Entenda os prazeres e desafios da sexualidade na terceira idade, sem estigmas e mitos.
O sexo sempre foi tratado aos sussuros, como “aquela coisa”, sem muitos nomes e cheio de tabus. Uma das maiores artistas nacionais, Rita Lee, lançou uma música em 2003 chamada “Amor e Sexo” na qual fala sobre como eles são para vida toda, mas acima de tudo diz que “Amor sem sexo é amizade. Sexo sem amor é vontade.” Essa melodia foi apenas um dos avanços para começar a se tratar do assunto, mas não estamos nem perto de quebrar a censura em torno deste assunto.
Talvez você nunca tenha conversado sobre relações sexuais com seus avôs e pais, muitas vezes pode até acreditar que eles não são mais ativos, o que é uma grande mentira. O sexo é de extrema importância para que as pessoas desenvolvam autonomia, autoconhecimento, bem estar e diversos outros beneficios à vida. Apesar das dificuldades atribuídas pela idade, a vontade ainda está presente e os benefícios à saúde não perderam eficiência.
A população 60+ no Brasil cresceu 15,1% em 2022, totalizando mais de 33 milhões de idosos no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mesmo sendo a faixa etária que mais cresce na nação, o mito de serem assexuados é muito presente na sociedade, além do estereótipo de serem dependentes fisicamente e emocionalmente de um cuidador, o que pode ser realidade em alguns casos, mas não se pode generalizar. Segundo o Programa Nacional de DST/AIDS, 39,2% de pessoas acima de 60 anos são sexualmente ativos.
Segundo o livro “O Sujeito não envelhece: psicanálise e velhice”, escrito por Bernardo Mucida, “não é a idade que determina a ausência do desejo e, muito menos, a ausência ou a presença de relações sexuais mesmo que estas possam ser inscritas na velhice sob tecidos diferentes daqueles encontrados na adolescência e na vida adulta, nos quais computar os orgasmos é uma forma usual. A sexualidade do idoso pode encontrar caminhos inéditos nos quais o desejo, que não morre, encontra outras maneiras de inscrição.”
Apesar de serem ativos, solteiros ou casados, a dificuldade da população mais nova de entender as necessidades sexuais da terceira idade é um fator presente. O sexo é visto pela população como “algo de jovem”, levando em conta a idade do sujeito e que, consequentemente, ele seria belo e forte, muito semelhante ao que se encontra nas telas de cinema ou até no mercado pornográfico. Esse tipo de fala faz com que muitos casais, ao passar dos sessenta anos, ache normal não ter mais relações com seu parceiro, como se fosse algo que está “conforme o planejado.”
“Às vezes existe uma surpresa, não só dos familiares, mas dos profissionais da saúde. Imagina internar uma mulher de 78 anos de idade para fazer uma cirurgia genital, e ninguém que a internou ou que a atendeu acessou a informação se ela tinha experiências sexuais, porque essa cirurgia pode deixar a vagina em piores condições para ter um sexo penetrativo”, explica a doutora em ginecologia pela USP, obstetra, especializada em sexualidade humana e responsável técnica pelo consultório Casinha AmarEla, Érika Mendonça.
Junto a sua fala, ela ressalta que qualquer ato envolvendo genitálias, sendo a sua própria ou a de um parceiro, é considerado sexo. A sociedade pode não acreditar que idosos estejam fazendo sexo com penetração, mas além disso, eles estão se masturbando. O desejo é eminente e será adaptado em cada situação, o que não deixa de ser considerado sexo.
“A gente brinca, não precisa tomar remédio, ter estimulações absurdas, porque a gente se entendeu nesse processo”, conta Rosângela Marconde, de setenta e oito anos, sobre a atual relação com o seu marido, com quem está casada há quarenta e sete anos. Ela possui um perfil no instagram (@it_avo) com mais de dez mil seguidores, no qual compartilha ensinamentos, seu dia a dia, as pesquisas e colaborações que faz na Universidade de São Paulo (USP) e seus estudos sobre o envelhecimento.
