A falta de chuva e o conflito persistente levaram mais de 110.000 somalis a atravessar a fronteira nos últimos dois anos para campos quenianos que já lutavam para lidar com a seca.
Durante grande parte de sua vida adulta, Shamsa Amin Ali teve que lidar com a falta de chuvas que secaram suas plantações, matando seu gado e forçando-a a se deslocar com sua família para o interior da Somália. Mas diante de uma seca implacável que atingiu a região do Chifre da África nos últimos três anos, sua resiliência atingiu o seu limite.
“Nas secas anteriores, nos mudávamos para cidades próximas e voltávamos quando chegava a chuva, mas esta seca é a pior que já vimos”, disse Shamsa 38, mãe de dez filhos e originalmente de Saakow, sul da Somália.
Cerca de 20 meses atrás, ela perdeu a esperança de que as tão esperadas chuvas voltassem e foi forçaca a embarcar na longa e difícil jornada para Quênia em busca de segurança com seus filhos.
“Caminhamos oito dias para chegar aqui. Não tinha nada para alimentar meus filhos. Eles choravam e choravam e choravam”, disse Ali. “Em algum momento, pensei em tirar minha própria vida em vez de vê-los morrer de fome na minha frente.”
A mãe de Ali, de 82 anos, disse que a seca atual superou qualquer outra de que ela pudesse se lembrar. “Nunca passei por esse tipo de seca. Isso me forçou a fugir do meu país em busca de comida.”
Nos últimos anos, mais de 110.000 somalis chegaram aos campos de Dadaab, no Quênia, impulsionados por uma devastadora combinação de conflito e seca em busca de comida, água e segurança.
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A região do Chifre da África, incluindo Etiópia, Somália e Quênia, enfrenta a seca mais longa e severa em 40 anos. O fracasso sem precedentes de cinco estações chuvosas consecutivas está levando milhões de pessoas à fome.
“Shamsa e sua família, como outros refugiados somalis que chegaram aqui, são vítimas dessa mistura de elementos tóxicos; mudança climática, conflito e deslocamento”, disse Joung-ah Ghedini-Williams, chefe de comunicações globais do ACNUR, que visitou Dadaab recentemente.
“Eles estão sofrendo aqui por causa de coisas totalmente fora de seu controle, coisas que eles não criaram”, acrescentou.
Guuray Abdi, 68, disse que suportou 30 anos de conflito na Somália, mas não conseguiu resistir à fome. A seca destruiu as plantações de sua família e matou todo o gado.
“Imagine não poder alimentar seus filhos…”
Ela descreveu os ossos de animais mortos espalhados pela paisagem árida de sua cidade natal, Bu’ale, no sul, como “pilhas de pedras brancas”.
“A seca é pior do que o conflito em curso na Somália, tornou a vida ainda mais difícil. Imagine não poder alimentar seus filhos e eles dormirem com fome”, disse Abdi.
“Houve combates na minha aldeia. Meu parente e seu filho foram mortos e seus filhos fugiram para a Etiópia. Mas quando a seca acabou com nossas colheitas, não tivemos escolha a não ser fugir para o Quênia”, acrescentou.
Com os recém-chegados, a população de Dadaab aumentou para mais de 320.000 refugiados, pressionando os recursos já sobrecarregados. A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e seus parceiros estão lutando para fornecer a assistência necessária, incluindo água, alimentos, cuidados de saúde e outros serviços vitais para os mais vulneráveis, incluindo crianças que estão entre as mais atingidas.
Guuray Abdi, 68, de Bu’ale, na Somália, fugiu para Dadaab com seu filho Omar após 30 anos de conflito. © ACNUR/Charity Nzomo
“Em dezembro passado, mais de 3.000 crianças menores de cinco anos foram tratadas por desnutrição. As admissões nas enfermarias pediátricas dobraram em um ano”, disse Lorraine Dalizu Ombech, oficial de proteção do ACNUR em Dadaab.
“Juntamente com parceiros, lançamos serviços críticos de proteção infantil, incluindo intervenções nutricionais de alto impacto para mulheres grávidas e lactantes, bebês e crianças pequenas. As crianças inocentes da Somália merecem um começo de vida saudável. Devemos isso às crianças e mulheres da Somália, que continuam a suportar o peso do longo conflito e das secas cíclicas”.
Os campos de Dadaab foram estabelecidos pela primeira vez na década de 1990 para abrigar cerca de 90.000 refugiados somalis que fugiam da guerra civil do país, mas desde então cresceram e se tornaram um dos maiores assentamentos de refugiados do mundo. Abdullahi Ali estava entre o primeiro grupo de refugiados que chegou ao campo quando criança. Ele agora tem 40 anos e atua como líder comunitário ajudando os recém-chegados a se instalarem.
“Os refugiados em Dadaab passaram por tantos desafios. Mas nada comparado ao que eles estão passando hoje”, disse Ali. “Aqueles de nós que estão aqui há mais tempo estão ajudando os recém-chegados. Eles precisam de abrigo, comida, água e serviços de saúde. Fazemos o possível para compartilhar o que podemos com os recém-chegados, mas não podemos fazer muito.”
Enquanto os recém-deslocados como Ali esperavam inicialmente que sua permanência em Dadaab fosse temporária, as previsões de uma sexta estação chuvosa fracassada tornam muito remota a perspectiva de retornar às suas fazendas.
“Não posso voltar para a Somália porque os desafios ainda existem”, disse Ali. “A seca continua. Minha fazenda, animais e até minha casa foram destruídos, então não há para onde voltar.”
Ela acrescentou que, devido às mudanças climáticas, os padrões climáticos se tornaram mais imprevisíveis. “Às vezes chove, às vezes não chove. O tempo fica muito duro.”
“Não podemos permitir que crianças morram de fome”, disse Ghedini-Williams. “O povo de Dadaab e os milhões de outras famílias deslocadas na região do Chifre da África que foram arrancadas de suas casas pelas mudanças climáticas merecem assistência e proteção. Devemos nos unir para fazer tudo o que pudermos para salvar vidas e ajudar as comunidades a se recuperar e reconstruir.”
Autor: Moulid Hujale em Dadaab.
Fonte: ACNUR.