Dublado X Legendado: perspectivas rivais no audiovisual

Desde fluência em outros idiomas até a melhora de atuações fracas, os diferentes motivos para o embate entre os que amam e odeiam a dublagem não é novidade no cinema.

No Dia do Dublador, dia 29 de junho, foi lembrado que tanto a dublagem quanto a legendagem surgem para quebrar barreiras linguísticas e permitir que pessoas de diferentes países tenham acesso ao cinema estrangeiro, sendo importantes para o audiovisual. Porém, isso não impede que o público escolha um lado e até mesmo rivalize as duas formas de tradução.

A rivalidade entre fãs de filmes dublados e legendados pode nascer de diversos fatores. Os defensores da dublagem alegam que existe elitismo por parte de um público que só aceita ver obras legendadas. Estes, por sua vez, afirmam que a dublagem faz com que o espectador perca parte da atuação original.

As origens da dublagem

De 1895 até os anos 1900, só havia o cinema silencioso, logo ainda não existia uma barreira linguística. Porém, entre os anos 1900 e 1920, diversas empresas da indústria passaram a buscar tecnologias para captar o áudio das produções. Quem alcançou sucesso nesse desafio foi a Warner Bros., que em 1927 lançou seu primeiro filme com áudio graças ao sistema da Vitaphone.

A produção O Cantor de Jazz (The Jazz Singer, 1927) marca o nascimento do cinema falado [Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures]

Rapidamente, o cinema com áudio falado se tornou o padrão. Assim, surgem novos desafios dentro da indústria, sobretudo aqueles ligados ao idioma, sonoridade de vozes e dicção de atores. É a partir desse ponto que a dublagem começa a dar seus primeiros passos na indústria, com os chamados de “dublês de voz”, que sincronizavam as falas durante a gravação das cenas no estúdio. 

Em um primeiro momento, a maioria desses profissionais servia para dar aos atores a voz esperada pelos diretores, já que na época a dublagem posterior à gravação não acontecia por conta de problemas técnicos envolvendo o ruído. Dessa forma, Hollywood optou pela legendagem de seus filmes como uma proposta mais simples e barata. As coisas começaram a mudar em meados da década de 1930, quando os microfones ganharam melhorias e o problema do ruído foi solucionado, tornando a dublagem para outros idiomas um caminho possível.O primeiro registro da prática data de 1932, com o filme francês Entre Duas Águas (Devil and The Deep, 1932). Não demorou muito para que a Itália também começasse a distribuir filmes dublados, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, com o fascismo de Mussolini, que proibia a veiculação de mídias no idioma inglês, com o objetivo de coibir propaganda inimiga no país.

O cinema sonoro no Brasil

As primeiras exibições sonoras no Brasil aconteceram em 1929, em cinemas das grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro. No mesmo ano, também foi lançado o primeiro filme nacional com áudio, Acabaram-se os Otários (1929), do diretor Luiz Barros. O  projeto foi viabilizado graças aos seus esforços em produzir equipamentos nacionais de exibição, além do sistema de som brasileiro, chamado de Sincrocinex. Por outro lado, naquele momento as exibições de filmes estrangeiros ainda aconteciam de forma legendada.

Ao longo da década de 1930, tentou-se ganhar a atenção dos brasileiros para os filmes internacionais a partir das dublagens feitas em Portugal, entretanto, o sotaque europeu não agradou a audiência. A grande mudança veio com o lançamento do primeiro longa-metragem da Walt Disney Studios, Branca de Neve e os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs, 1937). A animação custou valores muito altos para os padrões da época e seu estúdio precisava recuperar o investimento e lucrar sobre a obra com urgência, mas a missão era difícil com o período frágil que a economia europeia enfrentava naquele momento. Dessa forma, a melhor solução para a Walt Disney era investir em outro público-alvo: o mercado latino-americano. O clássico chegou ao Brasil em 1938 e a produção foi muito bem recebida na forma dublada.

Desde então, a dublagem no país foi ganhando seu espaço e se consolidando, sendo um dos momentos mais expressivos a partir da década de 1970, quando a televisão se popularizou no país e as emissoras passaram a importar conteúdos externos que precisavam de adaptação linguística.

Atualmente, a dublagem e as legendas coexistem nas mídias estrangeiras que circulam no Brasil. Entretanto, essa variedade rivaliza os espectadores  de obras dubladas e legendadas. 

A relação dos brasileiros com os outros idiomas

Entretanto, esses dados apresentam diferenças quando falamos de pessoas mais jovens com acesso ao ensino superior. Em uma pesquisa feita pela repórter Fernanda Silva da Jornalismo Júnior, em que foram entrevistadas 38 pessoas entre 18 e 29 anos que tiveram ou têm acesso às universidades, o formato legendado foi o  favorito. Dentre os entrevistados, 81,1% afirmaram gostar mais dos filmes com o áudio original e legendas, contra apenas 18,9% que demonstraram gostar mais das obras dubladas.

