Athletic Bilbao: Um clube para além do esporte

Quando a luta de um povo por independência é representada também dentro das quatro linhas.

Há anos demonstrando sua importância para o futebol espanhol, o Athletic Club, popularmente conhecido como Athletic Bilbao, voltou às glórias, no dia 6 de abril, após um jejum de 40 anos sem vencer uma Copa do Rei, título muito importante para a história da equipe. 

Há um sentimento de união entre a torcida por conta de uma “regra” em não contratar jogadores que não tenham relação com o País Basco, tornando a equipe mais íntima da população e se fazendo presente em ações separatistas em relação ao resto da Espanha. Estes são alguns dos motivos que tornam a história do clube interessantíssima. Em entrevista ao Arquibancada,  Gustavo Hofman, jornalista e correspondente do canal ESPN na Espanha, ressalta: “O Athletic é uma potência, um dos grandes na Espanha, junto de Real Madrid, Barcelona e Atlético de Madrid”.  O comentarista da TNT Sports Brasil e youtuber, Walace Borges afirma: “Quando o Bilbao vence é diferente de outros clubes, porque ser campeão do ‘seu jeito’ é sempre mais ‘interessante, ganha da sua forma culturalmente. Uma vitória que marca a alma”

Símbolo atual do Athletic Club [Bernardo Carabolante/Acervo Pessoal]

A trajetória das lutas dentro e fora de campo

O Athletic foi criado em 1898 por ingleses que se mudaram para a região pelo forte desenvolvimento industrial, juntamente de jovens bascos que sabiam o idioma inglês — dando origem ao nome do clube na língua inglesa, Athletic.

Apesar de sua origem ter como marca imigrantes que levaram o esporte para a região basca, desde 1911 o clube adota a ideologia de não contratar jogadores que não tenham relação com a região basca. Um exemplo, é Vicente Biurrun, brasileiro de pais bascos, que morou em São Paulo até os 5 anos, quando se mudou para a Espanha, onde foi goleiro de Athletic e Real Sociedad entre 1986 e 1995, chegando a jogar pela seleção espanhola e pela seleção basca (não reconhecida pela Fifa). Gustavo Hofman, pontua: “O Athletic é o maior símbolo que existe do País Basco, o significado pro torcedor vai além da questão esportiva, é uma representação que eles têm do estado que se sentem pertencentes.” Na Espanha, apenas Real Madrid, Barcelona e Athletic nunca foram rebaixados, o que orgulha muito os torcedores do clube basco, principalmente em um contexto de futebol globalizado dos dias atuais.

Quando a ideia de uma liga espanhola — a La Liga — surgiu em 1928, o Athletic já era uma das principais equipes na Espanha, com nove títulos de Copa do Rei. Até 1936, quando teve início a Guerra Civil Espanhola, o Athletic voltou a ser campeão da copa nacional mais quatro vezes, além de vencer quatro títulos da nova liga. A Guerra Civil interrompeu e separou a geração mais vitoriosa da história do clube. Após o fim do conflito, em 1939, o Athletic ficou enfraquecido social e economicamente, sendo forçado a reestruturar o elenco com promessas do time juvenil e a mudar seu nome para Atlético de Bilbao, uma vez que o ditador Francisco Franco proibiu o uso de qualquer outra língua que não fosse a espanhola, como o inglês, utilizado pelo clube, e o euskera, idioma basco.  Os garotos que subiram da equipe júnior tornaram-se a base para um time que conquistou três copas e uma liga durante o pós-guerra.

“Nós não celebramos o sucesso, apenas continuamos a trabalhar dia após dia, ano após ano”José Maria de Vilallonga, presidente do clube em 1923

Durante os anos de ditadura franquista, o Athletic viu os times da capital se tornarem mais fortes, como o Atlético de Madrid, supostamente o time de coração de Francisco Franco, e o Real Madrid, que o ditador também simpatizava por ser da capital. Apesar dos anos difíceis, o clube se orgulha de derrotar o Real Madrid de Di Stéfano na final da Copa del Generalísimo — nomenclatura da Copa do Rei durante o Franquismo —, em 1958. Em 1972, o nome do clube voltou ao seu tradicional, com o fim da proibição de nomes estrangeiros no futebol espanhol. Perto do fim da ditadura, em dezembro de 1976, os rivais Athletic e Real Sociedad entraram em campo com a bandeira do País Basco como forma de se libertarem de um período que tentou calar todo um povo, reprimindo sua cultura, língua e qualquer coisa que remetesse à independência basca. A partir desse jogo, as manifestações em prol do uso da bandeira basca (ikurriña) cresceram exponencialmente, até que o governo aceitou semanas depois.

