Uma rede de instituições de Ensino Superior no Brasil está apoiando a abordagem de boas-vindas do governo aos refugiados ao revalidar suas qualificações, permitindo que eles reconstruam suas vidas acadêmicas e profissionais.
Antes mesmo de aterrissar no Rio de Janeiro, o refugiado sírio Anas teve um gostinho da recepção calorosa que receberia em seu novo lar, cortesia da funcionária que emitiu seu visto humanitário no consulado em Istambul, onde ele estava morando na época.
“Eu lhe agradeci muito e ela disse: ‘Você não precisa me agradecer. Não estou lhe fazendo um favor. Esse é um direito seu’”, lembrou Anas. “Eu não tinha nenhuma ligação com o Brasil. Mas o fato de ter tido essa experiência positiva me fez querer me esforçar mais [para que a mudança fosse um sucesso].”
Ao aterrissar no Rio em 2015, suas primeiras impressões positivas continuaram, apesar de não conhecer ninguém ou falar uma palavra em português. “Quando cheguei aqui, todo mundo foi muito acolhedor”, disse ele. “Muitas pessoas estavam tentando falar árabe comigo, com o pouco que sabiam, como ‘ahlan wa sahlan’ (bem-vindo).”
Anas também ficou grato por ter recebido em sua primeira semana a documentação que lhe dava o direito de trabalhar e estudar no Brasil, mas havia uma incerteza que continuava a pairar sobre ele. O diploma de técnico em engenharia que ele havia se esforçado tanto para concluir dois anos antes não era reconhecido no Brasil, o que o deixava inseguro quanto à possibilidade de seguir seu sonho de se tornar engenheiro.
Assim como Anas, muitas pessoas refugiadas que deixam seus países são forçadas a abandonar não apenas suas casas e bens, mas algo intangível, mas igualmente valioso: suas formações acadêmicas e conhecimentos. As qualificações e a experiência profissional adquiridas ao longo de anos ou até mesmo décadas são muitas vezes invalidadas devido a barreiras linguísticas ou administrativas, limitando aos refugiados a oportunidade de contribuir plenamente para seus países de acolhida.
Incapaz de seguir seu sonho desde o início, Anas teve que encontrar outras opções para ganhar a vida. “Quando saí do meu país, literalmente deixei tudo para trás. Mas uma das coisas que sempre tive foi minha mentalidade de engenheiro. Os engenheiros gostam de encontrar soluções”, disse ele.
Essa mentalidade positiva o levou a se concentrar em seu maior hobby: cozinhar. Ele começou um negócio on-line de bufê servindo especialidades sírias, como fatteh e homus, para clientes brasileiros, com sua mãe na Síria fornecendo muitas das receitas. O negócio era sua principal fonte de renda até ser forçado a fechar quando a COVID-19 atingiu o Brasil no início de 2020.
Anas com a professora Paula Brandão, da Universidade Federal Fluminense, que o ajudou a revalidar seu diploma de engenharia no Brasil. © ACNUR/Jeoffrey Guillemard
Mas Anas nunca havia desistido de uma carreira em engenharia, e o revés de perder seu negócio permitiu que ele se concentrasse totalmente em seu objetivo. Enquanto administrava a empresa de bufê, ele começou a pesquisar sobre universidades brasileiras que ofereciam os mesmos cursos que ele havia estudado. Isso o levou à Universidade Federal Fluminense (UFF), na cidade vizinha de Niterói, e à professora Paula Brandão, que se tornaria uma figura fundamental para Anas ao orientar a revalidação de seu diploma no Brasil.
“O Anas me emocionou muito desde o primeiro dia”, disse a professora Brandão. “Expliquei a ele todo o procedimento que tínhamos, uma comissão, que ele seria bem recebido, que toda a sua carreira profissional seria bem observada, que ele deveria manter a calma. Mas entendi, a partir daquele momento, que ele não pouparia esforços para conseguir a revalidação a que tinha direito.”
Enquanto Anas se esforçava para melhorar suas habilidades na língua portuguesa, Brandão o ajudou a identificar quais cursos ele precisaria fazer para que seu diploma fosse reconhecido na UFF. Cada caso é diferente, explicou ela, e exige uma abordagem personalizada.
Anas visita uma sala de aula na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde fez vários cursos para que seu diploma fosse reconhecido. © ACNUR/Jeoffrey Guillemard
“Quando me tornei coordenadora do curso, achei que era um cargo burocrático”, disse Brandão. “Mas comecei a perceber em meu trabalho diário que se tratava de experiências de vida. Cada aluno vem com sua própria história, cada aluno tem seus [pontos fortes], suas dificuldades, e você mesmo aprende muito.”
A UFF é uma das 41 universidades em todo o Brasil envolvidas nesse programa inclusivo como parte da Cátedra Sergio Vieira de Mello (CSVM), uma parceria com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) nomeada em homenagem ao diplomata brasileiro da ONU morto junto com 21 de seus colegas em um ataque a bomba no Iraque em 2003.
A CSVM se comprometeu no Fórum Global sobre Refugiados (GRF, na sigla em inglês) de 2019 a “promover a inclusão de refugiados e outras pessoas deslocadas”, o que faz por meio de pesquisa, ensino, extensão, advocacy e formulação de políticas voltadas para questões de refugiados, incluindo a revalidação de diplomas para permitir que eles sigam carreiras em suas áreas de especialização. Quase 500 diplomas foram revalidados pela rede no Brasil nos últimos cinco anos.
Após dois anos de trabalho árduo e com o apoio de Brandão e de outras pessoas da UFF, o diploma de Anas foi previamente reconhecido em 2017. “Foi muito emocionante para mim porque senti como se uma parte de mim tivesse sido restaurada. Como se minha identidade tivesse voltado para mim”, explicou.
Hoje, Anas mora no Rio, fala português fluentemente, tem cidadania brasileira e trabalha como gerente de projetos em uma consultoria de TI. Embora sinta falta da Síria, dos amigos e da família que deixou para trás, ele diz que se sente em casa no Brasil agora.
“Ter esse diploma revalidado foi muito importante para mim. Isso me ajudou a conseguir um emprego. Ajudou-me a me integrar na sociedade brasileira. Isso me ajudou a me tornar uma pessoa diferente – ou a pessoa que eu sempre quis ser, na verdade.”
Fonte: ACNUR.