Rosangela se casou virgem, e conta que o acesso à educação sexual não foi presente em sua vida. “Uma menina do interior cresce com o conceito de que ela precisa honrar o vestido branco que vai usar no casamento”, e acrescenta que “quando está chegando a época em que vai casar você precisa tomar o anticoncepcional, sendo a primeira vez que você vai ao médico para pegar a receita. Após isso chega o momento da grande conversa, com uma tia que sua mãe elege, mas nunca fala nada.”
Por conta dessa desinformação, Rosângela engravidou com quatro meses de casada. Já que os efeitos anticoncepcionais eram fortes e ela decidiu usar um método alternativo, que não tinha segurança. Contudo, ela explica que criou seu relacionamento com base no respeito e conhecimento, “meu marido fez duas operações no joelho, é mais difícil porque o homem tem a posição de mais esforço, talvez. Então a gente precisa pensar em uma forma de transformar isso em um momento agradável, sem dor, é tudo questão de tentativas e erros. A idade talvez traga algumas limitações, que podem transformar você em um ser mais criativo.”
Sexo na terceira idade, saúde e sexualidade
A Érika nos explica que as dificuldades que um idoso pode ter durante uma relação sexual está muito ligada ao tipo de vida e hábitos que ele tem. Ela explica que existem condições fisiológicas como alterações na hipófise, que é uma glândula que fica dentro do cérebro, que causa o aumento da prolactina e causa uma redução no desejo, na excitação e na ereção; disfunção na tireoide; tumores não identificados; baixa progesterona são alguns problemas de saúde que podem intervir na qualidade das relações. Junto aos problemas de comunicação, como a pós menopausa, as ondas de calor, insônia e falta de empatia também contribuem para um envelhecer disfuncional.
Contudo, se houver um comprometimento ósseo, físico e muscular do indivíduo com a sua saúde melhor será o seu envelhecimento:
“O quanto você cuida e maneja bem os termos de saúde em geral, isso também vai refletir na saúde em geral. Por sermos um todo, quanto mais cuidamos da saúde, alimentação, doenças crônicas, ações contra o sedentarismo, tabagismo e toxicidade das dependências químicas e da saúde psíquica, melhor estará a disponibilidade da integridade da saúde sexual ”, acrescenta Érika.
Como forma de dar visibilidade ao tema, Paula Sacchetta e Renan Flumian criaram o curta lançado em 2020, “Acenda a Luz”. Com apenas onze minutos de duração, é possível acompanhar os relatos de Isabel Dias, de 64 anos, sobre sua sexualidade e descobrimento. Isabel foi casada há muitos anos até que descobriu que seu marido a traía, então se separou e começou a se redescobrir. “Eu estou ótima, vivida, comida, gostada e amada”, diz sobre a nova fase da vida. Após o término, ela escreveu o livro “32. Um Homem Para Cada Ano Que Passei Com Você”, no qual conta das trinta e duas relações que teve após seu ex-marido e todo o processo de se redescobrir e achar a sua sexualidade.
Paola conta que a ideia do curta nasceu de um questionamento dela e do Renan, “Estamos solteiros agora, como será que vamos estar daqui vinte anos?”. O projeto teve sucesso imediato ao ser publicado no site MOV.doc da Uol e logo no primeiro final de semana ele já estava com quinhentas mil visualizações. Atualmente, “Acende a Luz” virou uma série de cinco episódios transmitida pelo canal da GNT, ela possui o mesmo nome, mas apresenta personagens do Brasil inteiro, e está disponível na plataforma GloboPlay.
“O que me chamou mais atenção foi como eles falam disso com naturalidade, sabe? Como o tabu é a gente que está de fora que impõe”, comenta Paola sobre as experiências que viveu nas gravações do curta e da série. “O curta impressionou a gente no sentido de um dia a Isabel chegar onde chegou, ela teve um orgasmo na nossa frente em uma cena com o vibrador.”
