomoverem sozinhas e em segurança.
O espaço que antes era dominado pela perspectiva masculina, junto com comentários que limitavam as mulheres que queriam fazer o mesmo, agora é dividido e a conquista desse espaço pelo público feminino, mostra uma mudança de como a sociedade deve enxergar a mulher e, com o compartilhamento feito nas redes sociais sobre viagens solo e seus desafios diários, incentiva que outras usufruam da sua liberdade.
Um exemplo dessa mudança é a influenciadora digital Mary Teles, que começou a escrever um blog durante um mochilão para Bolívia, Chile e Peru durante 23 dias em 2017. Ela afirma que enquanto buscava informações para o roteiro, não encontrava a experiência de viagem sob uma perspectiva feminina.
Com o sonho de conhecer muitos países, mas com amigos que não podiam viajar, a carioca resolveu viajar sozinha. Sua primeira viagem solo foi aos 21 anos enquanto fazia intercâmbio na Ilha da Madeira, em Portugal. Vendo a oportunidade de conhecer os países do mesmo continente, se jogou nessa aventura. “Quando eu fiz a viagem sozinha, foi a melhor experiência. Percebi que não era todo aquele bicho de sete cabeças, que todo mundo pintava e eu também tava achando. Foi uma experiência muito incrível.” Atualmente, pelo seu blog, Instagram e canal no Youtube, Mary incentiva mulheres a terem essa experiência, principalmente por ser uma maneira de autoconhecimento. “A gente aprende a encontrar certas respostas dentro da gente.”
AS PEDRAS NOS SAPATOS
Ainda que vejamos uma mudança sociocultural sobre como as mulheres são vistas, ainda existem desafios a serem vencidos. A viajante Mary Teles afirma que o seu principal desafio foi acreditar que estava tudo bem em viajar sozinha perante todas as circunstâncias já impostas pela sociedade e que causam desconforto espontâneo. ”A primeira semana foi a mais difícil, pois é um momento de transição e misto de sentimentos que constantemente desafia todo viajante por conta de estar num lugar novo, fazer amizades com pessoas desconhecidas”.
“Sair da zona de conforto foi o grande desafio e foi libertador vencê-lo”, relata Mary, que também encarou dificuldades de adaptação com os idiomas em sua jornada pela Europa.
A segurança também é uma das questões a se pensar enquanto viaja. Jess, criadora do perfil @complexica, conta que em relação à segurança pessoal, busca sempre escolher lugares públicos em que saiba ir e voltar. Assim, é possível aproveitar a viagem e adquirir experiência, aprender a calcular o risco e sempre estar segura.
“Durante a viagem, se manter no mercado de trabalho é completamente estressante. Conheci pessoas pelo caminho que tiveram burnout”, relata Jess. Ser nômade digital não é fácil como expõem na internet e parar de romantizar é um desafio que a influenciadora tenta aprender a lidar. “Eu conversei com muitos mochileiros e aprendi que você tem que tirar férias dentro das suas viagens. Você não está de férias, você está trabalhando todo dia.”
Para Jess, o maior desafio é aprender a utilizar sua independência e seu corpo para atingir seus objetivos. Ela conta que durante sua viagem para Bolívia caminhou muito e fazia a maioria de suas tarefas a pé. Chegou a andar cerca de 10Km a noite até sua hospedagem, pois na cidade não havia táxis. Depois dessa experiência começou a se exercitar, entendeu que a independência também dependia do seu corpo. “O meu corpo poderia me levar para qualquer lugar, minha vida cabe em uma mala. Eu não preciso de mais do que cabe em uma mala, e quanto mais coisa eu puser, mais difícil vai ser de me locomover.”
“Emponderamento do meu corpo, foi o maior aprendizado, eu sou capaz de me cuidar, de viver, de me alimentar, de me transportar, e de fazer tudo. Eu não preciso de um homem, eu não preciso de uma família, exatamente para isso, eu preciso pra afetos, para outras coisas. Mas não para eu transitar pela vida.”