“A utilização de jogadores com relações bascas já é uma cultura tão bem estabelecida pelo Athletic que ninguém na Espanha pensa e nem fala em mudar”

Gustavo Hofman, jornalista da ESPN

Uniforme da seleção basca (não reconhecida pela Fifa), com a bandeira do país [Bernardo Carabolante/Acervo Pessoal]

Em 1977, meses após a ditadura e vivendo ótimo momento, o time disputou a final da Copa da UEFA — atual Europa League —, sua primeira final europeia, mas acabou derrotado pela Juventus. Apesar do revés, o Athletic intensificou sua ligação com a região basca após o fim do governo autoritário, adotando um hino em euskera em 1983, e exibindo a bandeira verde, vermelha e branca na braçadeira de capitão. 

Atualmente, a cidade de Bilbao muda durante os jogos do time em casa. Ainda que a partida não seja relevante, os habitantes costumam enfeitar as sacadas dos edifícios com faixas e bandeiras que dizem respeito ao clube. Um dos exemplos é o hino do clube, com forte apelo aos elementos locais da região, cantado antes e depois de cada partida. Walace Borges, completa: “Acho que por ter um único clube em Bilbao aumenta o sentimento de pertencimento das pessoas, ‘esse é o meu clube, representa o que sou’”.

No início da década de 1980, o Athletic emplacou uma sequência de quatro títulos — duas La Liga, uma Copa do Rei e uma Supercopa da Espanha —, comemorados de barco no Rio Nervión, que cruza a cidade de Bilbao, tornando-se uma tradição do clube, que só voltaria a acontecer 40 anos depois, em abril de 2024.

As décadas de 1990 e 2000 ficaram marcadas pelo centenário do Athletic e pela criação do time femino, respectivamente. O ano de 2015 trouxe de volta a alegria aos torcedores, com a conquista da Supercopa da Espanha sobre o Barcelona de Lionel Messi, Neymar e Luis Suárez, encerrando um jejum de 30 anos sem títulos. Em 2021, o clube foi campeão da Supercopa contra o Barcelona novamente, ocasião em que Lins, torcedor fanático do Athletic, diz ter começado a acompanhar o clube, criando o perfil Bilbao Brasil nas redes sociais. Porém, ele e a torcida ainda almejavam o mais adorado pelo clube, a Copa do Rei. 

A relação com a Copa do Rei

O Athletic é o segundo maior vencedor da competição, atrás apenas do Barcelona. O título é considerado por muitos torcedores como o mais importante a se conquistar na temporada, justamente por se tratar de um símbolo espanhol — o Rei —, trazendo um sentimento de “roubar” algo que não pertence aos bascos, o que reflete a ideia separatista da região para com o resto da Espanha. O clube ainda contava com o jejum de 40 anos sem Copa do Rei e seis vice-campeonatos, nas temporadas de 1984/85, 2008/09, 2011/12, 2014/15, 2019/20 e 2020/21. Apesar de ter ganhado uma Supercopa da Espanha nesse período, em 2016 e 2021, o troféu que realmente importa é a Copa, e que um mês atrás veio de forma épica, eliminando Barcelona nas quartas de finais e Atlético de Madrid na semifinal. Tendo como adversário da final a equipe do Mallorca, que fez um jogo equilibrado e saiu na frente do placar, mas não aguentou a pressão do Athletic e cedeu o gol de empate aos 50’. A decisão foi para os pênaltis, em que, após uma vitória por 4 a 2, a torcida basca pôde comemorar novamente uma Copa do Rei, depois de 40 anos de espera.

Parte da galeria de troféus do Athletic [Bernardo Carabolante/Acervo Pessoal]

Hofman explica que, na Espanha, não existe um sentimento de torcida contrária ao Athletic por ser um time basco, mas que “houve uma repercussão gigantesca, a festa na comemoração do título pelo Rio Nervión, tudo aquilo teve uma repercussão muito grande porque o Athletic é um clube grande”.

