Por meio de cursos e capacitações oferecidas pelo programa conjunto Moverse, jovens refugiadas e migrantes começam a trilhar caminho profissional no Brasil.
Em 2022, a juventude foi a terceira faixa etária com o maior número de pessoas que solicitaram reconhecimento da condição de refugiada no Brasil – atrás da faixa entre 25 e 40 anos e de crianças, com menos de 15 anos de idade. Com o aumento da vinda de pessoas cada vez mais jovens para o Brasil, muitas acabam vivendo aqui a primeira experiência de emprego ou iniciando o próprio negócio.
De acordo com dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), dos 50.355 pedidos de reconhecimento da condição de refugiado registrados em 2022, 15.643 foram feitos por pessoas jovens – dessas, 8.284 eram venezuelanas. Meninas e mulheres respondem por pouco menos da metade desse grupo. Para além desses pedidos, há também os de residência, para aquelas que desejam viver no Brasil sem ser na condição de refugiada. Em Roraima, principal porta de entrada de pessoas vindas da Venezuela para o Brasil, o programa conjunto Moverse tem levado a essas jovens capacitação para que ingressem no mercado formal de trabalho ou para que consigam empreender.
É o caso de Samarys, que aos 24 anos acaba de formalizar a empresa onde vende roupas íntimas masculinas e femininas. Ela conta que é a primeira vez que empreende e encontra na família a inspiração para trabalhar e prosperar. “Meu marido tinha um mercadinho onde vendia legumes e verduras, e eu o ajudava às vezes, atendendo às pessoas. Ele me incentiva e compartilha informações comigo. Também fica com meus dois filhos para que eu participe dos cursos”, afirma.
Samarys é uma das alunas do curso de empreendedorismo oferecido pelo programa conjunto Moverse. Ela também fez curso de português e de corte e costura no Brasil, e participou das oficinas oferecidas pelo Moverse para acessar financiamentos públicos. O próximo passo é comprar maquinário e insumos para conseguir produzir peças de marca própria. “Os cursos estão me ajudando a preparar melhor para as coisas que quero fazer, a ter mais conhecimento e calma. Já consegui ter meu próprio negócio, com CNPJ e tudo. Meu sonho agora é primeiro comprar um terreno e ter minha casa própria. Depois, comprar máquina, linhas, tecidos e começar a produzir as minhas roupas, não apenas revender, como faço hoje. Planejo ter várias filiais da minha marca própria, produzir muito e vender barato, porque as pessoas gostam de economizar”, afirma.
Autonomia financeira
Muitas jovens que chegam ao Brasil nunca haviam trabalhado antes, por conta da idade. Nesse processo da adolescência para a fase adulta, as capacitações para o mercado de trabalho oferecem o conhecimento necessário para conseguir o primeiro emprego e ter a autonomia necessária para pensar na carreira profissional.
Denice chegou ao Brasil com 16 anos, em 2020. Em Boa Vista (RR), realizou diferentes cursos, entre eles, o de Atendimento e Vendas – feito também pela mãe e pela irmã. Logo após a finalização do curso, as três conseguiram ser interiorizadas para São Paulo com vaga de emprego sinalizada. No caso de Denice e a irmã gêmea, na época com 17 anos e ainda cursando o ensino médio, a oportunidade surgiu na contratação como jovem aprendiz. “Meu primeiro trabalho foi aqui no Brasil e foi muito legal. Trabalhei como jovem aprendiz por um ano e meio e coloquei muita coisa em prática do que aprendi no curso. Também aprendi muitas coisas que nunca havia pensado em aprender, na área administrativa e de recursos humanos, onde eu trabalhava”, lembra.
Com o salário que recebia, Denice conta que pôde saber a importância de se ter independência financeira, inclusive para pensar sobre o futuro. Hoje, aos 19 anos, ela não está mais trabalhando, mas planeja, em breve, dar os primeiros passos em direção à carreira profissional que deseja. “É importante trabalhar e ter o próprio dinheiro, porque para tudo a gente precisa de dinheiro – fazer curso, ter estudo, ajudar em casa. Eu me sentia independente, conseguia fazer muitas coisas sozinha”, lembra. “Agora, estou ajudando minha mãe com as coisas da casa e estudando para entrar em uma faculdade no ano que vem. Tem várias carreiras diferentes no Brasil, e eu quero uma em que eu me sinta bem. Penso em fazer medicina veterinária, que é o que gosto. Ou fazer alguma faculdade ligada ao setor financeiro, que foi onde trabalhei.”
Primeiros passos profissionais
Valery tem 18 anos e também teve o primeiro emprego no Brasil. Ela chegou há um ano ao país, junto com a mãe, o pai e três irmãos. No final de 2022, ela e a mãe finalizaram o curso de Logística em Roraima e, logo em seguida, conseguiram uma vaga formal de emprego no interior do estado de São Paulo. Hoje, ela trabalha, faz curso técnico e se prepara para tentar uma bolsa de estudos em uma universidade particular.
“Estou no meu primeiro emprego e é muito bom, tenho aprendido muito. Tudo o que aprendi no curso de Logística eu coloco em prática no trabalho. Estou muito feliz também porque trabalho junto com minha mãe. Com meu salário, ajudo a pagar aluguel, água, luz, tudo. E também estou conseguindo guardar”, conta. “Meu sonho é fazer medicina. Estou estudando para tentar uma bolsa de estudos no final do ano. Enquanto isso, faço os cursos que posso e que podem me ajudar na minha carreira. Agora, por exemplo, vou fazer um treinamento de brigadista na empresa. Vou completar um ano aqui. E, se Deus quiser, daqui a cinco anos estarei formada em medicina, começando a minha carreira como clínica geral.”
Sobre o Moverse
Iniciado em setembro de 2021, o programa conjunto Moverse tem duração até dezembro de 2023 e é implementado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e UNFPA, com apoio do Governo de Luxemburgo. O principal objetivo do programa é garantir que políticas e estratégias de governos, empresas e instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos e as oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. Para alcançar esse objetivo, a iniciativa é construída em três frentes. A primeira trabalha diretamente com empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. A segunda aborda mulheres refugiadas e migrantes, para que tenham acesso a capacitações e a oportunidades para participar de processos de tomada de decisões ligadas ao mercado laboral e ao empreendedorismo. E a terceira frente trabalha também com refugiadas e migrantes, para que tenham conhecimento e acesso a serviços de resposta à violência baseada no gênero.
Fonte: ACNUR.