As mulheres da Geografia dentro das salas de aulas, no campo e no âmbito de suas funções sociais.
“A Geografia ajuda a entender muitos processos que ocorrem na nossa sociedade. Explica nossa realidade e nos convida a pensar em mudanças que tornariam a sociedade mais justa.”Rúbia Morato
A cartografia é uma das áreas de atuação da Geografia e tem como suas principais funções e atribuições: coletar, compilar e revisar informações geográficas por imagens de satélites; usar dados coletados por levantamento geodésico e sistema de sensoriamento remoto; criar mapas para fins ambientais, educacionais, políticos, entre outros.
Embora essa ciência humana seja muito importante para âmbitos sociais e físicos de um país, ela ainda possui pouca visibilidade científica e valorização educacional na sociedade brasileira. Apesar disso, Rúbia Morato, cartógrafa com mestrado em geografia física e doutorado em geografia humana pela USP, sempre gostou de mapas e, desde criança, se identificou com a carreira no ramo.
“Eu sempre gostei muito de Geografia e sempre tive admiração por mapas. Quando criança, desenhava mapas e podia ficar por muito tempo olhando para eles. A Geografia é uma ciência que consegue articular o que muitas vezes está disperso em outras áreas. Sempre gostei tanto de ciências naturais quanto de humanidades”, relata a cartógrafa.
A geógrafa e cartógrafa formada pela USP e agora doutora em Agronomia, Lígia Vizeu Barrozo, compartilha com Rúbia o mesmo sentimento de identificação na infância, mas acrescenta que sempre teve a certeza de que seria professora: “Atuar como professora, eu sempre gostei, ensinava minhas irmãs, ensinava sobrinhos. Então sempre gostei de ensinar, era uma coisa que eu queria fazer”.
“Agora, dentro da área da cartografia, me marcaram muito algumas aproximações que eu tive, o primeiro sendo elaborar uma maquete. Na época, eu participei de um estágio supervisionado em clima, mas a gente usava muita cartografia, pois íamos para o campo e fazíamos coleta de dados sempre com o mapa para representar dados e definir áreas de coleta”, narra a especialista.
Lígia começou a trabalhar em Sistema de Informação Geográfica e se interessou muito, continuando seus estudos no mestrado em geoprocessamento, área em que leciona na USP.
Dificuldades na atuação profissional geográfica na USP
Dentro do Departamento da Geografia, existiram dificuldades na atuação de mulheres como professoras. Problemas burocráticos e pessoais dificultaram as ações de cartógrafas dentro de suas afirmações profissionais. Questões associadas às desigualdades de gêneros foram expostas pela professora Rúbia:
“Em vários momentos, sinto um tratamento diferenciado por ser mulher, pois a atuação profissional é exercida numa sociedade que tem o machismo de modo estrutural, e isso se tornou muito mais intenso depois que me tornei mãe. Um outro professor considera que foi injustiçado em um concurso anterior porque uma candidata grávida passou. Ele acha um absurdo que uma mulher grávida tenha sido aprovada.”
A geógrafa acrescenta as dificuldades que culminaram em atrapalhar seu desempenho acadêmico na pós-graduação, por conta da sua gestação.
“Eu tive problemas com o meu recredenciamento na pós-graduação por conta da maternidade e da intransigência de regras, que acabaram por criar exigências impossíveis de cumprir. Felizmente, o Departamento de Geografia tem dois programas de pós-graduação e pude mudar para outro programa. Hoje, me sinto mais feliz no PPGH. Anteriormente, pude cumprir tudo o que estava ao meu alcance com muito esforço, mas o fato de ter me tornado mãe em plena pandemia, assim como minha primeira orientada de mestrado, acabou em uma situação bastante injusta.”
