Dá para acreditar no que falam de finanças nas redes sociais?

O cenário de produtores de conteúdo de finanças e veículos de jornalismo econômico muda com o crescimento da influência de bancos e fundos de investimentos.

A jornalista Denyse Godoy publicou, em outubro de 2023, a reportagem “O jornalismo de economia sob o controle da Faria Lima” na Revista Piauí, um resultado de cinco meses de apuração e seus anos de experiência em jornalismo econômico. Segundo ela, inúmeros veículos de economia do país são de propriedade ou controle de bancos, que, por sua vez, investem em redações especializadas na produção de notícias econômico-financeiras.

Também em outubro, a Anbima, Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, publicou a quinta edição do relatório Finfluence, que mostra um panorama geral das pessoas e empresas que produzem conteúdo sobre finanças e investimentos para as redes sociais. O estudo é feito em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados e mostra que o cenário não é muito diferente dos grandes jornais econômicos.

Quem informa? 

A Data Reportal demonstra que, no Brasil, os influencers estão dentre as três primeiras categorias de perfis mais seguidos nas redes sociais, perdendo apenas para pessoas dos círculos sociais próximos e músicos. Para realizarem pesquisas sobre marcas em geral, por exemplo, 70% dos usuários utilizam as redes sociais como fonte primária de informações.

No país, os influenciadores que publicam sobre economia somam 515 perfis e mais de 170 milhões de seguidores. O X, ex-Twitter, continua sendo a rede com a maior porcentagem de posts, 47%, porém apresenta uma tendência de queda quando comparado à série histórica. Já o YouTube, o Instagram e o Facebook têm tendência de aumento. Nesse cenário, os canais do YouTube são os ambientes que proporcionam a maior quantidade de engajamento, uma média superior a seis mil interações por post.

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No país, os influenciadores que publicam sobre economia somam 515 perfis e mais de 170 milhões de seguidores.
Foto: Pexels

O relatório da Anbima também cria um ranking das maiores personalidades da área, divididas em 13 categorias como: produtores de conteúdo, analistas de casas de investimento ou independentes, traders (operadores do mercado financeiro) e especialistas.

Os dez maiores canais ou influenciadores são compostos majoritariamente produtores de conteúdo a exemplo de O Primo Rico, Economista Sincero, Carol Dias e Bruno Perini, definidos pela Anbima como os que fazem análises de mercado. Entre os conteúdos, estão dicas de ações de maneira menos aprofundada, sem fazer análises gráficas mais profundas de ativos específicos, que no geral tem alcance de quase 98 milhões de pessoas.

Já os CNPJs mais influentes são majoritariamente portais especializados como Me Poupe!, InvestNews e Bloomberg Línea. Estas empresas seguem a tendência de também disporem da categoria dos analistas, ou seja, transformam seus funcionários em “influenciadores da casa”, com perfis separados dos institucionais, que atingem em média, 11,5 milhões de pessoas

“Os avanços no número de seguidores, no volume de publicações e no engajamento ratificam a crescente popularidade dos influencers sobre uma audiência que busca, cada vez mais, nas diferentes redes sociais fontes de informação para suas vidas financeiras”, diz Amanda Brum, gerente-executiva de Comunicação, Marketing e Relacionamento com os Associados da Anbima, em comunicado oficial à imprensa. 

Falta de transparência 

De acordo com o estudo Digital 2023: Brazil, da Data Reportal, 54% dos usuários usam as redes sociais para ver notícias e 42% para ver conteúdos, como vídeos, imagens e textos.

Produtores de conteúdo para internet e redes sociais vivem da criação de conteúdos que geram engajamento e remuneração das plataformas, mas, majoritariamente, vivem de marketing. “Os influenciadores não estão necessariamente interessados em abrir um diálogo, eles querem vender, vender um produto, um estilo de vida”, afirma Godoy. Os produtos vendidos podem ser tanto de produção própria, como cursos e palestras, como também de patrocínio de empresas.

Segundo o 5° Finfluenciadores, da Anbima, 249 influenciadores tinham algum vínculo com players do mercado financeiro, sendo que destes, apenas 83 eram associados à associação. O relatório ainda aponta que, hoje, a maior parte das parcerias dos influencers de economia são bancos, sendo a XP Investimentos a líder, com 16 parcerias, seguido pelo Banco Sofisa e BTG Pactual, a empresa que administra a Exame.

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Produtores de conteúdo para internet e redes sociais vivem da criação de conteúdos que geram engajamento e remuneração das plataformas, mas, majoritariamente, vivem de marketing.
Foto: Liza Summer/Pexels

Em sua matéria para à Piauí, Godoy descreve como os maiores jornais de economia do Brasil são influenciados por bancos. Infomoney, o maior portal da categoria, pertence a XP, que, por sua vez, tem o Banco Itaú como um de seus maiores sócios controladores, e a Revista Exame, comprada na década passada pelo BTG. Outras publicações como E-Investidor, Inteligência Financeira e InvestNews, são controlados e/ou financiados por Bradesco, Itaú e Nubank, respectivamente. 

