Na primeira Copa do Mundo FIFA dos anos 2000, o Brasil enfrentou desafios para conquistar a sua quinta taça da competição.
O dia 30 de junho de 2002 fica marcado para sempre na história do futebol, quando a seleção brasileira derrotou a Alemanha por 2 a 0 em Yokohama, Japão. Graças a essa vitória, o Brasil se tornou o primeiro e único país a ganhar cinco vezes a Copa do Mundo FIFA.
O pentacampeonato chegou após oito anos da conquista do tetra e quatro anos depois da derrota para a França, na final da mesma competição. A equipe, que contava com craques como Ronaldo Fenômeno, Rivaldo, Roberto Carlos, Cafu, Ronaldinho Gaúcho e outros talentos, conseguiu a primeira conquista de Copa do Mundo com vitórias em todos os jogos, surpreendendo os torcedores sem esperança.
Antes da glória, o desastre
Para entender essa trajetória, é necessário voltar para a Copa do Mundo na França, em 1998. A seleção brasileira possuía Zagallo como técnico — em sua convocação, trazia novas jóias do futebol, mesmo que desfalcada de Romário, melhor jogador no sucesso do tetracampeonato —, que fez uma boa campanha e, depois de cinco vitórias e uma derrota, a equipe chegou pela segunda vez consecutiva à final do torneio.
Em 12 de julho de 1998, Brasil e França disputaram pela taça de campeão mundial; o resultado: 3 a 0 para a equipe francesa. Com dois gols de Zidane — considerado pela FIFA o melhor jogador daquele ano — e um de Marcel Desailly. Ainda hoje, esse dia é lembrado com tristeza pela nação brasileira.
“Ronaldinho [Fenômeno] está fora da decisão de Brasil e França”, anunciou Galvão Bueno, ex-narrador da Rede Globo, após a leitura dos jogadores que seriam escalados para a grande final. A incerteza da presença do melhor jogador da Seleção em campo angustiava os torcedores brasileiros. O motivo da ausência seria explicado apenas após a partida: horas antes da disputa, o ex-camisa 9 sofreu uma convulsão, ao lado de seu amigo e também jogador da Seleção, Roberto Carlos.
No momento em que seus companheiros de equipe chegaram para o jogo, Ronaldo estava no hospital, passando por uma bateria de exames para entender o ocorrido — hoje, entendido como decorrente do estresse. A situação não impediu que o atleta jogasse, porém longe de seu patamar técnico. Não é possível saber se a história seria outra caso o Fenômeno não jogasse, mas quando se tem um jogador deste nível, é difícil decidir por mantê-lo no banco — o substituto em questão seria o Edmundo.
Um novo ciclo de Copa do Mundo se inicia
Após essa derrota, os resultados das partidas Eliminatórias para a próxima edição da competição não passaram confiança para os brasileiros. Em 18 jogos, a equipe do Brasil conseguiu nove vitórias, com passagens de quatro técnicos diferentes (Vanderlei Luxemburgo, Emerson Leão, Candinho como interino e Felipão).
A Seleção atingiu a terceira colocação na tabela, mas por muitos momentos correu o risco de não se classificar para a Copa — o que nunca aconteceu. A equipe só passou a ter mais sucesso com a chegada daquele que seria o técnico do penta: Luiz Felipe Scolari, o Felipão.
Felipão foi o técnico que levou a Seleção à conquista da quinta estrela [Reprodução/Instagram: @felipao.scolari]
Em entrevista ao Arquibancada, Robson Morelli, jornalista que cobriu a seleção brasileira na Copa do Mundo de 2002, afirma que, no preparatório para a competição, existia uma pressão grande para que o Brasil se classificasse. “É o único país que sempre participou das Copas do Mundo, então houve uma apreensão muito grande. ‘Como a seleção brasileira não vai conseguir se classificar para a Copa do Mundo?’, era aquele assunto que estava em todo lugar. Felipão chega e consegue unir um grupo que estava perdido”, explica.
Durante a Copa América de 2001, o treinador pôde ter mais contato com seus jogadores, já que, diferente de partidas das Eliminatórias, a comissão técnica e os atletas convivem ao longo da competição. Assim, a equipe pôde se unir e formar a seleção que ficaria conhecida como “Família Scolari”.
O “Baixinho” e polêmico, Romário, foi uma das dúvidas entre os jogadores que fariam ou não parte da Seleção. Por fim, aquele que brilhou na Copa de 1994 não foi convocado para a busca do penta em 2002. A decisão de Felipão não foi bem aceita pelos torcedores, que apesar de saberem do comportamento do jogador, conheciam seu talento dentro de campo.