Pesquisa feita por Fernanda Silva em abril de 2024 [Imagem: Reprodução/Freepik]

A partir disso, surgem questionamentos: a preferência pelas legendas tem um fundo elitista? A dublagem é popular por conta da falta de acessibilidade aos novos idiomas? Para entender melhor este embate, a Jornalismo Júnior conversou com duas pessoas que estão em lados opostos da disputa.

Em defesa da dublagem
Ian Luz trabalha fazendo dublagens há 6 anos [Imagem: Arquivo pessoal/Ian Luz]

O dublador Ian Luz já emprestou a voz para personagens de filmes, séries, animes e games, como por exemplo, The Walking Dead (2010-2022), Demon Slayer (2019-2022) e Harry Potter: Hogwarts Legacy (Portkey Games, 2023).  Ainda criança, gostava de imitar vozes e repetir falas de comerciais e obras audiovisuais em geral. Sobre essa preferência ao legendado na pesquisa, Luz acredita ser parte de um sentimento de “viralatismo” que os mais jovens carregariam, subvalorizando produções nacionais, desde a dublagem.

Ele conta, também, que a globalização provoca a necessidade em consumir conteúdos o mais rápido possível: “Se você quer assistir um anime que saiu agora, dificilmente vai ter uma versão dublada, que demoram um tempo para chegar”. A experiência de Luz como professor de inglês reforça sua crença sobre a relação entre a fluência dos brasileiros no idioma e a perda de conteúdo que a legenda traz. Para ele, não se trata de uma preferência pelo idioma, mas da necessidade de fugir dos spoilers. Ele conta como o hábito de maratonar para fugir dos spoilers, quando muitas vezes a versão brasileira ainda não saiu, reforça o hábito de rejeitar a dublagem. 

O dublador destaca a importância de uma boa direção de dublagem. Deve-se fazer um trabalho para que haja uma adaptação o mais próximo possível da realidade mas também apresenta casos onde a dublagem pode até mesmo melhorar uma obra, melhorando a atuação de protagonistas falhos. “Se você assistir Space Jam legendado, vai ver que todas as falas do Michael Jordan são duras, são retas, porque ele não tem interpretação para falar, ele decorou um texto e reproduziu”, opina Ian Luz ao relembrar a dublagem de Luís Fire Mota, ator e colega de profissão, conhecido pelo trabalho como Stallone, “Assistir Space Jam dublado é 100 vezes melhor!”.

O jogador de basquete Michael Jordan protagonizou a produção Space Jam: O Jogo do Século (1996), apesar de não possuir nenhuma formação em artes cênicas [Imagem: Reprodução/Warner Bros. Pictures Brasil]

Em defesa das legendas

Dentre os participantes da pesquisa elaborada por Fernanda Silva, está a estudante de jornalismo Malu Vieira, que acredita que as legendas são a melhor forma de se assistir a filmes e séries. A jovem conta que se habituou a consumir obras com o áudio original desde quando aprendeu a ler, a fim de sincronizar o timing das falas. A jovem conta que sua mãe sempre assistiu filmes na língua original, então ela logo aprendeu a acompanhar as legendas, comportamento que mantém até hoje.

Segundo Vieira, sua motivação para assistir obras legendadas é por acreditar que as emoções dos personagens ficam mais evidentes com o áudio original. Além disso, ela afirmou sentir que gritos e risadas tendem a soar forçados quando dublados. Sobre a preferência da maioria dos jovens pelo legendado, ela afirma ser resultado de um amor pela sétima arte em sua verdadeira forma: “O áudio original mantém a essência da obra, e os jovens estão cada vez mais amantes do cinema e das séries, por isso se acostumaram a vê-las legendadas.”

A cinéfila Malu Vieira é uma das fãs que prioriza as produções legendadas [Imagem: Arquivo pessoal/Fernanda Silva]

Apesar de preferir o áudio original, a estudante não nega que a dublagem tem seu lado divertido. Ela destaca que em muitos filmes de comédia, a dublagem sabe deixar a história mais engraçada para o público brasileiro. Durante a conversa, ela relembrou o sucesso da dublagem de As Branquelas (White Chicks, 2004). A estudante conta que o filme soube adaptar as piadas para o idioma português, já que algumas falas não exigem apenas uma fluência no idioma mas também uma fluência cultural para compreender certos elementos. “Eles conseguem trazer [as piadas] para o nosso cotidiano, com algumas adaptações que fazem com que seja realmente engraçado para os brasileiros”.

Além disso, também concorda que a dublagem é um meio de promover acesso aos filmes para públicos diversos: “A dublagem é um fator que ajuda deficientes visuais que não falam a língua original do filme a poder também ter a garantia do acesso ao cinema”.

O filme As Branquelas é conhecido no Brasil por sua dublagem divertida. [Imagem: Reprodução/Columbia Pictures]

Autora: Fernanda Silva.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.