Na tarde do dia seis de fevereiro, uma sexta-feira, as aulas foram encerradas mais cedo por falta de energia.
“Pode ir embora, sua mãe autorizou.” Apesar do receio, teve de sair da portaria do colégio e ir para casa acompanhado da sua vizinha. As aulas tinham sido suspensas pelo dia porque a energia acabou e, no colégio, não tinha uma única sala com iluminação natural, então era inviável continuar as tarefas. Já tinha sido chamado pelo segurança do colégio três vezes, mas não entendia, sua mãe nunca deixou de buscá-lo e sempre lhe deu ordens para que não saísse daquele prédio com mais ninguém. Ainda assim, agora estava na rua, junto da vizinha.
O caminho para casa era curto, morava na rua de cima do colégio e, apesar disso, foi uma das caminhadas mais longas da sua vida. Não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. A vizinha falava que sua família estava se arrumando para a viagem e ninguém pôde buscá-lo. Que viagem? Nunca tinha ido viajar e, mesmo que fosse viajar em breve, teria sido avisado. Para se somar ao turbilhão de pensamentos, a vizinha também se recusou a ir pelo caminho mais curto. Ao invés de pegar a viela que cortava o quarteirão, decidiu seguir reto na Rua Ibiquara, virar à direita para a Rua Húngara e seguir para casa.
Virando na própria rua viu um caminhão de bombeiros fechando a via, interrompendo o acesso de carros, motos e curiosos, mas não o da vizinha e do menino, que seguiram caminhando. E andando pelo meio da rua, não conseguia entender o que tinha acontecido. Os fios de alta-tensão – cabos mortais estendidos pelos postes, não sabia como funcionava, mas os temia – estavam espalhados pela calçada e, em cima de sua garagem, um tronco de árvore perfurava a telha. A mesma árvore que, durante a infância inteira do garoto, servira para que ele observasse insetos e pássaros, para que ele tomasse sombra e que tentasse escalar.
O menino viu sua mãe, seu pai e sua irmã. Estavam falando com os bombeiros e, naquele momento, se sentiu aliviado, todos estavam bem. A casa, na qual tinha morado desde que nasceu, entretanto, estava interditada e eles logo seriam despejados para que se realizassem reparos.
De repente, a árvore que sempre esteve naquela calçada também virou a fonte de seus problemas. Mudando de casa, talvez de colégio, longe do quintal em que aprendeu a andar de bicicleta, onde seu pai lhe ensinou a jogar futebol e no qual, de tempos em tempos, via sua família fazer festas, não podia sentir outra coisa que não raiva daquele tronco podre e infestado de cupins.
A árvore caiu e a vida do menino mudou. A vizinha já não era vizinha, a casa nova não tinha quintal e o colégio exigia uma viagem de pelo menos uma hora na ida e na volta. Odiava tudo, os cômodos, a mobília organizada na pressa e a laje na altura dos fios de alta-tensão que tanto o assustavam. Talvez a única vantagem era a ausência de árvores ao redor do imóvel para atrapalhar sua vida.
O menino não tinha percebido ainda que o problema não era a árvore. Odiava mudanças, mas a árvore nada tinha a ver com isso. Uma outra crise viria, e outra, e outra, e outra e continuariam a vir por toda sua vida. O menino achou na sua primeira tragédia pessoal uma figura para odiar, mas por anos falhou em entender que essa figura não era sinônimo de seus problemas.
Só muito mais velho, depois de anos sofrendo de medo ao ver as chuvas e ventos desafiando os troncos nas ruas, foi capaz de se perguntar o que era o ‘x’ da questão, o é da coisa: O que é ser, para todo ser que é? A árvore era isso, uma árvore. Seus galhos velhos e suas folhas verdes nada tinham a ver com o seu sofrimento. Era apenas uma árvore, que fora um marco da sua infância, uma casa para gerações de insetos e pássaros e uma sombra nos dias quentes, mas antes disso era só e apenas uma árvore.
Autor: Patrick Taconelli Palhares.
Fonte: Cásper Líbero.