“Felipão bateu no peito e falou: ‘Não vou levar o Romário’. Teve um clamor popular, do Rio de Janeiro sobretudo. ‘Como é que pode não convocar o Romário?’. E o Felipão manteve a sua opinião, apostou muito em Ronaldo e Rivaldo”
Robson Morelli
A trajetória da Seleção na Coreia do Sul e Japão
A “Família Scolari” chegou então para disputar a Copa do Mundo FIFA em 2002, a primeira edição que aconteceu em dois países, Coreia do Sul e Japão. O Brasil foi sorteado no grupo C, junto com as seleções da Turquia, China e Costa Rica. Aparentemente, não tinha com o que se preocupar, o que trouxe boas expectativas para os torcedores brasileiros.
O primeiro jogo aconteceu em Ulsan, na Coreia, e o adversário do Brasil na ocasião foi a seleção turca. Quem abriu o placar foi a Turquia, com um gol de Hasan Şaş — o jogador revelou em entrevista para o documentário “Os bastidores do penta”, produção da Netflix, que, até hoje, é lembrado por aquele gol.
O primeiro tempo terminou com o Brasil atrás no placar, mas aos 5’do segundo tempo, Ronaldo empatou o jogo. Aos 43’, após um lance controverso, Rivaldo faz um gol de pênalti, mal marcado após uma falta cometida fora da área em Luizão, atacante brasileiro. Assim, se concretizou a primeira vitória brasileira na Copa de 2002.
Rivaldo marcou oito gols em Copas do Mundo com a Seleção [Reprodução/Instagram: @edimilsonoficial]
“Aquilo foi além da nossa imaginação, a vida na Turquia parou em vários lugares”
Hasan Şaş, em entrevista à Netflix
O próximo jogo foi contra a China, e aconteceu em Seogwipo, na Coreia. Dessa vez, um jogo tranquilo, com vitória brasileira por 4 a 0 e gols dos “R’s” da Seleção, Roberto Carlos, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Fenômeno. Para finalizar a fase de grupos, o último jogo foi entre Brasil e Costa Rica — a partida contou com sete gols no total e uma vitória por 5 a 2 para a equipe brasileira, que começou abrindo 3 a 0, quase levou o empate, mas depois se restabeleceu na partida.
Com essas três vitórias, a Seleção se classificou em primeiro lugar para as fases eliminatórias, em que qualquer deslize poderia fazer a equipe voltar para a casa mais cedo. Em Kobe, cidade japonesa, o adversário brasileiro nas oitavas de final foi a seleção belga.
A adversária do Brasil abriu o placar com um gol de cabeça do capitão Wilmots, mas graças a uma falta cometida em Roque Júnior, o gol foi anulado — hoje, o lance é visto como não faltoso. Foi então aos 22’ do segundo tempo que Rivaldo, camisa 10 do Brasil, empatou o jogo; o segundo gol foi de Ronaldo Fenômeno, jogador que brilhou no ataque ao lado do autor do primeiro gol.
As equipes do Brasil e da Inglaterra — aquela que ficou conhecida como “Seleção de Ouro” — se enfrentaram nas quartas de final. Quem abriu o placar foram os ingleses, com gol de Owen, que se aproveitou de uma falha na defesa brasileira. Mais uma vez, levar o primeiro gol do jogo não abalou a equipe do Brasil: ainda no primeiro tempo, Kleberson ganhou uma dividida, que foi parar nos pés de Ronaldinho Gaúcho. Antes do meio-campo, o jogador partiu até a grande área e fez o passe para Rivaldo, que empatou o jogo.
No começo do segundo tempo, Ronaldinho cobrou uma falta direto e fez um belo gol, porém o alívio da virada não fez com que o Brasil não passasse mais sufoco, e pouco depois Gaúcho foi expulso. Mesmo com um jogador a menos durante quase todo o segundo tempo, a seleção brasileira manteve o placar e conquistou mais uma vitória.
Nas semifinais, a Seleção teve um reencontro da fase de grupos ao enfrentar a Turquia mais uma vez. Assim como no primeiro confronto, o jogo foi acirrado, mas com um agravante: o sentimento turco de vingança, pelo lance do pênalti injusto no jogo anterior. Mesmo com uma lesão na coxa, Ronaldo jogou e, aos 49’, fez um gol com chute de três dedos — posteriormente, ele revelou que essa era a única maneira que não sentia dores. Pela terceira vez consecutiva, o Brasil era finalista da Copa do Mundo.