Entre suas experiências de choque cultural, Jess lembra de sua viagem para a Argentina. “Na Argentina você pode achar que está sendo muito maltratado, ou mal-recebido. Eles são muito sinceros.” Porém, depois de entender que esse era o jeito dos argentinos, uma fala mais direta, começou a olhar de outra forma. “A partir do momento em que eu entendi que era cultural, e não que eles estavam sendo grossos, eu comecei a achar eles engraçados de fato.”
Nessa mesma viagem, Jess também entendeu que, por vezes, existe a necessidade de fincar os pés em algum lugar por um tempo: “Às vezes você precisa parar, vai estar todo mundo perguntando o que você está fazendo em Córdoba. Aí, você fala: ‘tem eu.’ Eu preciso me cuidar, eu preciso passar uma semana em um lugar pra eu cozinhar e comer minha própria comida. Isso é uma coisa que eu não previa e estou tentando levar numa boa.”
O IMPACTO DA VIAGEM SOLO NO MERCADO
O mercado de viagens solo está cada vez maior, sua expansão atrai mais pessoas e indica uma mudança no comportamento dos viajantes e as mulheres lideram a procura. Em 2017, segundo o Ministério do Turismo, 17,8% delas desejavam viajar sozinhas, já entre os homens essa taxa era de 11,8%.
A pandemia de covid-19 impulsionou esse mercado, com as medidas de restrição, viajar sozinha se tornou mais prático e seguro. Uma pesquisa, realizada com cerca de 20 mil pessoas de 28 países pelo e-commerce de viagens Booking, mostrou que em 2019 25% dos brasileiros viajariam desacompanhados, no ano seguinte esse número passou para 39%. A Overseas Adventure Travel, empresa de viagens, registrou mais de 24.000 reservas para solteiros em 2021. O site Adventure Women também percebeu esse crescimento, e procurou reforçar a oferta de viagens domésticas que possibilitassem o distanciamento no período pandêmico.
No carnaval de 2020, na MaxMilhas, site de vendas de passagens aéreas, houve um aumento de 8% no número de mulheres que compraram voos individuais em relação ao ano anterior. Em 2021 as viagens sozinhas representaram cerca de 19% do total de passagens vendidas pelo site.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo site Solo Female Travelers com 5 mil participantes, as mulheres escolhem viajar sozinhas pela liberdade e flexibilidade (90%), possibilidade de fugir da rotina e das responsabilidades (86%), desafie-se (84%), relaxar, cuidar-se e aproveitar o tempo livre (83%).
Jussara Botelho também empreendeu no mercado, em 2018 criou a Sister Wave, plataforma que conta com site e aplicativo, uma comunidade de apoio à mulher viajante, onde é possível se tornar anfitriã e procurar uma casa para se hospedar; o perfil @elaqueamaviajar, da Rê Talles; o grupo de Facebook ‘Mulheres que Viajam e Mochileiras‘ e agência de viagem a Girls Go são outros exemplos da crescente procura pela viagem solo feminina.
DICAS:
Sem regras ou manual pronto para primeira viagem, as entrevistadas, Jess e Mary, dão dicas para essa aventura:
- Planejar é muito importante para ter estabilidade, explica Jess: “Parece um clichê, mas você realmente organizar, ver no site onde vai ficar. Acho que o mais importante é onde você vai ficar, e eu indico sempre a ficar em hostels.”
- Jess também indica o transporte por aplicativo nos primeiros dias, até entender como funciona a cidade, além de não ter vergonha de perguntar suas dúvidas sobre os locais para quem está ao redor.
- Pesquisar sobre o destino é essencial, saber sobre questões culturais e relatos de outras viajantes. ”Entender o que você está disposto a aceitar ou não durante a viagem.” Por segurança, Mary recomenda viajar com internet e compartilhar a localização com pessoas confiáveis.
- Se for passar um período mais longo, ter rotina é indispensável. “Eu não posso abrir mão da minha rotina, essa a única coisa estável.”, destaca Jess.
- Ambas as viajantes reforçam a importância de seguir a própria intuição e ir para lugares que saibam o caminho.
Autoras: Bruna Bitencourt e Victória Abreu.
Fonte: Cásper Líbero.