A diretora afirma que o assunto está mais vivo do que nunca, e os idosos têm vontade de falar sobre isso, estão dispostos, mas muitas vezes não têm oportunidade nem espaço. Ela comenta sobre esses corpos começarem a ganhar espaços nas Tv’s, propagandas, de se tornarem o sexo do cinema. O próprio nome do projeto surgiu com o objetivo de “por luz” neste assunto, após uma senhora dar um relato de que só transava com a luz apagada junto ao seu marido, com quem era casada há mais de trinta anos, porque ela sentia que não tinha um corpo que se via nas grandes telas.
Uma produção norte-americana apresenta um caso parecido com o de Isabel. A série fictícia “Grace e Frankie” apresenta duas amigas que aos setenta anos descobrem que estavam sendo traídas pelos seus maridos, os quais tinham um relacionamento entre eles e decidem se casar.
A obra foi lançada pela Netflix em 2015 e tem sete temporadas, nas quais as protagonistas buscam se reencontrar, entender suas vidas de solteiras novamente e redescobrir sua sexualidade na terceira idade. Com uma história muito semelhante a da protagonista do curta “Acende a Luz”, a série foi indicada ao Grammy e foi uma ideia dos co-criadores do famoso seriado “Friends”.
Um dos participantes da série da GNT é o especialista em gerontologia, profissional de educação física e comunicador Ney Messias. Morador de Belém, Seu Ney, como é conhecido, aos 62 anos concentra mais de 100 mil seguidores em seu Instagram (@seuneyzinho) onde fala sobre envelhecimento, filosofia e modo de vida saudável.
“A minha sexualidade não é mais uma coisa separada da minha jornada, o que por muito tempo foi. Sexualidade era muito sinônimo de sexo, e eu falo muito como isso mudou de foco para mim, como o sexo se tornou apenas uma parte de algo muito mais amplo”, explica Ney sobre o que tratou na série dirigida por Paola. Além disso, ele explicou como o amor e sexo eram tratados de formas separadas em sua vida, até ele “perder o tesão no amor”, e como isso foi mudando ao longo de sua vida e como ele foi entendendo a importancia de se unir os dois fatores.
“Quando o amor se estabelece ele precisa muito de intimidade, e é na intimidade que o amor cresce. Pois, é nas suas fragilidades que eu vou ou não continuar te amando, mas é nesse momento que eu me fechava e desassociava uma coisa da outra.”
Seu Ney explica que a continuação da sexualidade na terceira idade é algo natural, “algo que faz parte da minha jornada”, e que só acabará quando o próprio indivíduo determinar que acabou. “Eu acho que hoje a maturidade me trouxe um entendimento sobre sexualidade muito diferente do que eu tinha”. Ele explica também que há uma melhora, não de potência ou de frequência, mas de qualidade e fluidez dependendo da forma de vida que a pessoa leva, como já foi explicado anteriormente pela Érika.
O gerontólogo fala também como essa nova geração de idosos vêm de uma época de rebeldia, que deu a eles uma grande chance de descoberta pessoal para saber quem são. Além disso, ele explica que sua vida saudavel, suas tatuagens, a sua forte presença nas redes sociais e até a sua participação na primeira edição do MasterChef Master é apenas uma demonstração de sua personalidade e completa dizendo que sua geração não é de aposentados, “que ficam em seus aposentos”, sendo a geração que independe da idade irá aproveitar a vida. “As pessoas veem isso e acham que to querendo ser jovem, mas eu só quero ser eu!”
Perigos: IST’s
Apesar de todos os benefícios da vida sexual ativa na terceira idade, ela pode ser acompanhada de problemas, como as infecções sexualmente transmissíveis (IST). A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia fez um alerta sobre o aumento de casos destas doenças em idosos, elas são contraídas por contato sexual, sendo oral ou de penetração, sem o uso de preservativos, masculinos ou femininos.
Estas infecções podem ser causadas por vírus, bactérias ou fungos, sendo temporárias, crônicas ou incuráveis. O Boletim Epidemiológico HIV/AIDS 2021 do Ministério da Saúde mostra um aumento de 129% no número de novos registros de HIV em pessoas com mais de 50 anos, ao ser comparado com os anos de 2007, 2009 e 2019. Importante levar em conta que os dados podem estar um pouco defasados devido a pandemia do COVID-19.