Dois dias antes desse jogo, surgiu um marco daquela Copa: o famoso corte “cascão” de Ronaldo, que passou a ser o foco principal no lugar de sua lesão. O ex-camisa 9 foi o artilheiro daquela edição e, hoje, é impossível imaginar o penta sem a sua presença, mas depois de romper todos os ligamentos e o tendão do joelho direito dois anos antes da competição, o jogador teve que vivenciar uma história de superação.
“Na Coreia do Sul e no Japão, Ronaldo fez trabalho [fisioterapêutico] totalmente diferente dos outros jogadores, por causa do joelho”, relata Robson Morelli, que acompanhou o processo de perto. Além disso, ele ainda afirma que o jogador foi uma aposta do técnico Felipão.
2002 foi a sexta final de Copa do Mundo para o Brasil [Reprodução/Instagram: @edimilsonoficial]
A grande final
Após seis vitórias, finalmente chegou o momento da grande final. No Estádio Internacional de Yokohama, a Seleção enfrentou a poderosa seleção alemã, que contava com o goleiro Oliver Kahn em seu elenco, considerado pela FIFA o melhor jogador da competição, antes mesmo do último jogo.
“Todo mundo pensava que poderia, em 2002, acontecer diferente, não acontecer de novo, mas e se acontecer? Como é que a gente vai cobrir isso? Como é que a gente vai informar isso? Então tinha que ter alguém já informando, e nessa final eu fiquei”
Robson Morelli, sobre como os jornais lidaram quatro anos após a convulsão de Ronaldo
A foto oficial do Brasil foi diferente, com 23 jogadores ao invés de 11 — a ideia foi do reserva Vampeta, que não queria que apenas os titulares fossem lembrados. A atitude representava bem aquela equipe, na qual mesmo antes dos mais de 50 dias juntos na concentração para a Copa, já era chamada de “Família Scolari”.
No jogo — e durante toda a competição —, o goleiro alemão fazia uma partida perfeita, mas errou quando não podia e, para o alívio dos brasileiros, aos vinte e dois do segundo tempo Ronaldo chuta para o gol, como um centroavante nato, o rebote da única bola que Kahn não conseguiu agarrar durante o jogo, o Brasil estava na frente e mais perto do título. A conquista se concretiza quando, aos 34’, o ex-camisa 9 marcou mais uma vez, após passe de Kleberson e corta-luz de Rivaldo.
Quando Cafu, capitão do Brasil e lateral-direito que havia participado das três últimas decisões da Copa do Mundo, ergue a taça, o Brasil se consagra como o primeiro e único pentacampeão mundial de futebol.
O que vem depois da vitória?
“Ganhar uma Copa do Mundo coloca o país em evidência, traz crescimento para o futebol nacional. E lá na hora foi uma festa danada. O Brasil foi bem, existia a ‘Família Scolari’, existia essa comunhão dos jogadores com a comissão técnica e até com parte da imprensa. Quando precisa contar uma história triste, a gente conta, mas quando tem que fazer matéria sobre uma vitória, fazemos também”, relata Morelli sobre como foi vivenciar e escrever sobre a conquista.
Ronaldo entrou em seleta lista de jogadores com duas Copas do Mundo, atrás apenas de Pelé [Reprodução/Instagram: @ronaldo]
Ganhar um título como esse é sempre motivo de comemoração, o que não seria diferente para a seleção brasileira, reconhecida pelo seu bom humor. A viagem de volta para casa era longa, mas, depois de 24 horas voando, a equipe chegou em solo brasileiro, recebida por quatro aviões da Força Aérea Brasileira que parabenizaram os pentacampeões.
A primeira parada foi Brasília, onde os atletas foram condecorados com uma medalha entregue pelo presidente da República à época, Fernando Henrique Cardoso — 500 mil pessoas foram às ruas para recepcionar os heróis. Foi nesse momento que Vampeta protagonizou uma cena memorável, em que, após receber sua medalha com a camisa do Corinthians, desceu a rampa do Palácio do Planalto com cambalhotas.
Expectativas para o hexa
Infelizmente, a Seleção não pôde comemorar um título em mais nenhuma das cinco Copas do Mundo seguintes ao penta. Em quinto lugar na tabela das Eliminatórias para 2026, com apenas três vitórias em oito partidas, os torcedores não têm esperança na equipe.
Para Morelli, o Brasil está na estaca zero quando o assunto é Seleção. Ele ainda acredita que, nessa atual geração, um único jogador foi valorizado — Neymar —, um tipo de sistema infuncional para seleções campeãs, que valorizam o grupo e não o individual. E essa agora deve ser a prioridade de Dorival Júnior, atual técnico da seleção brasileira, a formação de um time unido. “Eu diria que o Brasil está mais longe de ganhar o sexto título do que de festejar outra conquista”, completa o jornalista.
Autora: Yasmin Constante.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.