Para além das problemáticas envolvendo a maternidade e o gênero, o Departamento de Geografia também sofreu com questões burocráticas acerca da falta de material para pleno desempenho estudantil, como a falta de equipamentos, exposto pela professora Lígia:
“No meu caso, na área de cartografia, foi a parte técnica: de primeiro, não tinha computador na sala de informática; depois, a gente começou a dar aula com computador, mas não cabia todo mundo na sala. Então isso sempre foi uma sobrecarga porque eu repetia a mesma aula várias vezes para turmas diferentes ou as dividia no mesmo dia. A turma da tarde se dividia em turmas A e B, depois a da noite também. Então eu ficava repetindo a mesma aula quatro vezes, saía muito cansada. Era um esgotamento muito forte.”
A sobrecarga dos professores acaba acontecendo devido às várias atividades relacionadas à sua função, além de lecionar. Lígia também expõe que, além das aulas – que ainda possuem um modelo muito intenso em sala –, ela ainda possui a função de orientar alunos em pós-graduação e projetos de pesquisa, dar palestras, participar em bancas, entre outras atividades. As questões técnicas, como a falta de computadores, contribuíram com o excesso de cansaço e sobrecarga em sua atuação como professora.
Gratificação pela atuação como cartógrafa e professora
A ciência humana geográfica possui diversas áreas de atuação profissional que contribuem para o desenvolvimento social. Através de mapeamentos, é possível entender, investigar e expor a urgência de tratar doenças em cidades/estados do país, por exemplo. Além disso, com a Geografia, pode-se entender os fenômenos naturais e suas consequências na sociedade.
Além da própria atuação profissional já ser uma gratificação pessoal, a escolha de ser professora atribui o senso de estar mudando a vida de alunos que futuramente irão contribuir para manter a importância da Geografia em todas as esferas sociais e físicas do mundo.
“Meus alunos estão dando aula nas escolas, participando na gestão de várias esferas do governo, então, sinto que a gente do Departamento de Geografia tem um impacto na sociedade indiretamente. Isso me deixa muito contente”, acrescenta Lígia.
Além da formação de novos profissionais geógrafos para a atuação social, Rúbia acredita no âmbito de formar boas pessoas: “Como professora, o reconhecimento que sinto dos alunos é muito gratificante, além de que posso ver alguns orientandos sendo premiados, realizando trabalhos inovadores, alcançando boas posições profissionais e, principalmente, atuando com ética, sendo bons seres humanos.”
Por que a Geografia?
A escolha profissional é sempre algo desafiante, mas a vontade de fazer a diferença no mundo impulsionou a escolha pela Geografia e sua maleabilidade de conversar com diferentes áreas, de acordo com Lígia:
“Eu trabalho na área da Geografia da Saúde. Lido com muitas áreas diferentes e tenho oportunidade de trabalhar com projetos que eu acredito, que possam fazer, nem que seja uma pequeninha, diferença. Eu participo de inúmeros projetos de pesquisa do pessoal da Medicina, da Secretaria Municipal de Saúde. Projetos grandes, em que a Geografia faz diferença. A cartografia traz uma contribuição: uma forma de entender alguns problemas com a capacidade de análise espacial e de entender o mundo do espaço geográfico.”
Entretanto, é importante ressaltar as dificuldades de realizar uma graduação na época em que não existiam cotas para o acesso à universidade para a população de baixa renda e de escola pública. Rúbia afirma as condições problemáticas em que viveu para poder se graduar:
“Eu fui uma aluna pobre em um momento que a universidade era mais elitista do que atualmente. Não existiam cotas e a proporção de estudantes pobres, negros, pardos ou indígenas era muito menor. Estudei em escola pública da periferia, morava longe, andava distâncias mais longas para economizar na passagem de ônibus e convivia com colegas de classe média e alta na grande maioria. Eu me sentia muito diferente e sozinha naquele contexto.”
Apesar dessas dificuldades enfrentadas pela professora Rúbia, ela insistiu em seu objetivo de carreira e conseguiu terminar a graduação. Hoje, se encontra realizada na profissão que escolheu.
“A Geografia ajuda a entender muitos processos que ocorrem na nossa sociedade. Explica nossa realidade e nos convida a pensar em mudanças que tornariam a sociedade mais justa”, acrescenta Rúbia.
Autora: Tainá Rodrigues.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.