“A pele interna da vagina de uma mulher idosa pode estar, fisiologicamente, mais ressecada, com mais risco de fissuras e com maior sucessividade de doenças”, explica Érika Mendonça. “A falta de lubrificação vaginal aumenta as fissuras, o atrito o espaço de acesso e facilita a transmissão. Homens mais velhos têm uma tendência de relativizar o uso de preservativos, alegando que reduz ou limita a ereção, ou pelo costume de não usarem, ou por não saberem qual a sua importância.”
Uma pesquisa feita pelo Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac) mostra que a desinformação e a falta de estratégias educativas em saúde são as principais causas do aumentos de IST ‘s em idosos, sendo 57,14% e 85,71%, respectivamente.
O avanço da medicina e da indústria farmacêutica são alguns dos fatores que possibilitam que os atos sexuais ocorram com mais frequencia na terceira idade, com medicamentos que ajudam na disfunção erétil, compostos naturais que aumentam o libido e medicamentos que aumentam a lubrificação feminina. Contudo, o tema não ganha abertura para discussão e a desinformação piora o cenário atual.
“Apenas 16,64% dos indivíduos entre 50 e 64 anos confirmaram o uso de preservativo. Isto é, com o aumento da idade existe uma tendência em diminuir o uso de preservativos nas relações sexuais”, explica o artigo “Doenças sexualmente transmissíveis e o envelhecimento”, de José Eduardo Martinelli.
A ginecologista e obstetra Érika diz que para aumentar a conscientização e diminuir o número de casos é necessário oferecer lubrificação, para diminuir as fissuras, orientar sobre o uso de camisinhas e seus tamanhos, no caso da camisinha masculina e rastrear IST’s. Muitas vezes, novos parceiros sexuais não são vistos como possíveis transmissores de doenças, sendo necessário saber se a pessoa fez exames de rotina e tratar caso tenha adquirido a doença.
O aumento das IST ‘s em idosos é um alerta que não pode ser ignorado. A ideia de que a sexualidade diminui ou desaparece com a idade é um mito que tem contribuído para a falta de educação sexual nessa faixa etária, levando a comportamentos de risco. É crucial que idosos recebam informações sobre prevenção, cuidados e testagem de IST, para proteger sua saúde e bem-estar.
Diversidade e respeito
A sexualidade na terceira idade é um tema complexo que tem recebido cada vez mais atenção nos últimos anos. Conforme a expectativa de vida aumenta, a discussão sobre o envelhecimento saudável inclui, necessariamente, a esfera sexual.
A procura por entender a sexualidade depois dos 60 anos é um fenômeno em ascensão. À medida que as pessoas envelhecem, muitas buscam informações, apoio e orientação para explorar sua sexualidade de maneira saudável e satisfatória. Profissionais de saúde e educadores desempenham um papel crucial nesse processo, oferecendo recursos e suporte para ajudar os idosos a navegar por essa fase da vida com confiança e informação.
Por fim, a questão de gênero também é relevante. A diversidade de orientações sexuais e identidades de gênero não desaparece com a idade, e os idosos LGBT+ enfrentam desafios específicos em relação à sua sexualidade. A inclusão e o respeito pela diversidade de gênero na terceira idade são essenciais para garantir que todos tenham a oportunidade de viver sua sexualidade de maneira autêntica e satisfatória.
Em resumo, a sexualidade na terceira idade é um tópico multifacetado que merece atenção e respeito. É imperativo combater os mitos, estigmas e preconceitos que cercam a sexualidade dos idosos, fornecendo educação, apoio e recursos para que eles possam desfrutar de uma vida sexual saudável e satisfatória, se assim desejarem. Além disso, a inclusão e o respeito à diversidade de gênero são fundamentais para garantir que todos tenham igualdade de oportunidades para viver sua sexualidade autenticamente, independentemente da idade.
Autores: Fernanda Soldateli, Diogo Campiteli, Maria Eugênia Cotait, Kimberly Caroline, Luigi Vargas, Felipe Novis e João Bechere.
Fonte: Cásper Líbero.