A jornalista já trabalhava na Exame quando a revista foi comprada pelo BTG. Para ela, a mudança no ambiente de trabalho foi emblemática e parte de inspiração para sua matéria. Godoy conta que a interferência era grande e que depois de um ano, e muitos protestos, foi demitida.

Em seguida, foi procurada pela Inteligência Financeira, do Itaú, para compor sua redação com a promessa que o veículo não seria uma repetição de sua experiência anterior, prezando pela liberdade e transparência, mas isso não aconteceu, afirmou. Então, procurou a Piauí com sua pauta e obteve apoio de André Petry, diretor de redação.

Durante a fase de apuração de sua matéria, foi questionada por pares se não temia ser manchada e impedida de trabalhar na área. Dos lugares em que trabalhou, não conseguiu nenhuma entrevista ou declaração. Para ela, o mercado financeiro está mergulhado em um universo de contradições.

Em parte, os influenciadores e portais são responsáveis por criar as tradicionais ondas no mercado de investimentos, afirma a jornalista. “Vira e mexe um produto vira ‘moda’. Recentemente só se falava em COE (Certificado de Operações Estruturadas), um investimento super complexo, que é difícil saber o que tem ali, mas que pagava boas comissões, então todo mundo ficava falando.”

A pesquisa aponta os temas preferidos dos influenciadores: o mercado de ações, com 48,9% do volume de publicações, economia brasileira, com 10,5%, e criptomoedas, com 9,4%. 

Godoy afirma que as criptomoedas são frequentemente vendidas por influenciadores como forma de ficar rico rápido, porém dificilmente falam na mesma intensidade sobre seus riscos. Também são ativos que remuneram diversas casas de investimentos e bancos quando movimentados. O relatório da Ambima revela que são a classe de produtos mais mencionados pelos influenciadores e 93% das menções são sobre ativos de renda variável.

No relatório Finfluence 2022, a gerente-executiva de Comunicação da ANBIMA afirmou em comunicado que:

“Passado o período eleitoral, influenciadores e seguidores se voltaram para discussões relacionadas à política econômica do governo e repercutiram temas como o arcabouço fiscal, queda da inflação, incentivos fiscais para compra de carros e para quitação de dívidas, taxação de compras em plataformas de e-commerce, além das expectativas sobre a redução da Selic. Isso mostra que, além de disseminarem informações sobre educação financeira e finanças, os influenciadores são motivados também por assuntos que pautam a imprensa.”

Em setembro, a Anbima mudou suas diretivas para seus associados contratarem influenciadores com mais responsabilidade. Dentre as mudanças, a contratante deve se certificar que o influenciador tem a certificação necessária para falar sobre os assuntos, além de deixar claro que a publicação feita é um conteúdo pago.

Recentemente, Tiago Feitosa, especialista em mercados de capitais para a T2 Educação, disse ao G1 que na falta de uma regulação do trabalho dos influenciadores, a associação busca responsabilizar as instituições tanto quanto seus contratados, a fim de minimizar propagandas que acabam por induzir erros. Para ele, mesmo que um influenciador fale de um ativo com fins educativos, a audiência pode se sentir induzida a tomar decisões de investimento.

A regulamentação da associação seria uma forma de garantir o mínimo em termos legais, já que, no Brasil, qualquer recomendação de compra ou venda de ativos financeiros deve ser feita por um agente certificado por uma instituição competente como a Anbima. “Para muitos e muitas, os finfluencers são a porta de entrada para quem está começando a entender esse universo e são uma espécie de bússola para aqueles que querem ampliar seus conhecimentos na área”, avalia Amanda Brum sobre a edição do relatório que abarcava o ano de 2022 por inteiro.

O Primo Rico, segundo lugar no ranking geral de pessoas físicas pelo Finfluenciadores e um dos que mais engajam o tema de mercado de ações e criptomoedas, é dono da Rico Investimentos, uma propriedade da XP Investimentos, focada nas camadas mais populares. 

O influenciador é constantemente rodeado por polêmicas sobre a maneira que fala sobre investimentos. Um tema recorrente em seus vídeos é a ideia de sacrificar entretenimento e cultura em prol da formação de poupança, que deve ser usada como subsídio dos investimentos.

“Você é irresponsável se gasta dinheiro com entretenimento sem ter seis meses de subsistência guardado”, diz em um de seus vídeos, reproduzido em diferentes perfis, para milhões de pessoas. 

Segundo o IBGE, mais de 50% da população brasileira em 2022 ganhava até 2,9 mil reais por mês. Em pesquisa divulgada em agosto de 2023, a Genial/Quaest revelou que 68% dos brasileiros que ganham até 5 salários mínimos se consideram muito endividados. No total, a pesquisa mostra que 46% dos brasileiros endividados gastam mais que a metade de seus salários no processo de quitar dívidas.

Segundo o DIEESE, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, na Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, o salário mínimo de R$1.320,00 em Setembro de 2023 se contrapõe a um salário mínimo necessário de mais de 6 mil reais. 

Autor: Guilherme Russo.

Fonte: Cásper Líbero.