Como torcedor, Lins conta que a conquista do título foi um alívio, ainda mais depois de ter acompanhado de perto os vices contra Real Sociedad e Barcelona em sequência, tornando a conquista de 2024 especial por ter eliminado times grandes e de mais investimento. Ele diz que mesmo se o Athletic vencer mais títulos, este provavelmente continuará sendo o mais especial.

Já classificado para Europa League e sonhando com classificação para a Champions League através da La Liga, o torcedor se mostra confiante no time basco para a próxima temporada: “Creio que o time tem bons jogadores que estão na transição da base para o profissional, assim como tem possibilidade de contratar mais jogadores bons. Esperamos que Djaló seja um diferencial, pois é realmente um bom jogador, e que possamos contar com a renovação de jogadores fundamentais dentro e fora do campo”.

O comentarista Walace Borges opina: “A Europa League pode sim ser uma condição (de título), existe uma chance de disputa maior, com novas vagas para as competições europeias a partir da próxima temporada a tendência é que a Europa League se torne mais acessível. A Champions a nível de disputa, hoje seria bem mais complicada ao Athletic”.

Rivais desde a ditadura

De acordo com Gustavo Hofman,  o maior rival do Athletic é o Real Madrid, que teve nos anos de ditadura sua ascensão futebolística, enquanto os bascos eram oprimidos a todo momento. O confronto entre as equipes é conhecido como El Viejo Clásico.

“Uma rivalidade que ultrapassa os limites esportivos, que remete a própria história da Espanha, a ditadura franquista e aspectos sociopolíticos”

Gustavo Hofman, jornalista da ESPN

O documentário “O Madrid real. A lenda negra da glória branca” aborda a ideia de que o Real seria um clube modesto se não fosse pela ajuda de Franco à equipe e colegas que trabalhavam nela, como o próprio Santiago Bernabéu — que hoje dá nome ao estádio do clube —, que lutou ao seu lado na guerra. Em entrevista a Gustavo Hofman, os jogadores do Athletic Club, o meia Ander Herrera e o lateral Óscar De Marcos, pontuaram para Gustavo que a torcida encara os jogos contra Barcelona e Real Madrid, principalmente, como os principais jogos da temporada. O lateral admite que a maior rivalidade é com o Real Madrid, mas enxerga que esse sentimento possa ser maior para os bascos do que para os madrilenhos. 

Mas a rivalidade na capital espanhola não é apenas com um time. O Atletico de Madrid foi criado inicialmente como uma filial do Athletic por estudantes bascos que estavam longe de sua cidade e sentiam falta do clube de paixão. Após se tornar independente passou a rivalizar com o seu “irmão”, ainda mais após a ditadura franquista, como mencionado anteriormente, reprimir bascos e reforçar o apoio aos clubes madrilenhos. Gustavo Hofman conta que o confronto é tradicionalmente um dos mais movimentados na Espanha, com provocações entre torcidas e times. “A Frente Atletico, grupo de ultras do clube de Madrid, em dia de jogos leva muitas símbolos da bandeira espanhola e brasões reais para provocar a torcida basca, que se faz presente nas partidas com a bandeira do País Basco junta ao escudo do clube”, explica o jornalista. Um dos confrontos mais marcantes entre os rivais foi a final da Europa League em 2012. Com uma vitória por 3 a 0, o clube da capital levou a taça para casa. O Athletic pela segunda vez ficou com o vice campeonato. 

O derbi basco, como é conhecido o embate contra a Real Sociedad, é um clássico desbalanceado; a rivalidade favorece o clube de Bilbao, com títulos de maior expressão, maior número de vitórias e nunca ter sido rebaixado. Nas arquibancadas é um sentimento ameno, já que as torcidas possuem um relacionamento pacífico. Vale relembrar, como dito anteriormente, o confronto já foi palco para a manifestação basca ao fim da ditadura franquista.

A rivalidade com Barcelona já foi mais inflamada, principalmente nas décadas de 1930 e 1940,  quando disputavam entre si a maioria dos títulos. Com a ascensão do Real Madrid na década de 1950, a rivalidade entre o clube basco com o clube catalão esfriou. Exemplo disso são as seis derrotas do Athletic em finais da Copa do Rei, com quatro delas para o Barcelona. Em 2015, os bascos puderam interromper o almejado sextete do clube catalão, a conquista dos seis títulos disputados na temporada.

Autor: Bernardo Carabolante.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.